Obrigado pelo atraso
Ideias centrais:
1- Teremos o melhor reprodutor de mídia no mundo, o melhor telefone do mundo e a melhor maneira de acessar a internet já inventada – todas as três coisas numa só: Steve Jobs apresentando o iPhone.
2- A nuvem ou supernova é aquela que está criando liberação de energia que amplifica todos os tipos de poder – o poder das máquinas, das pessoas individualmente, do fluxo de ideias e da humanidade como um todo – em níveis sem precedentes.
3- Aquecimento global: o sistema do clima determina o ambiente de crescimento para todas as espécies vivas e esse ambiente está se encaminhando para uma zona bem além do limite planetário – ameaçando transformar a Terra numa estufa.
4- Pesquisa Gallup: estudantes bem-sucedidos contaram com um ou mais professores que exerceram o papel de mentores e demonstraram real interesse por suas aspirações e esses estudantes também realizaram um estágio relacionado ao que estavam aprendendo na faculdade.
5- A maior doença não é o câncer, as doenças cardíacas; é o isolamento. O profundo isolamento vivido por muitas pessoas é a grande patologia de nossas vidas. As conexões mais importantes são as de um ser humano para ser humano. St. Louis Park, estou chegando, diz Friedman.
Sobre o autor:
Thomas L. Friedman conquistou o prêmio Pulitzer por três vezes por suas colunas de política externa no New York Times. É autor também de O Mundo é plano, Quente, plano e lotado e De Beirute a Jerusalém. Vive com a família em Bethesda, Maryland.
Parte I: Refletindo
1. Obrigado pelo atraso
Friedman narra como teve a ideia de fazer este livro. Tudo ocorreu num estacionamento do hotel Hyatt Regency, de Bethesda, não longe de Washington. Nosso autor, prestigioso jornalista do New York Times, trocou algumas palavras com o encarregado do estacionamento desse hotel. Além de trabalhar no ofício de guardador de carros, fazia seu blogue. E mostrou seu trabalho de blogueiro a Friedman.
Desse diálogo entre os dois sairia a chama, a inspiração para mais um livro do jornalista. Não um simples livro, mas uma tentativa de imprimir determinados valores para o desenvolvimento na era das acelerações. O guardador blogueiro era de um país pobre, cheio de guerras e lutas fratricidas. Mas ele tinha o desejo de levar informações para que seu país tivesse uma diretriz para conseguir paz e progresso. E pediu sugestões ao badalado jornalista, Friedman, que agora, conhecia pessoalmente. O humilde blogueiro era da Etiópia e seu nome era Ayele Z. Bojia.
Diz Friedman: “Não é de surpreender que a experiência tenha posto minha mente para funcionar. E não é de surpreender que meus encontros com Bojia logo tenham me levado a fazer as mesmas perguntas que lhe pedi que explorasse. Qual é o conjunto de valores e de onde eles vieram? Como acredito que a Máquina funciona atualmente. E o que aprendi sobre o modo como diferentes povos e culturas têm sido impactados pela Máquina e como têm reagido a isso? Foi isso que comecei a fazer durante a pausa – e minha resposta vem a ser o restante deste livro.”
A Parte II é sobre como a Máquina funciona agora – quais as maiores forças que estão dando novas formas a mais coisas, em mais lugares, de mais maneiras e em mais dias. Uma dica: a Máquina está sendo conduzida por acelerações simultâneas nas áreas de tecnologia, globalização e mudança climática, todas interagindo umas com as outras.
E a Parte III é sobre a maneira como essas forças em aceleração estão afetando os povos e culturas. Ou seja, como estão transformando os ambientes de trabalho, a geopolítica, a política, as escolhas éticas e as comunidades – inclusive a pequena cidade em Minnesota (EUA) onde o jornalista autor cresceu e onde seus valores tomaram forma.
A Parte IV oferece as conclusões extraídas por ele desse vasto contexto para construir o futuro. Desse modo, o livro é uma gigantesca coluna que a experiência de um jornalista escreveu a respeito do mundo de hoje. Seu objetivo é definir as principais forças que estão impulsionando as mudanças em curso por todo o mundo, explicar de que modo elas vêm afetando diferentes povos e culturas e identificar os valores e reações que seriam os mais apropriados para administrar essas forças, de modo a extrair o máximo para o maior número de pessoas e lugares.
