Mercado

A estratégia da Philips para se transformar numa healthtech

Por Monica Miglio Pedrosa

Em 2024 a Philips completa 100 anos de atividade no Brasil. Globalmente, são 133 anos de história. Se antes a marca era conhecida por uma variedade ampla de produtos eletroeletrônicos, desde 2011 ela decidiu investir 100% dos esforços em tecnologias para o setor de saúde, se posicionando como uma healthtech. A empresa vendeu então sua divisão de produtos de áudio e vídeo e hoje faz apenas a gestão dos royalties da marca dos produtos deste segmento com as empresas compradoras.

A decisão estratégica está dando frutos à companhia. No primeiro trimestre de 2024 a Philips reportou vendas de 4,1 bilhões de euros globalmente, um crescimento de 2,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2023, foram 18,2 bilhões de euros em vendas globais totais.

No Brasil, a companhia é liderada por Patricia Frossard desde 2019. Ela foi a primeira mulher a assumir como CEO no país. Advogada, trabalhou 12 anos na área jurídica da PepsiCo antes de assumir a Diretoria de Legal & Compliance na Philips em 2015, apenas um ano e meio depois de entrar na empresa. Em 2019, a Philips buscava um CEO que pudesse unificar todas as divisões de negócio e as habilidades de negociação, relacionamento e comunicação de Patricia foram um diferencial na escolha da executiva para o cargo.

Nessa entrevista à [EXP], Patricia conta como foi receber o convite inesperado para a posição e fala sobre os planos da Philips para o segmento de saúde, as inovações tecnológicas que estão sendo desenvolvidas, regulação da IA e sua atuação em relação à inclusão e diversidade de gênero, raça e recrutamento de pessoas de baixa renda na companhia. “Quero que a gente possa andar dentro da empresa e não se sentir numa nave espacial. Se estamos no Brasil, temos que representar o Brasil”, afirma.

[EXP] Patricia, você atuava na área jurídica e foi convidada a assumir a posição de CEO da Philips em 2019. Você já tinha traçado esse objetivo para a carreira ou foi um convite inesperado?

[Patricia Frossard] – Esse assunto gera um pouco de curiosidade mesmo, porque você não costuma ver um advogado numa posição de CEO. Sempre trabalhei no mundo corporativo. Trabalhei na PepsiCo e estou há 11 anos na Philips. O convite para ser CEO veio em 2019, na saída do Renato Carvalho, líder da época. A empresa queria trazer alguém que pudesse unificar as áreas de negócio e trazer o head de apenas uma das áreas poderia não ser a melhor decisão. Eu era uma das pessoas seniores do management team na ocasião, à frente da Diretoria Legal & Compliance e participava das reuniões e das decisões de negócio. Então veio o convite para assumir como CEO, mas não aceitei de imediato, fui pra casa pensar.

"Advogados são grandes negociadores e grandes comunicadores. Empresas vivem de vendas, se você agrada o cliente todo mundo fica feliz." Patricia Frossard - CEO Philips Brasil

No que você pensou?

O convite me fez fazer uma autoanálise para entender se eu tinha as ferramentas adequadas. É interessante observar que o advogado que trabalha em empresas está sempre negociando. Nosso objetivo é evitar qualquer litígio, queremos que as coisas aconteçam. Então somos grandes negociadores e grandes comunicadores. Empresas de mercado vivem de vendas, se você agrada o cliente todo mundo fica feliz. Então eu tinha essas fortalezas de criar relacionamentos, alianças e fui atrás daquilo que não tinha.

Como foi esse processo?

