Mercado

“O AI e-commerce vai ser a terceira revolução tecnológica do varejo”, diz Fred Trajano, CEO do Magalu

Camila Salek, Fred Trajano e Fabrício Garcia

Monica Miglio Pedrosa

Quando voltou ao Magalu nos anos 2000, para liderar a transformação digital da companhia, Fred Trajano queria estar na linha de frente da estratégia da varejista diante da chegada da primeira grande onda tecnológica, a internet. A segunda viria com a popularização dos smartphones, que ampliaram o acesso à rede e impulsionaram o crescimento do m-commerce. Agora, segundo ele, o varejo vive sua terceira grande revolução tecnológica: o AI e-commerce, que promete transformar significativamente a jornada de compra. “Boa parte do processo de compra vai passar por um agente de IA”, afirmou Fred, CEO do Magalu.

Para não perder esse movimento, o Magalu criou uma Diretoria de AI, hoje com 80 profissionais dedicados. Entre as mais de 80 iniciativas em andamento, um dos destaques é a Lu, influenciadora digital da companhia. “Sempre achei o canal digital muito frio, basicamente um autosserviço, com descrições técnicas do produto. O Brasil é um dos países com o maior nível de conexão social do mundo. Criei a Lu, em 2003, como representação desse calor humano”, contou.

Essa paixão pelo digital, sem abrir mão da essência das lojas físicas, inspirou a nova megaloja do Magalu, que ocupará o icônico espaço da antiga Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Av. Paulista (SP). O local será a representação física das marcas digitais da varejista, como Netshoes, KaBuM!, Estante Virtual e Época Cosméticos [Leia a reportagem completa neste link].

Fred Trajano e Fabrício Garcia, Vice-presidente Comercial e Operacional do Magalu, compartilharam esses e outros insights durante um bate-papo mediado por Camila Salek, CEO e Fundadora da Vimer Retail Experience durante o Retail Dinner, evento exclusivo do Experience Club em parceria com a Vimer, que reuniu 100 CEOs e líderes de importantes redes varejistas e indústrias brasileiras nesta terça, 24 de junho, na Experience House, em São Paulo.

Leia, a seguir, os principais destaques da conversa:

Ricardo Natale, CEO do Experience Club, na apresentação do Retail Dinner
Ricardo Natale, CEO do Experience Club, na apresentação do Retail Dinner

[Camila Salek] Qual é o seu maior desafio quando falamos de omnicanalidade? Existem dois públicos distintos, os sellers e o consumidor final. Como você estrutura os times para cuidar de cada um?

[Fred Trajano] Quando começamos o e-commerce, a loja física já tinha 40 anos de existência. Quando lançamos o marketplace, a loja tinha 60 anos de existência. Toda vez que surge um elemento novo, é preciso ressignificar a loja física. Nossa loja foi reinventada várias vezes. Na jornada de compra, o vendedor usa seu celular para vender tanto os produtos do Magalu, como os dos sellers. Repensamos o back office da loja, para ser um apoio ao Centro de Distribuição, um CD que vende. Isso envolveu mudanças físicas, sistêmicas e processuais.

Com o marketplace, a loja passou a ser um ponto de apoio local para o ecossistema e para os sellers. Com a Galeria Magalu, estamos repensando novamente o varejo físico para incorporar o ecossistema e todas as marcas digitais do grupo, que se provaram ser muito fortes também na loja. Essa reinvenção constante é um desafio, porque é preciso sempre retreinar o time, refazer os sistemas, os processos, o layout da loja.

[Camila Salek] Fabrício, você comentou que hoje 115 mil sellers já usam as lojas, inclusive como espaço de drop-off. Ao olhar para esses novos desafios de repensar o espaço físico, além do processo que envolve a logística como um todo, você pretende trazer para esses sellers oportunidades de experiência da marca na loja?

[Fabrício Garcia] Sim, acredito que esse será um próximo passo. O que estamos vendo na Galeria Magalu é que as marcas digitais estão ávidas para estar com o consumidor de forma presencial, criando experiências. Em 2016, quando o online era menos de 20% do nosso negócio, a equipe das lojas achava que o site competia com eles. Tivemos que reeducá-los, mostrar que todos os consumidores compram online e também na loja física. O vendedor começou a entender que vários clientes que iam à loja retirar um produto nunca haviam estado lá antes. Uma oportunidade para fazer contato. O mesmo pode acontecer com o seller que vende via marketplace.

