Tratamentos psicodélicos fortalecem cenário de tecnologia e venture capital em Miami
Startups como NUE Life, investidores e um congresso de negócios colocam o Sul da Flórida no mapa da inovação para a saúde mental
Os Estados Unidos vivem uma crise cada vez mais grave de doenças mentais e depressão, ampliada pela pandemia. Estudo publicado pelo Journal of the American Medical Association aponta que o número de pessoas no país que relataram algum sinal de depressão subiu de 8,5% em 2018 para 27,8% no ano passado. Ao mesmo tempo, os gastos com tratamentos de saúde mental só crescem – e superam US$ 300 bilhões por ano.
A piora desse cenário abre espaço para tratamentos alternativos e o desenvolvimento de um novo mercado que une pesquisas científicas, investimento de capital de risco e startups voltadas à saúde mental. A bola da vez são as terapias assistidas com drogas psicodélicas (como cetamina e psilocibina), que podem ajudar pacentes com depressão profunda e transtornos de estresse pós-traumático. Investidores já estão de olho neste mercado global que, embora ainda seja ilegal, pode ultrapassar US$ 10 bilhões em vendas até 2027.
No início de 2022, a Nue Life, startup com sede em Miami que desenvolve uma plataforma de terapia psicodélica à base de cetamina (substância legal para uso médico no país), recebeu um aporte de US$ 3 milhões para fortalecer as pesquisas e ampliar os serviços aos pacientes. Entre os investidores estão o fundador da Shutterstock, John Oringer e o ex-executivo da Uber, Shervin Pishevar.
O fundador da Nue Life, Juan Pablo Cappello, afirma que o foco da startup é ajudar os pacientes a entender as causas de seus traumas e depressões para depois iniciar o tratamento com as substâncias. “Não somos uma empresa focada em psicodélicos, mas no bem-estar mental. Vamos usar quaisquer tecnologias disponíveis para impulsionar resultados aos pacientes”, comenta.
Lançada em março de 2021, a empresa já atendeu cerca de 2 mil pacientes e atualmente tem operações na Flórida, Califórnia, Texas, Colorado e Washington – e espera chegar a outros 10 estados ainda neste ano. Segundo Cappello, mais da metade das pessoas que passaram pelo tratamento experimentaram uma redução de 50% nos sintomas apos três sessões com a cetamina. O custo, porém, não é dos mais acessíveis: os pacotes variam de US$ 1.250, para o programa de um mês, a US$ 2.750 para quatro meses, incluindo treinamentos e sessões de terapia e telemedicina supervisionada.
Eventos e fundos de investimento especializados chegam ao Sul da Flórida
A Nue Life não é a única referência do mercado psicodélico em Miami. Em novembro passado, o fundo de investimentos Orthogonal Thinker – que já apoiou 15 novos negócios em indústrias novas e emergentes (comidas orgânicas, cannabis e aeroespacial, por exemplo) – anunciou sua mudança para o Sul da Flórida. “Estamos entusiasmados em fazer parte do crescimento do cenário de tecnologia local, que é inclusivo das verticais em que nos especializamos. Estamos trazendo fundos de todos os níveis de investidores para esta região”, disse o CEO e fundador David Nikzad.
A Orthogonal tem uma subsidiária, Ei.Ventures, que destinou US$ 20 milhões para pesquisa e desenvolvimento de compostos psicodélicos naturais. Além disso, fez parceria com a Tioga Research para criar um adesivo de pele (transdérmico) para aplicação de psilocibina em pacientes e pretende lançar, ainda neste ano, uma bebida funcional à base de cogumelos.
O mercado das substâncias psicodélicas avança à medida que novas pesquisas mostram resultados eficazes no tratamento de saúde, muito além da “viagem” associada às substâncias. Desde 2019, renomadas instituições como o Imperial College de Londres e a Universidade Johns Hopkins contam com centros de pesquisa dedicados aos psicodélicos na Europa e EUA.
No próximo mês de abril, um congresso vai reunir em Fort Lauderdale especialistas, empreendedores e investidores interessados neste mercado. Um dos keynotes do evento é Tim Schlidt, co-fundador e sócio do Palo Santo, um fundo de venture capital com foco em produtos psicodélicos e que já captou US$ 45 milhões e investiu em 25 empresas.
Para quem está à frente deste setor, como Cappello, da Nue Life, há um contexto cultural e legal que impede maiores avanços: “no auge da guerra das drogas sob o governo Clinton, tivemos 2,2 milhões de pessoas indo para a cadeia por crimes ligados às drogas. Este ano, serão 2,1 milhões. Estamos perdendo esta oportunidade única de fazer um progresso real – e o progresso começa com a descriminalização destas substâncias”.
Foto: Christopher Ott (Unsplash)
Texto: Fabrício Umpierres
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