Pensei que se eu tivesse um bom mentor que me apoiasse poderia dar certo e consegui esse compromisso da pessoa que me deu essa oportunidade, o então CEO Latam, de que ele me acompanharia por pelo menos um ano como mentor nessa função. Também negociei certa flexibilidade para compatibilizar o cargo com a família. E tem também o fato de logo em seguida ter vindo a pandemia e nessa época nenhum CEO sabia o que fazer, todo mundo era igual, ninguém era melhor do que ninguém. Foi um momento que colocou um pouco de humildade em todo mundo para trocar experiências e entender que ninguém sabia muito do que estava acontecendo e o que fazer. Dali pra frente foi só ganhos. Me sinto superconfortável no que faço e mostrei para outras pessoas que uma mulher pode assumir mais responsabilidade e ter qualidade de vida.

Isso foi importante como exemplo para outras mulheres na organização?

O fato de eu estar nessa posição dá mais coragem para as mulheres se arriscarem também. Porque a gente tem muita capacidade, o que falta é um pouco de coragem. Na minha experiência, vejo as mulheres mais cautelosas. Eu mesma tinha dúvidas se seria possível conciliar a nova função com qualidade de vida. E tudo bem ter dúvidas! Uma pesquisa da McKinsey fala que 70% dos CEOs não se sentem preparados para assumir.  Quando eu aceitei a posição de CEO fiz o convite para quatro pessoas assumirem posições maiores na empresa. Duas eram mulheres e dois homens e as duas mulheres não aceitaram o convite. E hoje, que estou nesse papel há quase cinco anos, posso falar que é possível conciliar. Hoje, muitas pessoas vêm me pedir mentoria e eu digo que é uma questão de gestão de tempo, independentemente da posição que a pessoa está na empresa.

"Não falar inglês com 20 anos diz muito mais sobre a falta de oportunidade do que sobre sua competência para aprender." - Patricia Frossard - CEO Philips Brasil

Que agendas da pauta feminina você trouxe na sua gestão?

Desde que entrei na posição estabelecemos metas, uma delas é a de ter 30% de mulheres em cargos de liderança até 2025. Para isso acontecer é preciso criar regras. No plano de sucessão em posições estratégicas há três pessoas para cada posição e uma delas tem que ser mulher. Quando contratamos alguém do mercado, a mesma regra é válida: precisamos ter como finalistas do processo de seleção pelo menos uma mulher. Dessa forma a gente faz esse número acontecer. E temos também outros programas de inclusão.

Quais são?

Temos processos de atração para pessoas com baixa renda e para isso eliminamos a exigência do inglês e fornecemos essa capacitação para os jovens. Sempre digo que não falar inglês com 20 anos diz muito mais sobre a falta de oportunidade do que sobre sua capacidade ou competência para aprender. Eu mesma fui falar inglês só aos 30, não nasci em berço de ouro. Temos que fazer a nossa parte como empresa que atua na sociedade.  O terceiro programa é de diversidade de raça. Sempre falo que se chegamos em uma empresa e não vemos a diversidade de gênero, raça ou pessoas com baixa renda na mesma proporção que temos na população brasileira, você está em uma nave espacial, não no nosso país. Quero deixar esse legado.

Patricia queria agora falar da decisão da Philips se dedicar integralmente ao segmento de saúde. Pode explicar como foi essa decisão?

Em 2011, Frans van Houten, nosso então CEO global, olhou para o nosso portifólio à época e resolveu investir no segmento mais promissor, para concentrar os investimentos em inovação, que somam 2 bilhões de euros por ano. Olhando para o futuro, à época dois segmentos eram os mais promissores: saúde e energia. Como nossa divisão Healthcare já existia, decidiu-se pelo foco em saúde. Vendemos a divisão de áudio e vídeo e hoje não temos mais nenhuma relação societária de investimento, são empresas independentes. Obviamente fazemos o controle de qualidade porque nossa marca está nos produtos.

Sempre falo que se entramos em uma empresa e não vemos diversidade de gênero e raça na mesma proporção que temos na população brasileira, você está em uma nave espacial, não no nosso país." Patricia Frossard - CEO Philips Brasil

Em termos de tecnologia para saúde, vocês atuam com foco B2B?

