Gestão

Saúde Mental: como calcular o ROI de um programa e dicas para começar com pouco investimento

Vittude Summit

Por Monica Miglio Pedrosa

Os transtornos de saúde mental de parte dos colaboradores estão causando impactos significativos e crescentes nas organizações. Em 2023, mais de 288 mil pessoas receberam benefícios do INSS por afastamento devido a transtornos de saúde mental, um aumento de 38% em relação a 2022. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que a depressão e a ansiedade vão custar US$ 6 trilhões por ano em perda de produtividade no mundo. O tema vem ganhando importância no país: em dezembro de 2023, o Projeto de Lei 2364/23 foi aprovado na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. O PL concede desconto no Imposto de Renda às empresas tributadas com base no lucro real que adotarem programas de saúde mental no ambiente de trabalho.

Para discutir como lidar com o problema da saúde mental nas organizações, a healtech Vittude reuniu mais de 1.100 profissionais de RH e líderes de empresas no Vittude Summit. O primeiro dia do evento, realizado ontem, em São Paulo, teve painéis com CHROs e especialistas que debateram sobre como calcular o ROI de saúde mental corporativa, estratégias integradas de Saúde Mental e Diversidade, Equidade e Inclusão e o impacto da saúde mental na marca empregadora, entre outros temas.

Para Tatiana Pimenta, CEO e cofundadora da Vittude, programas estratégicos de saúde mental devem ser desenvolvidos em três pilares: promoção, prevenção e intervenção. A maioria das empresas está nos estágios iniciais de maturidade em gestão de saúde mental. O primeiro, Negligência, é quando a empresa não reconhece o tema como sendo organizacional e culpabiliza o indivíduo pelo transtorno. O segundo estágio, Conscientização, é reativo, com ações emergenciais ou pontuais. Estratégia é o terceiro, quando a empresa passa a ter um budget de investimento em programas e adota uma abordagem proativa.  No quarto e último estágio, Reinvenção, as empresas começam a pensar em reestruturação organizacional e em ações de predição e change management.

Como começar a atuar em saúde mental sem budget?

“Começamos pequenos, em 2012, e fomos evoluindo com o tempo. Gosto de reforçar isso porque é de fato uma jornada de longo prazo”, conta Renata Simioni, Diretora de Jornada do Colaborador do Grupo Boticário, empresa que está atualmente no estágio de maturidade de Estratégia, caminhando para Reinvenção.

“No início acompanhamos os afastamentos por CID-F [transtornos mentais e comportamentais]. Os indicadores que acompanhávamos eram o de absenteísmo e de custo de salário por horas não produzidas. Também trabalhávamos com a percepção dos business partners, junto às lideranças, de que o problema se agravava na organização”, compartilha Emerson Martins, HR Director Latam Thomson Reuters. A empresa começou a conceder como benefício a psicoterapia, que é usado ativamente hoje por 18% dos colaboradores. “O volume de atestados subiu de 2022 para 2023, mas tivemos 60% de redução nas horas de absenteísmo. Esse dado indica um movimento de prevenção, de buscar consultas, para evitar que o problema chegue a um nível severo”, relata.

“Quando me perguntam sobre ROI e saúde mental eu respondo: de qual ROI você quer falar? É o ROI em relação ao absenteísmo? Ao FAP [Fator Acidentário de Prevenção]? Ao aumento do sinistro médico? Turn over? Produtividade? São dezenas de possibilidades de ROI”, conta o Dr. Glauco Callia, Head de Medicina Corporativa da Vittude.

“Na Totvs iniciamos o movimento de saúde mental com o saving que conseguimos em uma negociação mais eficiente com o plano de saúde. Começamos então a investir em saúde integral, a acompanhar indicadores e o impacto no negócio e fomos evoluindo no tema”, compartilhou Fernando Sollak, Diretor de RH da Totvs.

Impacto positivo na marca recrutadora

Além da melhoria dos indicadores de saúde mental dos mais de 10 mil colaboradores da Totvs, houve um ganho secundário do processo. “O impacto na marca empregadora é uma consequência de investimentos em programas de saúde mental, mas é preciso ter consistência ao longo do tempo para poder dizer que isso é um atributo da empresa”, enfatiza Sollak.

