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EUA, China, Irã…como fica o Brasil?

Por Arnaldo Comin – Editor-chefe do Experience Club

O agravamento das tensões no Oriente Médio logo na primeira semana de 2020 acendeu o sinal de alerta não só no tabuleiro geopolítico, mas também nas consequências para uma economia global que já enfrenta um quadro de desaceleração. A Organização Mundial do Comércio acredita que 2019 fechará o fluxo comercial crescendo pouco mais de 1%, frente a uma alta de 3% no ano anterior.

O principal ator desse arrefecimento foi a guerra econômica deflagrada pelos Estados Unidos contra a China, que trouxe reflexos negativos desde a Europa até os principais mercados emergentes. O conflito evoluiu para um consenso parcial no final do ano, mas ainda é grande o ceticismo a respeito da evolução desse armistício temporário. Embora os americanos tenham flexibilizado algumas sobretaxas de importação, a disputa em torno da supremacia na indústria da Inteligência Artificial e da telefonia 5G pode se tornar em uma guerra fria tecnológica de longa duração.

O confronto entre Estados Unidos e Irã em solo iraquiano, por sua vez, já está produzindo efeitos imediatos na economia, cuja evolução ainda é incerta em um cenário extremamente volátil. O barril do petróleo tipo Brent, que bateu o pico de US$ 69,50 logo após o ataque americano que resultou na morte do general iraniano Qasem Soleimani em Bagdá no dia 3 de janeiro, pode chegar até US$ 80, caso a tensão na região continue a aumentar nos próximos dias (e meses), de acordo com previsões no mercado de commodities em Londres.

Somando-se a esse quadro o processo de impeachment de Donald Trump, o calendário eleitoral americano, e eventos paralelos como a confirmação do Brexit na União Europeia, os riscos de um novo ciclo de desaceleração econômica global são para bastante concretos.

Difícil é mensurar por ora como os diferentes mercados ao redor do mundo vão reagir a esse cenário.

E O BRASIL?

Embora o fechamento do ano tenha apresentado um saldo positivo em 2019, sobretudo no mercado financeiro, o fato é que a recuperação econômica do país ainda é bastante incipiente, em sequência à maior e mais prolongada recessão da sua história. Crescimento do PIB ligeiramente acima de 1%, inflação dentro da meta e Selic em 4,5% são boas notícias, mas tampouco dão margem para euforia, caso cenário global de se deteriore com força.

Algumas questões que ocorrem do outro lado do mundo podem ter implicações diretas com o Brasil, especialmente no comércio exterior, no qual o país não teve muito a celebrar em 2019. O saldo da balança foi positivo em US$ 46,6 bilhões, o que resultou em queda de 20% em relação a 2018 e representou o pior desempenho desde 2015. Parcela importante desse resultado foi o fraco ritmo do fluxo de comércio global.

Cabem aqui parênteses para Argentina. Terceiro maior parceiro comercial brasileiro, nosso vizinho fechará 2019 com uma queda de 3% no PIB e inflação acima dos 50%. Este ano, os primeiros prognósticos apontam para uma nova queda pouco abaixo de 2% e elevação de preços em torno de 40%. Dessa cartola, o Brasil não sacará nenhum coelho.

Voltando ao Oriente Médio, o alinhamento automático do atual governo com os EUA põe em risco a relação com um importador relevante para o Brasil, o Irã. De acordo com os dados compilados pelo Ministério de Desenvolvimento (Mdic) de janeiro a novembro de 2019, o superávit comercial brasileiro é de US$ 2 bilhões, praticamente 100% em commodities agrícolas – os persas são o segundo maior comprador de milho do Brasil, perdendo apenas para o Japão.

Já com os EUA, o Brasil mantém um déficit de US$ 1 bi e, embora o país seja um comprador importante de produtos manufaturados de maior valor agregado, ainda é difícil prever o impacto de médio prazo do dólar sobrevalorizado na matriz de custos da indústria nacional, que se recupera devagar e ainda tem pouco fôlego para retomar investimentos que elevem a competitividade no ambiente global.

A tábua de salvação brasileira é – e continuará sendo – a China. Nosso superávit sobre os asiáticos foi de US$ 24 bilhões de janeiro a novembro passados. Contudo, os americanos estão pressionando países em todo mundo para brecar o avanço chinês no novo mercado de 5G.

Se o Brasil, que deverá realizar leilões de 5G até 2021, negar a participação chinesa no mercado, poderá não só perder investimentos importantíssimos, como prejudicar o relacionamento com seu mais importante parceiro de negócios.

O alinhamento político com os EUA falará mais alto que o interesses econômicos com Irã e China? O posicionamento da Brasília daqui para frente vai mostrar a direção.

CÂMBIO E JUROS

Caso a economia global de fato sofra um refluxo em 2020, um risco importante para o Brasil é a mudança no cenário de razoável estabilidade que os indicadores demonstram até aqui. Maior volatilidade pode gerar fuga de capitais de países emergentes e, como consequência, pressionar ainda a mais o viés de alta do dólar que o mercado doméstico apesentou nos últimos meses de 2019.

Já o conflito no Irã pode colocar os preços do petróleo em um novo patamar. Isso obrigará o governo brasileiro a intervir – como já vem sinalizando – em um modelo de pesos e contrapesos para conter um aumento expressivo dos combustíveis para o consumidor. A abrangência dessa medida será um teste importante de flexibilidade na política ortodoxa de mercado do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Real mais fraco e combustíveis mais caros costumam rimar com inflação. Que rima com alta de juros, ainda mais em um quadro de fluxo negativo de investimento internacional na renda variável. Vale destacar que as altas históricas da bolsa em 2019 devem ser creditadas ao investidor doméstico. Até novembro, a saída de capital estrangeiro na B3 girou em torno de R$ 40 bilhões, o pior resultado desde 2008.

Indicadores melhores de consumo e controle fiscal são fatores positivos para o cenário do Brasil em 2020, mas o país dependerá cada vez mais de si para reencontrar o crescimento. 

A retomada precisará contar em grande medida da capacidade de o governo federal avançar nas reformas tributária, administrativa e, principalmente, nas privatizações, que até aqui andaram mais devagar do que a expectativa inicial do mercado.

“Apertem os cintos que o avião vai decolar” foi uma figura de linguagem muito usada por analistas e bancos de investimento nesta virada de ano. Ainda não é hora para arremeter ao pessimismo, mas convém contar com turbulências no horizonte à vista. 

Imagem: Montagem sobre a foto “Raising the Flag on Iwo Jima” de Joe Rosenthal (1945).

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