“Brasil tem potencial de receber R$ 4 trilhões com mercado de data centers, mas é preciso agilidade regulatória”

Monica Miglio Pedrosa
O Brasil pode estar prestes a perder uma das maiores oportunidades econômicas dos próximos anos, a de abocanhar uma fatia do trilionário mercado global de data centers, impulsionado pela crescente demanda por computação em nuvem e inteligência artificial. Gustavo Estrella, CEO da CPFL Energia, estima que o país poderia atrair até R$ 4 trilhões, o equivalente a um terço do PIB, em investimentos, considerando uma demanda latente de 15 gigawatts (GW) para atender o setor no país.
“Já neguei pedidos que somam 5,4 GW de novos data centers na área de concessão da CPFL por falta de capacidade para conectar essas operações à rede elétrica. Hoje, o prazo médio entre o pedido de uma nova conexão e a energização da linha é de cerca de oito anos. Esse mercado não pode esperar tanto tempo”, afirmou Estrella durante a terceira edição da Confraria de CEOs em 2025, evento exclusivo do Experience Club que reuniu 90 CEOs e líderes de grandes empresas na Experience House, em São Paulo.
Segundo o executivo, a capacidade instalada atual dos data centers no Brasil gira em torno de 1 GW. A expansão dos serviços em nuvem deve elevar esse número para entre 3 a 4 GW. Com o potencial adicional trazido pela inteligência artificial, a demanda pode chegar a 15 GW. Para cada 1 GW de capacidade, o investimento estimado é de até US$ 10 bilhões em infraestrutura física do data center, e entre US$ 30 e 50 bilhões em equipamentos. Somando a necessidade de geração de energia adicional e as linhas de transmissão, o volume total de aportes pode alcançar R$ 4 trilhões.
“Diferente do crescimento orgânico, o mercado de data centers cresce em saltos, ou seja, se você não investe antes porque ainda não tem cliente, o cliente também não vem porque não há rede. Não tenho dúvida de que, se eu tivesse 5,4 GW disponíveis para oferecer, teria fila na porta pela oferta”, garantiu.
Estrella destacou que, além da necessidade de maior agilidade regulatória para a expansão da infraestrutura, o país enfrenta outros entraves, como a elevada carga tributária sobre os equipamentos, muito superior à de outros países, e restrições regulatórias que dificultam a transferência de dados treinados por IA para o exterior. “É preciso garantir que os dados processados aqui possam ser enviados para países que vão consumir essa informação, como Estados Unidos e Europa”, afirmou.
Confira, a seguir, outros insights compartilhados por Estrella durante o evento:

Demanda global de redução de carbono:
“O avanço do uso da energia elétrica no mundo impõe um desafio duplo, o de ampliar o acesso à eletricidade, ao mesmo tempo em que se reduzem as emissões de carbono. Não há como falar em descarbonização sem repensar a forma como a energia é gerada e consumida.
Nesse cenário, o Brasil larga na frente, com uma das matrizes energéticas mais limpas entre as grandes economias globais, com quase 90% da eletricidade gerada no país vinda de fontes renováveis, lideradas pela energia hidráulica.
Apesar da vantagem competitiva, o Brasil enfrenta um desafio que também preocupa o restante do mundo: a intermitência das fontes renováveis. Ao contrário da energia térmica ou hidráulica, cuja geração pode ser estabilizada conforme a oferta de combustível ou água, o vento e o sol são imprevisíveis. Esse é hoje um dos maiores desafios do setor, o de equilibrar a necessidade de uma matriz limpa com a capacidade de estabilizar o fornecimento de energia.”
Segurança x desperdício de energia renovável:
“A CPFL gera atualmente em torno de 4 GW, sendo 1,5 GW provenientes de geração eólica. Aproximadamente 20% dessa geração deixa de ser aproveitada devido a cortes solicitados pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). O resultado é a perda de uma energia de custo marginal zero para o sistema, enquanto outras fontes mais caras e poluentes são acionadas. Isso aconteceu devido ao apagão de energia no país, em 2023, que fez com que o Operador privilegiasse a segurança do sistema no fornecimento, reduzindo o uso da geração renovável eólica e solar.”
China quer ser carbono zero até 2060:
“A CPFL é controlada pela chinesa State Grid Corporation. Tenho ido muito para a China e vejo os desafios que eles enfrentam lá também. Apesar dos grandes investimentos em fontes renováveis, o país asiático ainda tem quase 60% de sua matriz baseada em térmicas. O desafio é virar carbono zero em 2060. A China continuará aumentando a emissão de carbono até 2040 e será preciso o surgimento de alguma nova tecnologia nos próximos dez, quinze anos para que essa curva comece a inverter a partir de 2040.”
