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Viagem corporativa cai 30% em 2020, mas tem retomada em junho

A combinação de viagens e eventos é, certamente, uma das atividades econômicas mais afetadas pela pandemia de coronavírus que assola o mundo. Dentro dessa indústria, destaca-se o segmento de viagens corporativas, que responde por 60% da atividade ligada ao turismo no Brasil. Isso inclui todo o serviço de agenciamento, ocupação hoteleira, assentos de aviões e fretamento de transportes, entre uma infinidade de atividades. 

Em momentos críticos como agora, o golpe nos negócios é severo. “Se a economia é o carro, o turismo é o parachoque”, compara Carlos Prado, presidente do conselho da Abracorp, a Associação das Agências de Viagens Corporativas.

Repassando episódios muito duros para a indústria, como a derrubada das Torres Gêmeas em Nova York, em 2001, e a quebra do Lehman Brothers, em 2008, Prado prevê mais uma pancada forte à frente. O empresário, que é presidente da Tour House, uma das empresas de referência do mercado, acredita que o impacto do coronavírus será equivalente ao “fundo do poço” da recessão brasileira recente, no segundo semestre de 2016, quando o turismo corporativo perdeu 32% de receita em comparação ao mesmo período de 2013.

“Acredito que vamos sofrer uma queda de 30% a 35% no resultado em 2020”, afirma a liderança da Abracorp, que calcula em R$ 11,4 bilhões o volume de negócios em negócios movimentados pelas associadas em 2019, uma alta de 9,5% em relação ao ano anterior. A entidade representa 27 grandes companhias, que respondem por um quarto do volume gerado pelo pulverizado mercado de turismo corporativo no Brasil.

Nesta entrevista ao Experience Club, o empresário fala das medidas que estão sendo tomadas pelas empresas e a negociação com o governo para manter a atividade respirando durante a quarentena, com prioridade à manutenção dos empregos. 

Como o mercado reagiu nas últimas semanas ao avanço do coronavírus?

A queda veio de forma gradativa. A primeira semana de março estava normal, mas já na segunda, as viagens começaram a reduzir em uma proporção de 5% ao dia. Agora, no fim do mês, estamos zerados. Nós temos todos os nossos colaboradores na folha de pagamento, todos os custos mantidos e nenhum faturamento. É uma situação dramática.

O que está sendo feito para suportar essa situação?

Nós entramos em modo de sobrevivência. Junto ao governo, conseguimos algumas flexibilizações nas leis trabalhistas que estão ajudando nesse momento. Pudemos liberar vários colaboradores para período de férias, o que antes exigia a comunicação com 30 dias de antecedência e agora pode ser feito em 48 horas. Também pudemos reduzir a jornada de trabalho, de 25% até 50%. O sindicato dos trabalhadores também flexibilizou alguns custos do trabalho por home office, como vale-alimentação e vale-transporte.

Que outras medidas estão sendo pleiteadas ao governo?

O governo até soltou uma medida errônea, que foi aquela da licença não remunerada por quatro meses, algo que era muito nocivo para os colaboradores e foi obviamente foi revogado. O que estamos pedindo é uma licença não remunerada com treinamentos criados pelas empresas para os colaboradores, em que nós pagaríamos 25% dos salários e o governo, outros 25%. Isso vai garantir 50% da remuneração e o vínculo empregatício, para que a gente consiga fazer essa travessia. Alguns setores que já conseguiram essa licença e acredito que a gente vai conseguir essa liberação também. Estamos falando diretamente com os ministérios do Turismo e da Fazenda sobre esses assuntos.

Mão de obra é a principal pressão de custos para o turismo corporativo.

Não somente. Como um mercado de serviços, temos 60% dos custos com encargos e salários, enquanto os outros 40% vêm da tecnologia que dispomos nas agências. Somos um mercado empregador importante. 

O turismo gera 600 mil empregos diretos, não só na distribuição, mas também nos hotéis e locadoras. Eu diria que ao menos 300 mil desses empregos estão relacionados ao mercado corporativo. 

E estamos numa situação difícil. É muito triste ver gente da rede hoteleira fechando. 