Parte II Acelerando
2. Que diabos aconteceu em 2007?
John Doerr, o lendário investidor de risco que financiou Netscape, Google e Amazon, não se lembra exatamente da data, só que foi pouco antes de Steve Jobs subir ao palco do Moscone Center em San Francisco, em 9 de janeiro de 2007, para anunciar que a Apple tinha reinventado o celular. Contudo, Doerr nunca esqueceu o momento em que pôs os olhos naquele telefone pela primeira vez,o iPhone.
Em certa ocasião, em Palo Alto Alto, onde eram vizinhos Steve disse a Doerr: “John, este dispositivo quase levou a empresa à falência. É a coisa mais difícil que fiz até hoje”. John, então pediu detalhes. Steve contou que tinha cinco rádios em diferentes faixas, uma capacidade X de processamento, uma memória RAM de tanto, além de não sei mais quantos gigabytes de memória flash. Resumindo Steve disse: “Teremos o melhor reprodutor de mídia do mundo, o melhor telefone do mundo e a melhor maneira de acessar a internet já inventada – todas as três coisas numa coisa só”. Isso era, repita-se, no ano de 2007.
Um novo tipo de estabilidade deve ser impulsionado, a estabilidade dinâmica, diz Eric Teller, CEO do Laboratório X de pesquisa e desenvolvimento do Google. Vamos precisar de substancial reeducação para alcançá-la. Os quatro capítulos seguintes são sobre as acelerações subjacentes à lei de Moore, o Mercado e a Mãe Natureza, que definem como a Máquina funciona hoje.
Se vamos ser capazes de alcançar a estabilidade dinâmica, da qual Teller fala, precisamos compreender como essas forças estão reformulando o mundo e por que se tornaram particularmente dinâmicas – tendo esse processo começado em torno de 2007.
3. A Lei de Moore
Para a mente humana, uma das coisas mais difíceis de compreender é o poder do crescimento exponencial – o que acontece quando alguma coisa permanece dobrando ou triplicando ou quadruplicando ao longo de muitos anos e quão grandes esses números podem se tornar.
De modo que, sempre que tenta explicar o impacto da lei de Moore – o que acontece quando se dobra a potência dos microchips a cada dois anos durante cinquenta anos –, Brian Krzanich, o CEO da Intel, usa este exemplo: se considerarmos o microchip de primeira geração da Intel, lançado em 1971, o 4004, ao lado do mais recente chip colocado no mercado pela empresa hoje, o processador Intel Core de sexta geração, veremos que o último chip oferece uma performance 3.500 vezes melhor: é 90 mil vezes mais eficiente em termos de gasto de energia; e é cerca de 60 mil vezes mais barato.
Para passar essa ideia de modo mais expressivo, os engenheiros da Intel fizeram um cálculo aproximado do que aconteceria se um fusquinha da Volkswagen fosse aperfeiçoado na mesma medida dos microchips sob o efeito da lei de Moore.
Agora que a lei de Moore entrou na segunda metade do tabuleiro de xadrez, até onde mais ela pode ir? Um microchip, ou chip, é feito a partir de transistores, que vêm a ser minúsculos computadores; esses computadores estão interligados por diminutos fios de cobre que funcionam como tubos por onde fluem os elétrons. Um chip funciona empurrando elétrons na maior velocidade possível através de muitos fios de cobre instalados num único chip.
A cada nova geração de microchips, o desafio é fazer com que os elétrons fluam através de fios cada vez mais finos para um número maior de computadores cada vez menores, ligando e desligando mais rapidamente o fluxo de elétrons e gerando maior capacidade de processamento com o menor dispêndio de energia e dissipação de calor possível, pelo custo mais barato possível, no menor tempo possível.
Ao longo de cinquenta anos, a indústria vem conseguindo novas maneiras de fazer encolher as dimensões do transistor em mais ou menos 50%, mais ou menos pelo mesmo custo, oferecendo, portanto, o dobro de transistores pelo mesmo preço, ou o mesmo número de transistores pela metade do custo. Esse o enorme potencial da lei de Moore.
4. A supernova
John E. Kelly III, vice-presidente da IBM e Craig Mundie referem-se à nuvem ou à supernova como aquela que está criando uma liberação de energia que vem amplificando todos os tipos de poder – o poder das máquinas, das pessoas individualmente, do fluxo de ideias e da humanidade como um todo – em níveis sem precedentes.
