Tecnologia e RH: empresas inovam ao unificar a gestão de duas áreas estratégicas
Monica Miglio Pedrosa
No dinâmico processo de mudança nas empresas nos últimos anos, duas áreas ganharam maior protagonismo recentemente: RH e Tecnologia. Se antes elas eram áreas de suporte, transversais ao negócio, e não respondiam diretamente ao CEO, hoje são extremamente estratégicas e ganharam status de C-Level. Grandes empresas brasileiras, como Vibra Energia, Grupo Boticário e BRF, têm feito um movimento adicional, unificando sob uma mesma vice-presidência a gestão destas duas áreas.
Tendência de mercado ou um movimento que se conecta à cultura organizacional das pioneiras? Na visão de Ricardo Basaglia, CEO da Michael Page, ainda são poucos os casos de empresas que investem nessa união. “As que estão fazendo esse movimento têm, historicamente, uma tendência de buscar desenhos mais otimizados de estrutura. São empresas que não estão fazendo testes, elas se questionam sobre eficiência e modelo organizacional há algum tempo”, afirma.
Existe um aspecto crucial a se considerar nesta decisão. “Muitas empresas poderiam se beneficiar disso, mas será que o executivo que vai estar sentado nessa cadeira tem a capacidade de manejar as duas áreas?”, diz Basaglia. Para ele, a maior habilidade do gestor que ocupar essa cadeira é a escuta. “A maior parte dos executivos cresceu na sua área de domínio por saber dar respostas. Quando ele assume uma área que não domina tecnicamente, é esperado que ele faça boas perguntas, não que dê respostas. Isso se desdobra em discernimento e solução de problemas complexos, mas tudo começa pela escuta.”
Ainda que a junção de TI e RH não exista de forma estruturada no mercado, Basaglia afirma que essa dinâmica de separar e juntar áreas, em movimentos rápidos e cíclicos, deve acelerar daqui pra frente. “Isso pode se dar em função do momento da empresa ou da necessidade de alguma iniciativa estratégica para acelerar o processo da companhia”, diz ele.
No Grupo Boticário esse movimento cíclico aconteceu. Nos anos 2000, a marca O Boticário atuava com tecnologia e RH unificados, depois elas se separaram e, mais recentemente, em 2022, uniram-se novamente. Na Vibra Energia, a unificação das áreas feita em julho de 2023 dialoga com a mudança cultural da empresa nos últimos anos, trazendo mais agilidade e inovação por meio da tecnologia e das pessoas. Na BRF, a unificação aconteceu em 2018, com a chegada de Alessandro Bonorino, que foi vice-presidente de RH em uma empresa de tecnologia por muitos anos e trouxe essa expertise para a empresa.
Para entender os motivos pelos quais essas três empresas unificaram as áreas de Gente e Tecnologia sob uma mesma gestão, entrevistamos Aspen Andersen, vice-presidente de Gente e Tecnologia na Vibra Energia, Daniel Knopfholz, vice-presidente de Pessoas e Tecnologia no Grupo Boticário e Thiago Pereira, diretor de Processos Globais de RH da BRF.
GRUPO BOTICÁRIO:
A unificação das vice-presidências de Gente e Tecnologia no Grupo Boticário, em setembro de 2022, é resultado de uma reestruturação iniciada há mais de três anos, quando foi implementada uma estratégia de aceleração e integração das áreas do grupo. A modificação da estrutura organizacional visava descentralizar a tomada de decisões.
Curiosamente, a inspiração para esse movimento nasceu no próprio Grupo Boticário. Nos anos 2000, a marca de consumo O Boticário atuava com RH e Tecnologia unificados. “Para aquele momento fazia sentido ter essas áreas juntas, mas, depois de um período, elas foram novamente separadas e, quase 20 anos depois, unificadas novamente”, conta Daniel Knopfholz, vice-presidente de Pessoas e Tecnologia no Grupo Boticário, que lidera hoje uma equipe de mais de 3 mil pessoas (são 18 mil colaboradores diretos no grupo no total).
