ESG

Alex Allard: o Brasil está “open for green business”

Alex Allard

Denize Bacoccina

Um terreno abandonado, com um prédio em mau estado de conservação, onde nas primeiras décadas do século 20 funcionou um hospital construído por um dos maiores empresários da época – o conde Francesco Matarazzo, imigrante italiano que construiu um conglomerado industrial no Brasil – e que estava desativado desde 1993.

Foi nesta área com 30 mil metros quadrados que o empresário francês Alex Allard, que já havia criado vários negócios em sua vida profissional, entre eles o primeiro database e o conceito de CRM, decidiu instalar o seu projeto de economia sustentável com um complexo hoteleiro, gastronômico, comercial, cultural e de empreendedorismo voltado a negócios de preservação e regeneração do meio ambiente.

Desde que adquiriu o terreno, em 2008, ele juntou um time de profissionais altamente respeitados, entre eles o arquiteto Jean Novelo, o designer de interiores Philippe Stark, o Ateliers de France, os artistas Irmãos Campana, e está criando um complexo que será “um ecossistema de promoção da cultura e da biodiversidade brasileira”.

A Cidade Matarazzo é um complexo que reúne arte, gastronomia e hospitalidade e em sua segunda fase de inauguração, no próximo ano, terá um centro cultural, experiências de saúde e bem estar, lojas de moda e beleza. Também faz parte do projeto a AYA Earth Partners, o primeiro e maior ecossistema dedicado a acelerar a economia regenerativa e carbono zero do Brasil.

O Brasil, na visão de Allard, é o país ideal para colocar em prática a economia do futuro. E São Paulo o local perfeito para praticar o reflorestamento urbano que ele defende. “Se for possível em São Paulo, será possível em qualquer cidade do planeta”, afirma. “São Paulo é o lugar mais estratégico, porque é o centro nervoso, o centro de decisão de tudo o que acontece no país, que tem o ativo verde mais poderoso do planeta.”

Ele foi um fomentador da iniciativa brasileira no Climate Week, da ONU, em setembro, que colocou o país como um destino para investimentos sustentáveis. O Brasil, na avaliação dele, tem tudo para se tornar um grande player em projetos para rentabilizar e ao mesmo tempo preservar e recuperar o meio ambiente. “O Brasil está open for green business”, diz nessa entrevista à [EXP], concedida um pouco antes de sua apresentação no Fórum CEO Brasil, realizado pelo Experience Club no fim de setembro, no qual contou sua trajetória empreendedora e apresentou sua visão para o Cidade Matarazzo.

Assista à palestra de Alex Allard no Fórum CEO Brasil 2023:

[EXP] – Você criou o Cidade Matarazzo, que entre outras instalações tem o Hotel Rosewood, considerado este ano o melhor do Brasil. Mas o complexo ainda tem outras atividades. O que já está pronto e o que ainda falta fazer?

Alex Allard – O Cidade Matarazzo é um projeto para ajudar os paulistanos, os brasileiros, a entender o valor do patrimônio deste país. Falo do patrimônio histórico, já que era um hospital abandonado, mas também do patrimônio verde, do patrimônio cultural. Esse patrimônio tem potencial para inspirar o planeta inteiro. Mas, para isso, precisa mudar um pouco a autoestima dos brasileiros. Eles precisam acreditar nisso. É um lugar para celebrar a cultura, a história do Brasil.

Teremos salas de exposições, salas de música, dois hotéis, espaço de eventos, lugar para promover os produtos da natureza, os produtos dos povos indígenas, da cultura africana, de todas as culturas brasileiras. É um lugar de celebração, de alegria.

E quanto do projeto já está pronto?

Já abrimos 100 mil metros quadrados, e vamos abrir muito mais. Temos seis restaurantes, hotel, centro de convenções e eventos e um lugar muito importante que é o AYA, um hub de regeneração. Nos próximos meses vamos abrir mais 35 restaurantes e a Casa da Criatividade, que vai celebrar a criatividade brasileira, como a moda. As roupas de banho brasileiras são famosas no mundo todo.

Teremos também um mercado biológico e os parques. O Parque Trianon também faz parte do projeto. É um ecossistema de promoção da cultura e da biodiversidade brasileira.

Você tem essa visão de regeneração das cidades por meio do reflorestamento. Você acha que é possível fazer isso em São Paulo?

Eu acho que, se for possível em São Paulo, será possível em qualquer cidade do planeta. São Paulo é o lugar mais estratégico, porque é o centro nervoso, o centro de decisão de tudo o que acontece no país, que tem o ativo verde mais poderoso do planeta. Por isso é importante que aconteça em São Paulo. Apesar de ter muitas pessoas defenderem os carros, os prédios de concreto, eu estou brigando para fechar as ruas, para transformá-las em florestas.
Nós vamos mostrar a todo mundo que isso é um fator de progresso, de felicidade e de dinheiro. Esse é o nosso grande desafio. Se eu conseguir fazer isso, a cidade de São Paulo jamais será a mesma. Vamos usar esse projeto para inspirar outras cidades no mundo inteiro.

E como vai ser o AYA Hub? Você tem perspectiva de captar 10 bilhões de dólares de investimento por ano. Como é esse projeto?

O Matarazzo tem como função inspirar, ajudar as pessoas a entender que colaborar com a natureza é gerador de valor. O AYA trabalha em cima de um grupo menor, de CEOs das empresas, e eles têm as ferramentas para trazer as empresas para um ciclo de regeneração. Reduzir o impacto de carbono, incluir mais pessoas, atuar em todas as áreas do ESG.