Ao mesmo tempo, a supernova vem expandindo de forma acelerada o poder dos fluxos. Os fluxos de conhecimento, novas ideias, aconselhamento médico, inovação, insultos, rumores, colaboração, mediação, empréstimos, serviços bancários, laços de amizade, comércio e aprendizagem agora circulam globalmente numa velocidade e amplitude jamais vistas.
Esses fluxos digitais carregam energia, serviços e ferramentas da supernova por todo o mundo e qualquer um pode conectar-se a eles para abrir e fazer prosperar um novo negócio, participar de debate global, adquirir uma nova habilidade ou exportar seu mais recente produto ou hobby.
Tudo isso, por sua vez, está amplificando enormemente o poder de um. O que uma pessoa – uma única pessoa – pode fazer agora, de maneira construtiva ou negativa, também está sendo multiplicado numa nova escala.
E finalmente, essa mesma supernova vem amplificando o poder de muitos. Também nesse aspecto foi ultrapassada uma nova fronteira. Os seres humanos enquanto entidade coletiva são agora não apenas parte da natureza; eles se tornaram a força da natureza – uma força que está perturbando e mudando o clima e os ecossistemas do nosso planeta numa velocidade e numa extensão jamais vistas na história humana. Com seu poder amplificado por essa supernova, os muitos – todos nós conjuntamente – dispomos agora do poder de fazer o bem numa velocidade e numa extensão jamais vistas antes: reverter a degradação ambiental ou alimentar.
5. O mercado
Efetivamente, esses fluxos digitais se tornaram tão abundantes e poderosos que estão para o século XXI como os rios que desciam das montanhas estavam para as civilizações e cidades da Antiguidade. Naquela época, todos queriam construir sua cidade ou sua fábrica às margens de um rio com uma corrente poderosa, como o Amazonas – e deixar que ele fluísse através de você. Aquele rio daria poder, mobilidade, alimentos e acesso aos vizinhos e suas ideias.
O mesmo ocorre com esses rios digitais que entram e saem da supernova. Só que os rios junto aos quais as pessoas querem agora construir são a Amazon Web Services e o Azure, da Microsoft, conectores gigantes que possibilitam que o seu negócio ou sua nação tenham acesso a todos aqueles aplicativos na supernova que dão maior poder computacional, onde você pode se ligar a qualquer fluxo no mundo, do qual queira participar.
A Ericsson, gigante sueca de telecomunicações, oberva a respeito disso: As tecnologias móveis transformaram o modo como vivemos, trabalhamos, aprendemos, viajamos, fazemos compras e nos mantemos conectados. Nem mesmo a Revolução Industrial engendrou uma explosão tão súbita e radical em inovação tecnológica e crescimento econômico em todo o mundo.
Alguns aplicativos voltados para mensagens – como o Facebook Messenger e o Wechat – estão não apenas explodindo em termos de popularidade, como também substituindo o e-mail como meio preferido de comunicação e se tornando veículos para um número cada vez maior de capacidade de interação. Estão se tornando plataformas para o comércio eletrônico, e-banking, reservas e comunicações rápidas. O fenômeno foi batizado de “comércio conversacional” e promete tornar as relações ainda mais estreitas e mais rápidas no mundo.
6. A Mãe Natureza
Quando temos um número cada vez maior de pessoas no planeta e amplificamos o impacto que cada pessoa isoladamente pode exercer, o “poder dos muitos” pode se tornar incrivelmente construtivo, se for canalizado para os objetivos certos. Porém, se não for objeto de alguma restrição, não for moderado por nenhum tipo de ética conservacionista, pode ser uma força incrivelmente destrutiva. E é isso o que vem acontecendo.
Enquanto a força dos homens, das máquinas e dos fluxos vem remodelando os ambientes de trabalho, a política, a geopolítica e a economia e mesmo algumas escolhas éticas, o poder dos muitos está aumentando a aceleração da Mãe Natureza, que vem transformando toda a biosfera, todo o sistema ecológico global, e alterando os contornos físicos e climáticos do Planeta Terra, único lar de que dispomos.