Como o mercado tende a se normalizar nos próximos meses?

Falando como turismo corporativo, a gente entende que é essencial haver essa quarentena, até para que o governo tenha tempo para tomar as providências necessárias, mas existe uma onda forte no mundo empresarial para a retomada das atividades. Por três semanas, eu acredito que o mundo corporativo aguenta, mas depois disso muitas empresas quebrarão. A nossa expectativa é a de que teremos dois meses de faturamento zero e vamos levar uns três meses para atingir o break-even, ou seja; parar de ter prejuízo. Então eu calculo que a situação começa a se normalizar na segunda quinzena de junho. Isso dentro de uma perspectiva do nosso mercado doméstico, nem dá para avaliar em deslocamento internacional por enquanto. Se empresários e governantes conseguirem resolver o problema dentro do nosso território nesse período, será fantástico.

Como as empresas estão trabalhando com cancelamentos e renegociação de contratos?

Falando como empresário, pelo que estamos fazendo no gabinete de crise dentro da Tour House, estamos negociando primeiro com nossos fornecedores de tecnologia e temos tido muito sucesso nisso. Num momento de crise, o caixa é rei e estamos muito atentos em manter a liquidez para fazer essa travessia. Olhamos com atenção especial os pequenos fornecedores para manter os pagamentos. 

Nós temos muitas empresas que trabalham no atendimento direto ao nosso cliente e precisam manter o pagamento dos funcionários. 

Para eles, nós estamos tentando garantir que eles continuem recebendo os salários para evitar o turnover da equipe. Essa cooperação é fundamental nesse momento. No geral, um ou outro fornecedor endurece mais, mas há muita compreensão da situação por todos.

Qual é o posicionamento da Abracorp para o mercado sobre essa crise?

Como entidade, a gente tem dito para que as empresa não cancelem os eventos, mas que adiem. O importante é não cancelar viagens agendadas e procurar uma nova data no futuro. Isso evita reembolsos que vão sangrar ainda mais o caixa das empresas. Nesse sentido, nós conseguimos via Ministério da Justiça, a quem a Senacon [Secretaria Nacional do Consumidor] está subordinada, que os reembolsos ocorram somente em 12 meses. É um fato sem precedentes e Procon também está agindo de maneira muito razoável. Eu percebo que os órgãos de defesa entenderam que é um problema de força maior. 

Qual é a expectativa para o segundo semestre?

Eu acredito que vai ter uma demanda reprimida, uma necessidade muito grandes de as empresas entregarem resultados. Então vai ser um segundo semestre bem agitado e vamos trabalhar forte para fazer essa retomada gradativa, mas de uma maneira
consistente. Eu torço para que a Tour House e todos os meus concorrente e fornecedores consigam fazer essa travessia.

De todo modo, vai ser impossível reverter a perda de receita que está acontecendo agora?

Se a gente fizer uma analogia com os piores momentos da crise que começou em 2013, o fundo do poço foi o segundo semestre de 2016. A gente teve uma perda de receita de 32% em relação ao segundo semestre de 2013. Eu arriscaria que a queda de 2020 vai ficar em torno disso, caso haja de fato uma retomada gradativa a partir de junho. Eu prevejo uma queda de 30% a 35%.

Há mais medidas que o governo pode tomar para essa retomada pós-quarentena?

O governo tem feito bastante coisa em termos de liberação de crédito, por isso eu acredito que o segundo semestre será ótimo para o consumo. Mesmo com a questão do emprego, se o governo continuar dispondo de dinheiro para a parcela da população que realmente consome, com liberação de FGTS, Bolsa Família será um impulso importante. O que não adianta é liberar recursos para a parcela mais rica, que tem uma capacidade de consumo limitada na economia como um todo. O que eu vejo como positivo é que muita coisa vai mudar, na cultura do trabalhador, do empresário e do brasileiro como um todo. Essas mudanças nas relações que já vinham acontecendo, o trabalho por home office, por exemplo, vão se acelerar. Não há nenhum mal que não nos traga alguma possibilidade de melhora.

Texto: Arnaldo Comin

Imagens: Divulgação

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