Gestão

“Sou um carro sem retrovisor”, diz Jorge Moll ao falar sobre seu foco no futuro da Rede D’Or

Paulo Moll e Jorge Moll

Monica Miglio Pedrosa

De um pequeno laboratório no Rio de Janeiro a um grupo avaliado em cerca de R$ 100 bilhões, com lucro líquido de R$ 1,5 bilhão no terceiro trimestre de 2025, uma rede de 79 hospitais e mais de 13 mil leitos, que adquiriu a SulAmérica por um valor estimado de R$ 15 bilhões em 2022 e prepara expansão acelerada por meio de parceria estratégica firmada com o Bradesco Seguros em 2024. A trajetória de sucesso da maior rede privada de hospitais do país, a Rede D’Or, nasceu a partir da determinação do cardiologista Jorge Moll Filho e a construção desse império começou com a inauguração da clínica de diagnósticos Cardiolab, fundada por ele em 1977.

Para relembrar os principais marcos dessa história e compartilhar os aprendizados construídos ao longo de quase cinco décadas, o fundador, normalmente avesso a aparições públicas, abriu uma exceção e dividiu o palco com o filho, Paulo Moll, CEO da Rede D’Or, durante o Zoox Data Revolution, na última terça-feira.

No bate-papo mediado por Rafael de Albuquerque, fundador e CEO da Zoox, pai e filho falaram sobre liderança, cultura, tecnologia, disciplina operacional, sucessão e os desafios vividos durante a pandemia, período em que a rede ergueu hospitais de campanha em tempo recorde, evitando o colapso do sistema de saúde no Rio de Janeiro.

Confira, a seguir, os principais insights do debate:

Jorge Moll, fundador da Rede D'Or, Paulo Moll, CEO da Rede D'Or e Rafael de Albuquerque, fundador e CEO da Zoox
Jorge Moll, fundador da Rede D’Or, Paulo Moll, CEO da Rede D’Or, e Rafael de Albuquerque, fundador e CEO da Zoox

Médico na Ilha das Cobras

Prestes a completar 80 anos, Jorge Moll formou-se pela então Faculdade Nacional de Medicina (atualmente pertencente à UFRJ) em 1969. Logo depois, serviu na Marinha, onde atuou por três anos no Hospital Central da Marinha, na Ilha das Cobras, que abriga também o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, na região da Praça XV, no centro da cidade. Nessa época, contou que atendeu muitos presos da Ilha das Flores, experiência que marcou sua formação como médico.

Mudança da capital impacta a qualidade da saúde no RJ

Na visão de Jorge Moll, a mudança da capital para Brasília, em 1960, afetou a qualidade da saúde oferecida no estado nas décadas seguintes, especialmente no que diz respeito aos hospitais. Em 1977 ele abriu a Cardiolab, clínica de diagnóstico por imagem, cuja primeira unidade ficava em Botafogo, na zona sul carioca. Nos anos subsequentes, inaugurou novas unidades e, em 1990, o Grupo Labs chegou a 40 unidades. “Médici, Geisel e outros políticos importantes passaram pelos nossos laboratórios”, contou.

Primeiro hospital Copa D’Or

Preocupado com a baixa qualidade dos hospitais públicos e com a ausência de hospitais particulares de referência no Rio de Janeiro, Jorge Moll decidiu construir seu primeiro hospital. O Hospital Barra D’Or foi inaugurado em 1998 e, dois anos depois, o Hospital Copa D’Or abriu as portas, ocupando o prédio do antigo Hotel Copa D’Or, que deu origem ao nome da Rede D’Or.

Dr. Jorge explicou que o plano inicial era inaugurar primeiro a unidade de Copacabana, mas como o espaço exigiu uma ampla reforma, o Copa D’Or acabou sendo inaugurado em 2000 e se tornou o único hospital com heliponto da zona sul. A partir de 2010, a Rede D’Or iniciou sua expansão para fora do estado, com o Hospital e Maternidade Brasil, em Santo André (SP), e o Hospital São Luiz Morumbi.