[Camila Salek] Quando olhamos para essa dimensão continental que o Brasil tem, vejo que o varejo está direcionando cada vez mais o olhar para as comunidades locais. O Magalu, historicamente, permitiu que os gerentes de loja produzissem conteúdos regionais. Até onde eles podem ir nesse olhar regional, qual a regra?

[Fred Trajano] Para nós não é regra, nem alçada, é cultura. E nossa cultura vem de um modelo de gestão que a minha mãe implementou, de dar autonomia para a ponta. Sempre acreditamos que o gerente é o dono da loja e a equipe são os associados daquela loja. Então, sempre tivemos um modelo de liberdade acompanhada, com altíssima descentralização. Acreditamos muito na capacidade da ponta de ser criativo, de falar a língua local.

Você lembrou bem, uma das primeiras coisas que a gente fez, em parceria com a Meta, foi permitir que cada loja tivesse uma fan page no Facebook, com uma gestão centralizada. Sempre estimulamos a equipe a ser o influenciador local, disponibilizamos uma verba para a loja comprar mídia local e para impulsionar os vídeos que elas mesmas criam. Mais do que treinar, damos autonomia. Um influenciador não faz curso de influenciador. Ele começa a se expor, se desenvolve e de repente o vídeo viraliza. Boa parte do que temos de fluxo na loja hoje vem desse esforço local das equipes, de estarem falando a língua do consumidor local. Na central, acompanhamos os resultados e dados para ver o que funciona bem ou não. É o que chamamos de liberdade acompanhada.

[Camila Salek] Vendedores agindo como microinfluenciadores. Teve um caso na NRF desse ano que me deixou bastante surpresa, sobre uma menina que, com o ciclo de amizades dela, vendeu 60 mil pares de jeans usando 5 mil pessoas nas redes sociais.

[Fabrício Garcia] Um vídeo de uma vendedora nossa, de Avaré, teve 9 milhões de views. Ela foi parar até na Globo. Tem caso de vendedor nosso que virou garoto-propaganda da pizzaria da cidade. Eles viram celebridades locais.

[Camila Salek] Falando de expansão e desse modelo de triangulação na loja física, você já está conseguindo captar dados e informações da operação das marcas digitais na loja da Marginal, para levar para outros modelos de expansão?

[Fabrício Garcia] A primeira certeza que tivemos com essa ação na loja da Marginal é a força das marcas digitais. É muito impressionante, temos marcas muito valiosas em mãos. Segundo, há uma carência do público em relação à exposição física dessas marcas. Terceiro, o nosso modelo de loja mudou. Com a tecnologia, não é preciso mais ter lojas gigantes. A Best Buy, nos Estados Unidos, passou por isso também. Lojas de 5 mil m2, viraram verdadeiros micos nas mãos deles. Muitas de nossas lojas hoje têm 1.800, 2 mil m2, mas não precisamos de todo esse espaço para as categorias de bens duráveis do Magalu. Fizemos esse experimento na loja da Marginal Tietê, estamos preparando a Galeria Magalu na Av. Paulista, a próxima vai ser a loja da Av. Aricanduva, que tem 4 mil m2 e é a que mais vende na companhia. Devemos expandir esse modelo para outras 50, 100 lojas.

[Camila Salek] Como vocês estão usando a inteligência artificial no Magalu?

[Fred Trajano] Vou fazer 25 anos no grupo e a minha decisão de voltar para a empresa foi porque eu vi a chegada de uma onda tecnológica que seria avassaladora: a internet. Até 1999, a gente só vendia em loja física. Não existia e-commerce. Depois dessa onda, eu só vi duas outras com esse poder de revolução para muitas indústrias, mas especialmente para o varejo. A primeira foi o mobile, a chegada do smartphone, que fez surgir novos modelos de negócio. Boa parte do e-commerce cresceu por causa da popularização do smartphone. Agora vem o AI e-commerce, que será uma revolução extremamente significativa, onde boa parte da jornada de compra vai passar por um agente de IA.

Há 1,5 ano, criamos a Diretoria de AI. Temos 80 profissionais exclusivamente focados em desenvolver toda a nossa arquitetura de AI. Boa parte das iniciativas desenvolvem o cérebro da Lu, que vai ser, mais do que uma influenciadora digital, um dos nossos principais canais de venda. A agenda de AI é absolutamente abrangente e ela vai ser utilizada para ajudar o vendedor a fazer comunicação dirigida no local, a criar vídeos de produtos que hoje são só fotos, melhorar as fichas técnicas de produtos. Existem mais de 80 diferentes iniciativas na companhia para implementação de AI.