Diz Friedman:
“Aprendi pela primeira vez a língua do clima, ao escrever colunas sobre a placa de gelo da Groenlândia, a qual visitei em agosto de 2008, com Connie Heldegard, na época ministra de clima e energia da Dinamarca. A Groenlândia é um dos melhores lugares para se observar os efeitos da mudança climática. É a maior ilha do mundo, porém, tem apenas 55 mil habitantes e nenhuma indústria, de modo que a condição da sua gigantesca placa de gelo – assim como sua temperatura, precipitação e ventos – é altamente influenciada pelas correntes atmosféricas e oceânicas globais que convergem para lá. Seja o que for que aconteça na China ou no Brasil, isso é sentido na Groenlândia. E como os seus habitantes vivem mais próximos da natureza, eles vêm a ser barômetros vivos da mudança climática, sendo, portanto, fluentes na língua do clima.”
A Mãe Natureza sabe que está ficando com febre. O relatório Sinais Vitais do Planeta, preparado pela Nasa a respeito das temperaturas da superfície do globo, observou no fim de 2015:
“Os dez anos mais quentes já observados ao longo dos 134 anos em que foram mantidos registros ocorreram todos depois do ano 2000, com a exceção de 1998. O ano de 2015 figura como o mais quente já registrado”.
O sistema do clima determina o ambiente de crescimento para todas as espécies vivas, e esse ambiente está se encaminhando para uma zona bem além do limite planetário – ameaçando transformar a Terra numa estufa, algo diferente de qualquer coisa, na qual os seres humanos tenham vivido antes.
O segundo limite, argumentam eles, é dado pela biodiversidade – a qual inclui todas as espécies vivas da biosfera e toda a natureza cobrindo o planeta – ou seja, florestas, pradarias, pântanos, recifes de corais, assim como todas as plantas e animais existentes neles. A equipe que estuda os limites planetários determinou que deveríamos manter 90% da cobertura da biodiversidade que existia em níveis pré-industriais. Atualmente já caímos para 84% em partes da África e continuamos caindo ainda mais.
Segundo Johan Rockström, diretor do Centro de Resiliência de Estocolmo, as pessoas esquecem que é impossível regular o clima sem biodiversidade. Se não contamos com polinizadores no ar e micro-organismos no solo, e pássaros e outros animais que depositem as sementes de novas árvores por meio dos seus dejetos, não temos uma floresta. Se não temos uma floresta, não temos árvores para absorver o carbono. Se não temos árvores para absorver o carbono, ele vai para a atmosfera e intensifica o aquecimento global ou impregna os oceanos, mudando sua composição.
Parte III Inovando
Capítulo 7. Infernalmente rápido
Com a rapidez de mudanças, com a aceleração de mudanças, até para escrever, explanar sobre elas é preciso uma certa agilidade. Se voltarmos para escrever amanhã, torna-se necessário fazer uma segunda ou terceira entrevista…
Essa é a experiência narrada por Friedman:
“Finalmente houve a experiência de escrever este livro. Nos dois anos e meio em que fiz a pesquisa, precisei entrevistar quase todos os mais importantes especialistas em tecnologia pelo menos duas vezes, e até mesmo três, para me certificar de que o que tinha escrito permanecia atual. Nunca antes tinha passado por uma experiência dessas como autor – era como caçar uma borboleta com uma rede e, cada vez que eu me aproximava para apanhá-la, ela voava longe, para fora do meu alcance.”
Mas qual seria o equivalente político e social de remar tão rápido quanto a corrente ou a manter a estabilidade dinâmica? Será necessário inovar no ambiente de trabalho para identificar exatamente o que os seres humanos podem fazer melhor do que as máquinas e com as máquinas e treinar cada vez mais as pessoas para desempenhar essas tarefas.
Será preciso levar a inovação à geopolítica para descobrir como podemos, coletivamente, administrar um mundo onde o poder de um, o poder das máquinas, o poder dos fluxos e o poder dos muitos estão levando os Estados mais fracos ao colapso, concedendo maior poder aos destruidores e dando mais espaço para os Estados fortes.
8. Transformando IA em AI
Vamos deixar claro uma coisa: os robôs não estão destinados a ficar com todos os empregos. Isso só acontecerá se deixarmos – se não acelerarmos a inovação nos domínios do trabalho/educação/startup, se não repensarmos toda a linha de montagem, da educação primária até a aprendizagem contínua, passando pelo trabalho.