Para Fabiana Galetol, Diretora de People & Corporate Social Responsability da Pluxee, conversar com os colaboradores sobre o tema ajuda a desmistificar o estigma. “Nosso programa de comunicação Conectando Conhecimentos levou temas de D&I e saúde mental e descobrimos que as pessoas queriam falar sobre isso. Quando os líderes começaram a contar suas histórias, eles abriram espaço para outras pessoas contarem também as suas.”

Naamisis Campos, CHRO da RDStation, disse que a empresa olha o tema em três frentes: priorização da saúde mental no design organizacional (estrutura), para criar uma estrutura que permita a construção de um ambiente saudável; desenvolvimento de habilidades como autoconsciência, para entender o que faz bem para cada pessoa individualmente; e suporte, como a oferta de benefício de psicoterapia. “Começamos a perceber um movimento dos próprios colaboradores de levar isso de forma genuína para o mercado, o que gerou impacto positivo na marca empregadora”, conta. Segundo Naamisis, em 2018 as vagas da RD Station tinham, em média, 25 mil aplicações de candidatos. Hoje, o número dobrou para 50 mil em média.

“Recentemente investimos nos líderes, para que eles sejam multiplicadores do bem-estar na Totvs. Fizemos letramento e definimos alguns líderes de referência em qualidade de vida, que se tornaram porta-vozes do tema na organização”, conta Sollak.

Saúde mental no Varejo: os principais desafios e aprendizados do setor

O segundo painel do primeiro dia do Vittude Summit trouxe o recorte de grandes varejistas que já estão atuando e colhendo frutos dos programas de saúde mental em suas organizações.

Caio Nalini, Diretor de Gestão de Pessoas do Magalu, empresa que tem mais de 38 mil colaboradores e 1.00 lojas físicas, aponta que o varejo tem desafios próprios para investir em Saúde Mental, como margens reduzidas. “O lado positivo disso é que somos provocados a pensar em como tratar o tema de forma simples, o mais fluida possível, de maneira factível”, conta. A disparidade de perfis na organização é outro desafio para essa complexidade: são 22 mil colaboradores em lojas, 8 mil em distribuição, 8 mil em áreas corporativas, marketplaces e negócios, incluindo um call center próprio e o hub de tecnologia Luiza Labs. “São mundos muito diferentes. Nessa complexidade, a saída foi fazer um trabalho forte em desenvolvimento de liderança, para que eles fossem os promotores de saúde mental no Magalu”, explica.

Para isso, foi feito um investimento em capacitação da liderança para identificar nas rotinas de gestão qualquer sinal de adoecimento das pessoas que não está sendo dito. “Uma live que fizemos entre um diretor de tecnologia e um parceiro de saúde mental foi decisiva. Esse diretor iniciou a conversa contando uma história pessoal de depressão. Isso mudou toda a interação do público com o conteúdo que veio a seguir”, relata.

Outra empresa que passa por enormes desafios no sentido de complexidade de públicos é o Grupo Pão de Açúcar (GPA), que tem mais de 40 mil colaboradores em 700 lojas. A diversidade de públicos abrange colaboradores que trabalham no setor administrativo, nas lojas e nos centros de distribuição, além das diferenças regionais. “Não tem como falar de saúde mental sem incorporá-la à cultura corporativa. Quando começamos pelo acolhimento dos líderes, a história muda, porque essas pessoas também estão precisando ser cuidadas, eles não têm repertório para trabalhar com os problemas dos colaboradores”, revela Érica Petri, Diretora Executiva de Recursos Humanos e Sustentabilidade do GPA.

Érica compartilha que o próprio Abílio Diniz, fundador do GPA, falecido recentemente, tinha a cultura do cuidado em seu DNA. Não só pelo estímulo à saúde física dele e dos colaboradores, como pela criação de uma cooperativa habitacional e de crédito para atender os funcionários. “No GPA temos um canal 0800 que é 24 x 7, de atendimento psicossocial aos colaboradores e familiares, que fez mais de 50 mil atendimentos em 2023”, conta Érica.

Além do importante papel das lideranças no varejo, as políticas corporativas são fundamentais para mudar o jogo. “Políticas instituídas fazem com que elas se perpetuem independente das pessoas que estão na empresa”, garante Mafoane Odara, Diretora de Pessoas, Cultura e Transformação da Zamp, que detém as marcas Burger King e Popeyes, com mais de 16 mil colaboradores. “Temos mais de mil lojas, com diferentes culturas. E está tudo bem ser diferente. Temos que aprender a valorizar o diferente. É preciso naturalizar o tema Saúde Mental nas conversas da empresa. Líderes inconscientes não sabem o impacto que podem gerar em suas equipes”, conta.