[Camila Salek] Além de AI, quais frentes de tecnologia no varejo estão sendo mais impactantes para o teu resultado?

[Fabrício Garcia] A inteligência artificial está presente em toda a nossa operação, usamos AI generativa, AI preditiva. Para operar 1.200 lojas, 21 centros de distribuição, com o estoque que temos, é preciso usar tecnologia. Nossa área de supply opera muito integrada à área de AI, melhoramos a distribuição de produtos, a qualidade de compra. Investimos na maior otimização possível do nosso estoque, que é um ativo supercaro no Brasil hoje. Temos um desafio de ter a nossa base de clientes cada vez mais integrada para que a loja possa sugerir produtos para o consumidor, para ajudar o vendedor a fazer recomendações com base na jornada do cliente em todo o ecossistema, de forma mais customizada possível.

[Camila Salek] Falando sobre o projeto da Galeria Magalu, como está sendo traduzida essa integração omnicanal do grupo, essa inteligência de ecossistemas para dentro de uma loja física?

[Fabrício Garcia] Temos o desafio de reunir, em um único espaço, cinco marcas com identidades próprias, mas que precisam estar, ao mesmo tempo, conectadas entre si. Cada marca tem autonomia para montar seu espaço do jeito que ela acha que tem que ser. Esse é um grande desafio, estar pronto para atender todas de uma forma integrada e entender que ali dentro o cliente pode ter diversas experiências. Inclusive, nós vamos treinar a equipe de forma diferente, o treinamento será feito na Apple Store, porque a equipe tem que estar preparada para atender todo tipo de público neste local.

[Camila Salek] Esse modelo da Galeria Magalu gera uma oportunidade muito grande de dar protagonismo e espaço para marcas que não operam no varejo físico e têm ali um canal extremamente importante, não só de mídia, mas de contato pessoal com o consumidor. Como elas podem explorar essa experiência de marca?

[Fred Trajano] Vou aproveitar a sua pergunta e fazer uma exploração conceitual importante. Os desafios do varejo são muito similares aos desafios de construção de marca de muitas empresas que estão entrando nesse mundo multicanal, com uma audiência tão pulverizada. Sou um grande apaixonado pelo digital, mas não consigo pensar em um processo de construção de marca sem o mundo físico.

Até hoje, grande parte dos orçamentos das marcas vai para performance e estamos falando basicamente de investimento em buscadores. Você coloca uma marca icônica em um buscador e o resultado traz dezenas de pequenas fotinhas de produtos com o preço embaixo. Essas marcas criaram todo um storytelling para, no fim, serem apresentadas para o consumidor de forma ‘comoditizada’. O que isso está fazendo com sua marca no longo prazo? E o fato do seu produto estar ao lado de um seller que importou sua oferta do Paraguai? Existe uma grande comoditização e até mesmo uma discussão de brand safety nesses espaços. Estamos tentando nos posicionar como uma companhia diferenciada nesse sentido, fazendo curadoria do que vendemos para sermos não um marketplace, mas um brand place.

[Camila Salek] Pra gente finalizar, queria saber como vocês se atualizam, como encontram espaço na agenda de urgências do varejo, para olhar para assuntos emergentes?

[Fred Trajano] É preciso ter curiosidade constante e muita fome de aprendizado. Estar sempre aberto e tentando encontrar, mesmo fora do varejo, inspiração para aquilo que pode servir para você. Adoro viagens. Nossa primeira NRF foi em 2001, quando a delegação brasileira ainda era bem pequena, hoje mais de 2 mil brasileiros vão pra lá. Viajei muitos anos para a NRF e depois perdi um pouco a inspiração naquele modelo.

Fui para a China e, desde 2014, voltamos para lá todos os anos para conhecer as operações online do varejo chinês. Recentemente, fui pra Europa, visitei Londres, Estocolmo. Revisitei a IKEA. Minhas viagens são muito importantes para a construção das minhas referências. Também amo podcast. Temos o Cabeça de Lab, do Magalu, temos o podcast do CanalTech. Existem vários podcastas de AI, de varejo. Gosto muito do Acquired, que conta toda a história de uma marca, como a Costco, que para mim é um varejo icônico.

Retail Dinner

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