Se trabalhar duro e respeitar as regras, o sistema vai integrá-lo… Essa época está terminando. Justo no momento em que parecemos estar saindo do Holoceno – esse período perfeitamente edênico, quando tudo na natureza se encontrava agradavelmente em equilíbrio -, também estamos deixando a época que equivale ao Holoceno do trabalho.
Naquelas décadas “gloriosas” após a Segunda Guerra Mundial, antes de o Mercado, a Mãe Natureza e a lei de Moore entrarem todos na segunda metade de seus tabuleiros, era possível manter um estilo de vida razoável na condição de um trabalhador médio com uma educação média – ensino secundário ou quatro anos de faculdade – sendo filiado a um sindicato médio ou a nenhum sindicato. E apenas trabalhando numa média de cinco dias por semana, numa média de oito horas por dia , era possível comprar uma casa, ter uma média de dois filhos, visitar ocasionalmente a Disney e guardar algumas economias para a a
posentadoria e a fase final da vida.
Ainda existem empregos com salários excelentes para formação excelente. E ainda há salários médios para capacitação mediana. Mas já não há mais empregos com altos salários para uma formação mediana. Como tudo o mais na era das acelerações, conseguir e manter um emprego exige estabilidade dinâmica – é preciso continuar pedalando (ou remando) o tempo todo.
Hoje em dia, diz Zach Sims, fundador da Codecademy, você tem que saber mais, tem de atualizar com mais frequência o que já sabe e tem de fazer mais coisas criativas com isso do que apenas as tarefas rotineiras.
Felizmente, as ferramentas apropriadas pelas novas tecnologias nos ajudarão nesse esforço. Os novos contratos sociais de que precisamos entre governos, empresas, o setor social e os trabalhadores serão bem mais viáveis se encontrarmos maneiras criativas – para tomar de empréstimo a frase do fundador do Nest Lab, Tony Fadell – de transformar “IA em AI”. Na versão do autor, isso significaria transformar inteligência artificial em assistência inteligente, em assistentes inteligentes e em algoritmos inteligentes.
Pesquisa feita pela Gallup junto a mais de 1 milhão de trabalhadores, educadores e empregadores americanos: estudantes bem-sucedidos contaram com um ou mais professores que exerceram o papel de mentores e demonstraram real interesse por suas aspirações e esses estudantes também realizaram um estágio relacionado ao que estavam aprendendo na faculdade.
Para bom entendedor, meia palavra basta. Existe uma mensagem nessa garrafa, diz Friedman.
9. Controle vs. Kaos
Merece mais interesse esse novo mundo pós-Guerra-Fria: como as acelerações simultâneas do Mercado, da Mãe Natureza e da lei de Moore estão dando nova forma às relações internacionais e obrigando os Estados Unidos em particular, e o mundo como um todo a repensarem como podemos estabilizar a geopolítica.
Mais do que em qualquer outro momento desde o início da Guerra Fria, nós nos encontramos, mais uma vez, “presentes no momento da criação”, ou Present at the Creation, título escolhido por Dean Acheson para suas memórias a respeito do período bastante formador em que foi secretário de Estado americano, logo após a Segunda Guerra Mundial (1949-53), uma época que viu a ascensão da União Soviética como superpotência global, a disseminação das armas nucleares, a descoberta de impérios e o surgimento de uma variedade de novos Estados.
Embora o alto grau de independência apresente um novo conjunto de desafios, o crescente risco de colapso estatal em vários países apresenta outro problema. Esses riscos podem ser percebidos hoje em todo o mundo. Julian Lindley French, vice-presidente da Atlantic Treay Association e pesquisador visitante na Universidade de Defesa Nacional em Washington, DC, adverte a respeito do que chama de “fragilismo” ou “desintegracionismo” – entendendo por isso a desintegração até o ponto em que impera o domínio de gangues e tribos, com a emergência de grupos como o Estado Islâmico e o Boko Haram, que preenchem vácuos de poder.
A desintegração bastante concreta de Estados frágeis na África e no Oriente Médio está agora alcançando uma escala que leva à criação de crescentes zonas de desordem, ou Kaos, para tomar emprestado o termo de Agente 86, e estas, por sua vez, vêm expelindo um número tão grande de refugiados ou de imigrantes econômicos a ponto de começar a ameaçar a estabilidade do Mundo e da Ordem – veja-se a fragmentação da União Europeia.