Para Daniel, a decisão não passa por busca de sinergias de custos, processos ou atividades. “Se houver, ótimo. Mas nosso foco é na busca de aceleração e evolução dos mecanismos de gestão de pessoas. E nisso, as vice-presidências de Gente e Tecnologia tinham muito a se beneficiar juntas”, esclarece.
Com a integração, na visão do executivo, a relação entre as áreas é potencializada, culminando no desenvolvimento de um modelo próprio de gestão de pessoas e da cultura do grupo. Daniel alerta, no entanto, que esses setores não têm sinergia total e, para que a iniciativa seja bem-sucedida, é preciso ter isso sempre no radar.
Após a integração das duas vice-presidências, os times se tornaram mais sênior, o que contribuiu para o RH ser ainda mais estratégico no atendimento às demandas de todas as áreas da empresa. Nesse processo, houve um aumento de 3 para 9 diretorias. O time de líderes diretos tem experiências anteriores diversificadas. Em um post recente no seu perfil do LinkedIn, Daniel compartilhou os cargos de três diretores diretos: o Diretor de Transformation Office é engenheiro aeronáutico formado pelo ITA; a Diretora de Jornada do Colaborador é médica especialista em Medicina do Trabalho e o Diretor HR Business Partner & Planejamento é economista que fez carreira em finanças, migrou para a Diretoria de Tech e agora está em RH. Essas novas competências vêm se somar às anteriores e a diversidade gera inovação na visão do executivo.
Para possibilitar uma qualificação contínua das equipes, o Grupo Boticário oferece mais de 170 cursos e trilhas de aprendizagem, que vão desde conteúdos técnicos a soft skills, como inteligência emocional, mudança de hábitos, produtividade e outros.
“Vinha de um modelo de negócio em que a tendência era ser mais rápido, mais pragmático e tinha autonomia para tomar várias decisões. Quando chego na VP de Gente comecei a aprender que o RH precisa ser melhor influenciador do que executor”, reflete Daniel. Para o executivo, a tomada de decisão de forma acelerada nem sempre é a melhor. Ela precisa ser compartilhada, coordenada e construída, considerando que o Grupo Boticário tem mais de 1.000 líderes, que precisam ser envolvidos no processo.
“Um grande aprendizado que tive foi viver a experiência de que o RH atua com engajamento e envolvimento da empresa inteira, incluindo a alta liderança, e não por velocidade. Esse é um entendimento que tem ajudado na construção do RH que queremos, o RH do Futuro.
Questionado se esse é um modelo que outras empresas deveriam seguir, Daniel foi contundente: “De modo geral, acredito que há uma tendência de as companhias integrarem algumas de suas áreas, mas não necessariamente RH e Tecnologia. No Grupo Boticário, a junção das VPs de Gente e Tech proporciona o alcance de nosso objetivo. Em outras organizações, talvez não. Depende de muitos fatores, como cultura e direcionais de gestão, modelo de negócio, da relação com os stakeholders”, afirma.
VIBRA ENERGIA
A Vibra Energia, maior distribuidora do país, passou por uma grande reestruturação em 2019, ao deixar de ser uma subsidiária da Petrobras e ganhar vida própria. Hoje, a Vibra tem várias unidades de negócio, sendo os postos com a bandeira BR a atuação mais conhecida do público. Empresa alinhada com a transição energética, a Vibra investe em fontes alternativas como biometano, energia elétrica, biogás e outras.
Na esteira dessa mudança, Ernesto Pousada, presidente da companhia há pouco mais de um ano, decidiu trazer para a Vibra o modelo que havia experimentado na VLI, empresa anterior da qual era CEO. “Quando olhávamos para a cultura desejada para a companhia, com eliminação de silos e barreiras, mais agilidade e inovação, criar uma área que unisse essas duas grandes competências fazia muito sentido”, conta Aspen Andersen, que assumiu como vice-presidente de Gente e Tecnologia da Vibra Energia em julho do ano passado.
Para que essa integração realmente aconteça, não há gestores diretos abaixo dele que respondem só por tecnologia ou só por pessoas. Para estimular a unificação dos times no dia a dia, profissionais tanto da área de Gente como de Tecnologia sentam-se juntos à mesa para construir em conjunto as soluções. Semanalmente, há reuniões de coordenação em que a sinergia acontece na prática, com o objetivo de ganho de eficiência nas atividades.