Apetite para o risco

Paulo Moll mencionou um dos fundamentos do livro Os axiomas de Zurique, de Max Gunther, para falar sobre risco: “Se você vai dormir e nada te incomoda, não está tomando risco suficiente em seu negócio”. Ele afirmou ter menos apetite para o risco do que o pai e comentou que talvez não tivesse dado o passo ousado de criar os primeiros hospitais. Ao mesmo tempo reconheceu que “não se constrói um grande negócio sem tomar risco.”

Cultura de trabalho

Pai de cinco filhos, Jorge Moll manteve a rotina de trabalho muito próxima da família. Paulo contou que cresceu vendo de perto esse esforço, inclusive dentro de casa. A família morava em um apartamento de três quartos até adquirir o apartamento logo abaixo. Dois dos filhos passaram a morar no novo espaço, mas a sala acabou virando a área administrativa e contábil da empresa, onde 12 pessoas trabalhavam. “A cultura de trabalho foi um grande exemplo que aprendi com meus pais”, afirmou Paulo.

Sucessão

Quando Dr. Jorge vendeu as unidades do Labs para o Grupo Fleury, o filho Pedro assumiu o negócio durante a fase de transição. “Pedro tem a personalidade parecida com a minha. Já o Paulo é mais organizado e metódico. Ele começou a trabalhar na empresa com 21 anos e assumiu como CEO aos 39. Foi uma passagem programada”, contou.

Cultura de dono

Segundo Paulo, a proximidade com as operações sempre foi uma marca da Rede D’Or. Até pouco tempo atrás, pai e filho entrevistavam pessoalmente todos os diretores de hospitais. Com a chegada ao 80º hospital, a prática se tornou inviável e apssou a ser conduzida por Rodrigo Gavina, CEO de hospitais e colaborador há 25 anos conosco.  A empresa prefere formar suas próprias equipes e só recorre a contratações externas em casos muito especiais, priorizando profissionais com forte capacidade de adaptação à cultura D’Or.

Pandemia

“Como a qualidade da medicina pública do RJ é muito baixa, sabíamos que a rede ia colapsar na covid-19. Estava em Nova York quando tudo começou e retornei rapidamente para o Brasil”, afirmou Dr. Jorge. A rede investiu R$ 300 milhões nesse período, criou dois hospitais de campanha, um na Lagoa e outro na Barra, cada um com 400 leitos. Também apoiou a Santa Casa de SP e abriu seus hospitais para pacientes com covid, com as internações reguladas pelo estado.

“O único prejuízo de nossa história aconteceu no segundo trimestre de 2020”, contou Paulo, quando os hospitais ficaram vazios e a demanda por covid ficou abaixo da necessidade reprimida de cirurgias e atendimentos eletivos, suspensos nesse período.  Em junho de 2020 o Hospital Glória D’Or foi inaugurado e abriu diretamente para atender pacientes com covid. “Vivemos gestão de crise 24 horas por dia”, recordou.

Tecnologia e IA

Dr. Jorge visitou recentemente os hospitais da Rede D’Or em Brasília, que operam com uma plataforma tecnológica que grava o atendimento de emergência. “O médico não precisa ficar digitando o que está conversando com o paciente e pode voltar a fazer uma consulta olho no olho. Isso humaniza o atendimento”, destacou Paulo. A inteligência artificial também apoia diagnósticos complexos e raros, indicando exames específicos para identificação da doença. “A assistência visa permitir que o médico use sua sensibilidade para capturar outras questões com o paciente, para fazer o exame físico e outros. Lembrando que a decisão final é sempre do médico”, explicou.

“Desde que a inteligência artificial entrou na Rede D’Or, a cultura mudou muito. As pessoas estão motivadas e não querem mais trabalhar sem IA”, garantiu Dr. Jorge.

O sonho que continua movendo os Moll

“Nosso propósito é ampliar o acesso à medicina de qualidade no país”, reforçou Paulo, antecipando que as cidades de Ribeirão Preto e Taubaté são as próximas a entrar no projeto de expansão.

“Sou um carro sem retrovisor”, garantiu Jorge Moll, destacando que seu foco está no futuro da Rede D’Or.

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