10. A Mãe Natureza como conselheira política
Não se consegue pensar em melhor conselheiro político hoje do que a Mãe Natureza. Como observou Johan Rockström, a Mãe Natureza é um sistema biogeofísico complexo e racional de oceanos, atmosfera, florestas, rios, solos, plantas e animais que vem evoluindo no Planeta Terra desde a emergência dos primeiros indícios de vida.
Ela sobreviveu às piores épocas e prosperou nas melhores durante quase 4 bilhões de anos aprendendo a absorver choques intermináveis, mudanças climáticas, surpresas e mesmo um ou dois asteroides. Só isso já basta para fazer da Mãe Natureza uma importante conselheira. Porém, ela é agora ainda mais relevante porque nós, seres humanos, construímos hoje – com nossas próprias mãos, cérebros, músculos, computadores e máquinas – nosso próprio sistema complexo global de redes. Essas redes se tornaram tão interconectadas, hiperconectadas e interdependentes na sua complexidade que, mais do que nunca acabaram parecidas com a complexidade do mundo natural e com a maneira como operam seus ecossistemas interdependentes.
A Mãe Natureza acredita na importância vital da camada arável do solo – a camada superior do solo, na qual plantas e árvores afundam suas raízes para dali extrair seus principais nutrientes e poderem crescer no mundo. Pensem no nosso Planeta. Ele nada mais é do que uma grande rocha coberta por uma camada incrivelmente fina composta de subsolo e da parte arável do solo.
“A coisa mais básica a sustentar qualquer ecossistema é essa camada superficial de solo”, observa o engenheiro especializado em energia, Hal Harvey, fundador da Energy Inovation. “É a primeira coisa que se aprende sobre essa camada de solo é o fato de que, na maioria dos casos, ela é realmente fina, podendo vir a ser facilmente levada pela água. Há apenas uma camada negra, semelhante a uma lasca, envolvendo a terra”, cobrindo uma rocha inabitável e sem vida que se encontra 1.600 quilômetros abaixo de nós. A camada de solo arável não costuma ter, em média, mais do que entre 15 e 25 centímetros de profundidade. No entanto, quase todas as civilizações extintas entraram em colapso porque não souberam preservar essa camada de solo.
11. Deus está no ciberespaço?
Se já houve um momento em que fosse necessário fazer uma pausa para refletir, esse momento é agora. “Toda tecnologia é usada antes que seja plenamente compreendida”, escreveu Leon Wieseltier no New
York Times Book Review, em 11 de janeiro de 2015. “Há sempre um hiato entre uma inovação e a compreensão de suas consequências”. Estamos vivendo nesse hiato, e é o momento certo para mantermos a cabeça fria e refletirmos. Temos muita coisa a ganhar e muito a perder.
Falando de maneira bem direta, criamos um mundo no qual seres humanos ganharam mais do que nunca uma dimensão divina. E criamos um mundo com vastos novos territórios – chamados ciberespaço – fora do império da lei, sem valores e, aparentemente, sem Deus.
Junte estas duas tendências e você entenderá por que, nos últimos anos, tem-se ouvido cada vez mais pessoas perguntando a respeito de valores e, de certa forma, se Deus impera no ciberespaço. À sua maneira, elas estão pedindo que repensemos a ética e querendo saber como cultivar valores certos num mundo no qual estamos mais próximos da figura de Deus e no qual existem mais domínios que parecem desprovidos de Deus, de valores e de lei.
Vale para reflexão o que o presidente Obama falou ao visitar Hiroshima em 27 de maio de 2016: “O progresso tecnológico sem um progresso moral equivalente nas instituições humanas pode significar o nosso fim. A revolução científica que levou à fissão do átomo também exige uma revolução moral”.
12. Sempre em busca de Minnesota
Governos nacionais são simplesmente pesados, distantes e, em alguns casos, travados demais para dispor de agilidade necessária na era das acelerações, argumenta Gridi Grinstein, do grupo de pesquisa e estratégia Reut.