Temos um pequeno portfólio para pessoa física, como a linha Avent de barbeadores, com produtos de saúde pessoal, e produtos de saúde, como aparelhos de ressonância magnética, tomógrafos, ultrassom, monitores, o sistema de gestão de saúde Tasy, entre outros. Investimos o dinheiro da venda dos negócios de imagem e vídeo em saúde, compramos mais de 12 empresas nos EUA há dois anos. E investimos em inovação nos nossos produtos.

Os 4 pilares de atuação da Philips

Como vocês têm usado a IA ou a IA generativa nessas tecnologias para saúde?

No próprio Tasy estamos usando a tecnologia no prontuário eletrônico. Incluímos uma funcionalidade que permite ao médico interagir com o sistema por comando de voz e, além de incluir as informações por voz no prontuário, a inteligência artificial seleciona palavras-chave utilizadas para fazer buscas em bases de dados médicos e sugerir um diagnóstico, tratamento ou medicamento baseado no arquivo que aquela instituição hospitalar tem na sua farmácia. Obviamente o médico dá a palavra final, porque no final do dia o CRM é dele, mas ele pode usar essa informação para auxiliar o diagnóstico. E esse tipo de projeto não se faz da noite pro dia, precisa ter o envolvimento dos médicos e das instituições.

Como é o processo?

Nosso sistema funciona como um marketplace de inteligências artificiais que são desenvolvidas pelas instituições. Por exemplo, se aparece uma lesão em um exame de ressonância, o sistema detecta isso por meio de um banco de dados de imagem usando IA e esse exame é encaminhado para o laudo por um médico especializado. Se está dentro do padrão, não precisa desse cuidado. Há uma segregação para que se possa pensar em produtividade, melhorar a experiência do médico, que dá foco apenas nos exames que são necessariamente mais críticos. Além disso, a tecnologia é usada nas áreas administrativas das instituições de saúde há algum tempo, para fazer uma melhor gestão de carteira de clientes e de médicos, de horários de consulta com maior demanda, entre outros indicadores.

E em relação a outras tecnologias e tendências, quais são as apostas?

Com a implantação do 5G vai abrir muito caminho para ampliar teleatendimento para procedimentos médicos especializados em áreas distantes. Para nós, o futuro é conectado. Ninguém será capaz de resolver a questão de saúde sozinho, todos prestadores de serviços de saúde, como a Philips, hospitais, clínicas, laboratórios, todos precisam trabalhar em conjunto. Por isso nossos produtos precisam ser cada vez mais agnósticos, precisam se conectar com todas as marcas. O Tasy hoje recebe produtos de startups que se conectam a ele pois algumas funcionalidades que não são do core faz sentido trazer parceiros que se conectam por meio de nosso programa de APIs.  Da mesma forma, nosso produto pode se conectar com o produto de um concorrente. Por exemplo, um software da Philips conectado ao monitor de outro player. Precisamos dessa interoperabilidade na saúde.

Você está também na presidência do Conselho de Administração da Abimed (Associação Brasileira da Indústria e Tecnologia para Saúde). Quais são as principais pautas discutidas no momento?

A Abimed tem um papel fundamental na questão da interoperabilidade. Atualmente temos trabalhado nos impactos da reforma tributária. A questão do imposto na saúde é crítica, o custo é muito alto no país. Temos feito um trabalho de trazer essa realidade do mercado e a comparação com outros países para que o Brasil fique mais competitivo. E, por ser uma associação que trabalha com indústrias de alta tecnologia, é preciso falar de inovação. Também temos falado de regulamentação de inteligência artificial. Costumo dizer que as coisas primeiro acontecem para depois surgir a necessidade de regular. Foi assim com o marco civil da Internet e vai ser assim com a IA. É preciso proteger a questão ética na inteligência artificial e é isso que temos focado na Abimed, porque não pode ser algo que limite a inovação.

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