Estratégias de Saúde Mental e D&I

Nesse painel, Ana Paula Franzotti, Diretora de Desenvolvimento Organizacional, Cultura e Equidade, Diversidade e Inclusão da Unilever foi contundente em sua fala: “Não é só com letramento que os líderes vão mudar suas ações, porque as pessoas têm vieses. Fomos ensinados a excluir quem é diferente.”

Ela conta que a Unilever tem programas de atendimento psicológico 24 x 7, que não eram procurados pelos colaboradores. Quando a empresa começou a fazer pequenos focus groups com o tema depressão, esses encontros tinham fila de espera de interessados. “Ainda precisamos vencer o tabu sobre Saúde Mental nas organizações”, conta. Para Ana Paula, a diversidade exige dos líderes uma escuta ativa individual muito diferente da que acontece entre iguais. “Em equipes diversas, o líder precisa entender questões que ele não entende, porque não vivencia, mas que impactam na saúde mental das pessoas. Isso exige mais do líder.”

Ela citou práticas utilizadas pela empresa que tiveram resultados rápidos. A primeira foi a criação da figura de Champions de Saúde Mental, pessoas que gostam de escutar e acolher e que recebem um treinamento estruturado para acolher colaboradores que não conseguem falar de suas questões com seu líder. Os Champions não têm responsabilidade de endereçar o tema, mas acolhem a angústia do colaborador e dão sugestões baseadas no protocolo da empresa. A segunda prática são os programas de mentoria: em 2023, 500 mulheres passaram pelo programa, que será estendido para pessoas negras e PCD.

“As empresas precisam assumir essa parcela de responsabilidade social, tanto de Saúde Mental como de Diversidade e Inclusão, que nos foi deixada como legado. A Diversidade pode ser promotora da Saúde Mental, quando você trabalha o pertencimento e elimina os gatilhos de exclusão das pessoas. Algumas coisas têm que ser mudadas pela convicção, outras pelo constrangimento”, diz Ana Menegotto, Human Resources Vice-Presidente Brasil Regions da Sodexo.

Ana conta que a agenda de diversidade da Sodexo tem muitos anos. Hoje, 84% da liderança média da organização é composta por mulheres. Elas são 56% no C-Level. A empresa agora amplia a atuação e inclusão de pessoas LGBTQIA+, PCD e de outras  raças. “Temos ainda que lidar com a inclusão etária, dos colaboradores 50+”, destaca. Há dois anos, a Sodexo criou o programa Fadas Madrinhas, de voluntárias que acolhem mulheres vítimas de agressão. “É um programa que já salvou vidas de colaboradoras. Esse é um exemplo de caminho que demanda mais mobilização do que investimento”, compartilha.

Saúde Mental e Engajamento

Apenas quatro colaboradores em cada 10 estão engajados nas empresas brasileiras. Esse número cai para três colaboradores engajados em 10 se considerarmos somente os cargos até nível de gerência. Os dados são do estudo Engaja AS, conduzido pela Flash, em parceria com a FGV Eaesp e o Talenses Group, que ouviu 1732 trabalhadores em todo o Brasil.

O estudo avaliou o nível de engajamento dos colaboradores considerando seis dimensões (que se desdobram em 31 atributos):  Ambiente de trabalho positivo, Trabalho com significado, Confiança na Liderança, Boas Práticas de Gestão, Oportunidades de Crescimento e Remuneração.

O estudo revela que as regiões Norte e Nordeste são as que têm o maior volume de funcionários engajados no Brasil (58%), sendo a região Sudeste a pior, com apenas 30% de engajamento. Uma das hipóteses para isso são as oportunidades mais escassas no N/NE e um maior índice de pobreza. Os Millennials são a geração mais crítica: 61% dos profissionais com até 42 anos não estão engajados ou ativamente engajados. O trabalho remoto tem pessoas mais engajadas (45%) do que as pessoas que trabalham nos demais modelos (40%). Quanto maior o tempo de casa, maior o engajamento, com o pico sendo atingido entre os trabalhadores que têm entre 7 e 8 anos de empresa.

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