O AYA contribui de quatro maneiras. A primeira é ajudar a trazer o dinheiro para as empresas. E falo de volumes altos, de até US$ 10 bilhões. Podemos ajudar a trazer tecnologias, organizar um encontro com os provedores de tecnologias do mundo todo para atuar em vários temas, seja de transporte, agro, economia circular, tratamento do lixo, produção industrial. Também podemos trazer especialistas que vão ajudar na tomada de decisão. Seja um advogado que entende como negociar uma fazenda solar, como se beneficiar dos benefícios tributários, ou especialistas em financiamento, tecnologia, legislação, estratégia. Colocamos uma rede mundial de especialistas à disposição das empresas. Também podemos contribuir na busca de certificações, que são essenciais para se beneficiar dos financiamentos.

O AYA faz tudo isso. Temos clientes gigantes no Brasil. Desde empresas mais antigas, como Petrobras ou Vale, que entendem a necessidade de seguir nesse caminho, a empresas de qualquer porte. Também ajudamos o governo a pensar como criar um ambiente para aproveitar essa oportunidade da mudança verde no planeta. Para o governo, nós pensamos em centenas de bilhões de dólares, para as grandes empresas, em dezenas de bilhões de dólares e para as empresas pequenas, em milhões de dólares. Já temos 70 parceiros e agora estamos atuando ao lado das instituições do Brasil. É totalmente inimaginável o que está acontecendo nesse país. A economia verde vai acontecer. O Brasil está open for green business.

Inclusive o governo lançou recentemente, em Nova York, captação de recursos para investimentos verdes.

Eu estava lá com eles, estamos muito envolvidos com isso. O AYA organizou uma força tarefa de empreendedores, organizações empresariais governamentais, com 11 ministérios, e também das forças da sociedade civil, em cima dos grandes eixos da transição ecológica do Brasil. Foi um sucesso. Eu estou muito feliz, tudo está acontecendo numa velocidade incrível.

O AYA vai ser uma certificadora?

O que nós estamos fazendo é ajudar a criar um ecossistema. A certificação é fundamental para trazer os financiamentos para os investimentos e reduzir o impacto de carbono. Mas a certificação é sempre um grande desafio. Esse vai ser o meu grande foco. Hoje existe tecnologia para baixar o impacto de carbono a uma velocidade inacreditável. Imaginava-se que iria demorar muito tempo, mas a velocidade do desenvolvimento dessas tecnologias é maior do que a do mundo digital.

Tem muita gente de altíssima qualidade atuando para fazer as coisas acontecerem e muito dinheiro disponível. Mas tem também um gargalo burocrático, no mundo todo, burocratas que demoram três anos para dar um selo. Estou falando de países como Alemanha, França, Estados Unidos, os grandes governos do G20. Eles têm que reconhecer o selo verde do Brasil e de outros países do Sul. O Brasil precisa ter uma liderança nesse assunto e as coisas precisam mudar porque senão todo esse trabalho da COP, da Climate Week, vai virar apenas uma coisa de idealista. Na realidade, tem um monte de gente do Norte que não gosta da ideia de ver o Brasil virar a “China do verde”.

E você, acha que o Brasil está pronto para isso?

Eu acho que o Brasil está pronto há 500 anos. Só os portugueses que jamais entenderam isso. Tem que voltar para a sabedoria ancestral, falar um pouco com os povos indígenas. Eles sabem há milhares de anos que o Brasil tem como missão cuidar da natureza e mostrar o caminho certo para a humanidade. Meio ambiente significa colaborar com o natural. Temos um legado de extrativismo que, infelizmente, é a base da economia brasileira há 500 anos. Até o nome do Brasil, que vem de uma árvore que era cortada, não preservada, mostra a visão de extração total.

Essa cultura tem que mudar, e o Matarazzo é um meio maravilhoso para mostrar que o caminho da preservação também é gerador de valor, gerador de riqueza. Eu comprei um lugar que ninguém queria, estava abandonado havia 20 anos, por causa dessa cultura extrativista. E transformei no lugar mais valioso e mais reconhecido do Brasil no mundo.

E como que você teve essa visão? Você podia escolher qualquer outro lugar, por que você escolheu o Brasil para os seus negócios?

Não poderia escolher outro lugar. O Brasil é o único país que tem esse potencial.

Você já veio para o país com essa ideia de atuar na economia verde?

Sim. Esse projeto foi desenhado em 2012. O meu objetivo era escolher um lugar para criar uma catedral de transição ecológica, para inspirar esse povo extrativista e mostrar que o caminho certo do futuro do Brasil é esse. Isso vai acontecer. Eu estava falando sozinho no meio do deserto, ou no meio da floresta, há anos. Mas hoje todo mundo concorda.

Esse evento da Climate Week, em Nova York, foi realmente uma metamorfose. O ministro Haddad (ministro da Fazenda, Fernando Haddad), estava lá num palco em frente aos maiores investidores do planeta, talvez uns 40 trilhões de dólares na sala. E ele falou com muito coração dessa economia da preservação, com orgulho, com autoestima. Na saída falei com alguns deles: todo mundo saiu encantado. É a primeira vez, depois de muitos anos, que eu vi as pessoas mais poderosas, mais inteligentes do mundo, saindo da sala falando: uau, agora é o momento do Brasil.

Então foi boa a receptividade?

Não poderia ser melhor.

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