‘Estocagem’ de vento:
“A China tem feito um investimento significativo em baterias, que são parte da solução para injetar a energia eólica no sistema no momento em ela precisa ser usada. O problema é que a bateria ainda é uma tecnologia cara. Visitei, na China, uma planta de estocagem de ar comprimido. Quando há energia sobrando, ela é usada para gerar ar comprimido nessa ‘caverna’ e extrair energia quando ela será usada. É, de fato, estocar vento mesmo.”
Setor regulado com ROI garantido:
“Estou no setor elétrico desde 1998. Antes de vir para a CPFL, trabalhei na Light e vivi intensamente o período pós-privatização. Entrei na CPFL no dia 23 de abril de 2001. Pouco mais de um mês depois, em 1º de junho, começou o racionamento de energia no Brasil. Desde então, o setor passou por muitos desafios e transformações. Em 2004, tivemos um redesenho completo da regulação, que segue em vigor até hoje. Ou seja, há mais de 20 anos temos uma regulação sólida, que já foi testada em diversos contextos e que garante estabilidade não só para a operação do sistema, mas também para atrair investimentos.
De 2004 para cá, o que não faltou no setor foi investimento — em geração, transmissão e distribuição. E isso só foi possível porque existe segurança jurídica. Quando faço um investimento, estou falando de concessões de 30 anos. Mas temos conseguido mostrar que vale a pena investir aqui porque há estabilidade, respeito aos contratos e um ambiente confiável de negócios.”
Transformação do setor com foco no cliente:
“Durante muito tempo esquecemos que existia uma figura lá na ponta, que é o cliente. Hoje isso não é mais possível, seja porque o mercado está se abrindo, seja por ser mais competitivo. O cliente tem cada vez mais poder de escolha. O cliente do grupo A, de alta atenção, já pode migrar para o mercado livre. E, no caso do grupo B, a discussão não é mais se isso vai acontecer, mas quando. Estamos seguindo uma tendência mundial: nos países onde o mercado se abriu, os consumidores passaram a ter mais opções, a concorrência aumentou e isso é positivo.
Eu mesmo tive que mudar completamente a forma como a gente se relaciona com o nosso cliente. Durante anos, dizíamos que não íamos entrar em redes sociais. Hoje, um dos principais canais de contato com a companhia é justamente pelas redes. Com 11 milhões de clientes, foi preciso repensar todos os canais de comunicação, entender melhor quem é esse cliente, o que ele quer, como se comporta. A gente está nessa jornada há uns cinco anos, mas ainda está só no começo. Ainda temos muito a evoluir.
É uma mudança de chave, uma mudança de mindset que todas as empresas do setor estão enfrentando. Por muito tempo, o foco foi quase exclusivamente na operação, na excelência técnica da rede, e esquecemos que, na outra ponta, existe alguém cada vez mais exigente e cada vez mais decisivo na forma como se relaciona com a distribuidora.”
Medição do consumo em tempo real:
“Esse ano, estamos investindo R$ 6,4 bilhões só em distribuição, isso em áreas maduras, como São Paulo e Rio Grande do Sul, que, mesmo assim, seguem demandando muito investimento. Além dos aportes tradicionais, como expansão de rede, postes e transformadores, hoje temos uma frente cada vez mais relevante voltada à tecnologia. Um dos principais projetos que estamos iniciando é o de telemedição. Ainda hoje, bato na porta de cada um dos meus 10,8 milhões de clientes para fazer a leitura do medidor, e depois volto para entregar a conta. Nada mais arcaico do que isso.
Estamos trocando os medidores por versões inteligentes, capazes de realizar a leitura remotamente. A tecnologia, em si, não é complexa, o grande desafio é a capilaridade. São 10,8 milhões de equipamentos espalhados em quase 700 municípios, incluindo áreas rurais. Mas o impacto será enorme. Com os novos medidores, os clientes poderão acompanhar em tempo real seu consumo de energia, algo essencial para criar programas de eficiência energética mais eficazes. A China tem 400 milhões de clientes com medição inteligente, a Europa e os Estados Unidos também. Isso deve representar uma melhoria significativa na relação com o cliente e na qualidade do serviço prestado.”
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