E a unidade familiar é muito fraca para fazer face sozinha aos ventos da mudança que vêm soprando com a força de um furacão, especialmente porque muitas famílias, em particular as de mães ou pais solteiros, têm vivido no limiar da sobrevivência – sem poupanças, sem pensões e sem casa própria. Ao mesmo tempo, essas famílias não dispõem de recursos financeiros essenciais para garantir sua própria empregabilidade e produtividade numa era que exige aprendizagem contínua, de modo a garantir emprego e renda ao longo de toda a vida.
Depois de falar de St. Louis Park, bairro de Minneapolis, Minnesota, como local de pluralismo e comunidade saudável, Friedman confessa: “É por isso que, ao longo de todos esses anos, na condição de repórter-colunista, continuo em busca de Minnesota, sempre à procura de maneiras de recriar esse espírito de inclusão e idealismo cívico, do qual me vi imbuído na época e no lugar em que cresci. Em síntese, desde que saí de lá em 1973 para cursar a faculdade e seguir uma carreira no jornalismo, venho tentando voltar para casa”.
13. Você pode voltar para casa de novo (e devia fazer isso)
Ao mesmo tempo, havia e continua a existir, numa medida incomum, um alto grau de colaboração público-privada em Minnesota e em St. Louis Park, onde uma massa crítica de empresários veem a si mesmos não apenas como empregadores, mas também como cidadãos, que têm a obrigação, do ponto de vista corporativo, de ajudar a corrigir os males socioeconômicos locais e de cujos executivos espera-se que se disponham a fazer isso.
Mais uma vez, que contraste gritante com Washington, DC, onde os grandes conglomerados, no período pós-2008, desapareceram do cenário e do debate nacional, seja por causa do fracasso da banca de Wall Street nas hipotecas, seja porque as multinacionais americanas têm hoje poucos americanos no seu ambiente.
Se estar à altura do desafio da integração é agora mais difícil do que antes, como foi dito, mais importante que antes – porque esse é o mesmo desafio enfrentado agora por comunidades em todo o país (e na Europa, por falar nisso).
Estamos nos tornando, conclui Friedman, uma nação em que a maioria será composta por minorias, e o Mundo da Desordem hoje em expansão só tende a aumentar essa tendência – e tudo isso está acontecendo justamente quando as habilidades necessárias para todos os empregos de classe média não param de aumentar e quando o aprendizado contínuo será um requisito para a conservação de empregos.
Em outras palavras, Minnesota e St. Louis Park não representam mais os pontos fora de curva – são microcosmos de um desafio central dos Estados Unidos e do mundo como um todo.
Parte IV Lançando uma âncora
Capítulo 14. De Minnesota para o mundo e de volta novamente
O que salta à vista atualmente é que a liderança se tornou mais importante do que nunca, tanto no plano político como no pessoal. Mas trata-se de um tipo específico de liderança. Nos níveis nacional e local, precisamos de lideranças capazes de promover a inclusão e a adaptação – que comecem todos os dias se perguntando:
“Em que mundo estou vivendo? Como posso me comprometer com a incansável busca pelas boas práticas com um nível de energia e inteligência à altura dos desafios e oportunidades nesta era das acelerações?”
É preciso também lideranças que confiem no povo e lhe digam a verdade a respeito deste momento: que apenas trabalhar duro e seguir as regras não é mais o bastante para garantir uma vida decente.
Perguntado sobre qual a maior doença nos Estados Unidos, o diretor nacional de saúde Vivek Murphy respondeu: “Não é o câncer. Não são as doenças cardíacas. É o isolamento. O profundo isolamento vivenciado por tantas pessoas é que é a grande patologia das nossas vidas hoje”.
Que ironia. Somos a geração mais tecnologicamente conectada na história humana – e ainda assim nunca foi tão grande o número de pessoas que se sentem isoladas. Isso apenas reforça o ponto enfatizado por Murphy – o de que as conexões mais importantes, e as que mais fazem falta hoje são aquelas de ser humano para ser humano.
No fundo, continuamos com as raízes plantadas num lugar a que chamamos lar e numa verdadeira comunidade. Daí a nostalgia de Friedman por Minnesota, por St. Louis Park. Nostalgia que pode ser reinventada, vivenciada em qualquer vilarejo de real comunidade.
Resenha: Rogério H. Jönck
Imagens: Unsplash
Ficha técnica:
Título: Obrigado pelo atraso
Título original: Thank You for Being Late
Autor: Thomas L. Friedman
Primeira edição: Editora Objetiva (2017)
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