O movimento também atende ao desejo de agilizar processos e eliminar burocracia. “Estamos falando de duas áreas, Gente e Tecnologia, que têm como missão usar as capacidades de pessoas e de sistemas para tornar as coisas mais simples e ágeis para a companhia. Então como trazer essa capacidade primeiro para dentro de casa?”, afirma.
Em termos de upskilling e reskilling das 190 pessoas que compõem hoje o time de Gente e Tecnologia, o olhar principal é na capacitação do negócio, para que a vice-presidência possa ser cada vez mais estratégica para a empresa. Outro investimento é no programa de letramento em capacidades digitais, incluindo habilidades como pensamento flexível, capacidade de reflexão e inovação. “Ter a mente aberta para construir algo novo, a partir de outros paradigmas que não aqueles a que se está habituado é uma das principais frentes”, conta Aspen. A inteligência artificial, e mais particularmente a inteligência artificial generativa, é outra aposta da companhia, no sentido de ser um acelerador da capacidade individual em relação às tarefas do dia a dia.
Formado em Engenharia, Aspen construiu carreira em tecnologia e negócios e, após topar o desafio de assumir a área de Gente, fez uma pós-graduação em Gestão Estratégica de Recursos Humanos na FIA e está iniciando um programa para CHROs na renomada Wharton Business School. Um dos grandes benefícios dessa formação, segundo ele, é a capacidade de trocar conhecimentos com pares que vivem desafios similares em várias partes do país.
BRF
Uma única Vice-Presidência Global de Gente, Sustentabilidade e Transformação Digital, que responde também por comunicação, CSC e gestão de métricas. Assim é a área liderada por Alessandro Bonorino na BRF. A unificação das áreas de Gente e TI aconteceu em 2018 e, nos últimos anos, outras responsabilidades foram agregadas à Vice-Presidência, que hoje conta com 2.300 colaboradores. Na visão de Thiago Pereira, Diretor de Processos Globais de RH da BRF, a vivência anterior de Bonorino como vice-presidente de RH da IBM, contribuiu para o sucesso dessa unificação na BRF.
Um dos benefícios é o fato de as áreas se potencializarem na busca por soluções tecnológicas para a companhia, com foco em pessoas e processos. “Temos um conceito interno, o BRF+: mais simples, mais ágil e mais eficiente. Essa característica vem tanto de recursos humanos quanto de tecnologia e é potencializada na união delas”, conta Thiago.
Na BRF, as equipes de RH e TI atuam cada vez mais em conjunto. No dia a dia, os líderes participam das mesmas reuniões, o planejamento é feito em conjunto e há compartilhamento de metas para potencializar essa união. Um exemplo prático: se antes o RH normalmente sugeria alocar mais pessoas para resolver um determinado problema da companhia, hoje o time pensa em outras alternativas, como identificar tecnologias que possam ser aplicadas na resolução da questão, como por exemplo a automação de um processo.
Nessa intersecção de conhecimentos, alguns profissionais especialistas em TI e RH levaram suas habilidades para acelerar a outra área. “Tivemos um Business Partner de RH que migrou para atuar em tecnologia como PMO e um time de TI que atua hoje com inteligência de dados e IA no RH para prever acidentes de trabalho ou identificar potencial turnover na companhia”, exemplifica. Outros exemplos de aplicação prática da tecnologia na gestão de pessoas são o chatbot de atendimento para os mais de 100 mil colaboradores globais (90 mil no Brasil) e o processo de admissão digital utilizando tecnologia de reconhecimento de imagem, entre outros.
Como RH e Tecnologia são áreas transversais a todas as outras, quanto mais conectado ao negócio, maiores serão os benefícios para a empresa. “A tecnologia pela tecnologia está fadada ao fracasso. Quando a tecnologia se aproxima do negócio e juntos definem os projetos prioritários a probabilidade de ganhos para a companhia aumenta”, conclui.
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