Venture Capital

Americanos quebram monopólio da B3 e Brasil terá nova Bolsa

Se as perspectivas de um ano muito aquecido no mercado de renda variável já eram altas, o que dizer se o Brasil contar em breve com mais uma bolsa de valores? No dia 23 de dezembro, às vésperas do Natal, um acordo deu o ponto final em uma longa disputa que promete dar um fim ao monopólio da B3 no mercado brasileiro.

Após uma longa disputa arbitral, que surgiu após abertura de processo no Cade, foi dado o aval para a entrada no mercado da ATS, controlada pelo grupo americano Americas Trading Group (ATG). A novidade chegou ao mercado sem muito alarde, no embalo da virada do ano.

A publicidade pouco interessa à B3, que vem sendo pressionada por IPOs de empresas brasileiras realizados em Nova York recentemente. E a nova concorrente, por sua vez, prefere se movimentar fora do radar por enquanto para não acirrar os ânimos.

DESCONCENTRAÇÃO

O desfecho da arbitragem traz à tona um cenário completamente novo para a B3, que ganhou esse nome por abocanhar as antigas concorrentes BM&F e Cetip, e desde então passou a reinar absoluta no país. Já o namoro da ATG com o Brasil é antigo. E o desejo de montar uma bolsa por aqui acabou virando uma longa novela.

O primeiro capítulo aconteceu há cerca de seis anos. Na época, a empresa tentou negociar com a B3 o uso de dados e sistemas necessários para atuar como Bolsa. Não conseguiu e teve os planos frustrados.

“A Bolsa impôs fortes barreiras de entrada financeiras e tecnológicas. Por isso, a ATG entrou no Cade com questionamentos concorrenciais que antecederam a arbitragem”, lembra Thiago Brito, sócio do escritório Sampaio Ferraz Advogados, contratado na ocasião para prestar o serviço perante o órgão antitruste. Ele prossegue:

“O importante é que toda a caminhada feita pela ATG abre espaço para que, a partir de agora, qualquer outra bolsa possa entrar no país”

Por percorrer toda essa jornada, que começou no Cade e evoluiu para arbitragem na Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), o fim do processo arbitral foi comemorado pela nova concorrente da B3.

“O ATG tem imensa satisfação em contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais do país. Os resultados obtidos pela empresa até o momento são um importante legado”, afirma Francisco Gurgel, executivo do Grupo, após o encerramento da disputa.

Ainda não está claro, porém, em que fatias do mercado a nova bolsa irá operar. A própria ATS não fala sobre o assunto. Procurada pelo Experience Club, a empresa limitou-se a dizer que, no momento, está envolvida em questões tecnológicas e que ainda há muitas etapas legais e regulamentares a serem cumpridas até que a operação comece a rodar efetivamente.

No entanto, nos bastidores, a aposta entre operadores e especialistas do mercado é que, ao menos de início, a companhia não entrará na cobiçada área de aberturas de capital.

Em vez de listar diretamente empresas e realizar IPOs, a primeira opção da ATS deve ser a montagem de uma plataforma de negociação de ações e outros papéis.

Outra possibilidade, de acordo com participantes do mercado, envolveria a montagem, no futuro, de uma clearing, espécie de câmara de compensação que realiza, entre outros, serviços de registro e liquidação de ativos.

MOMENTO OPORTUNO

Seja lá qual for o filão de negócio escolhido para estrear no Brasil, a chegada de uma nova bolsa é vista com bons olhos pelo mercado. Principalmente num momento de queda de taxas de juros e, como consequência natural, maior busca por rentabilidade e ativos de Renda Variável. “Se já fazia sentido ter uma nova bolsa, agora faz ainda mais”, acredita Clauber Marcelo Gomes, assessor de investimentos da Farol Capital.

“A expectativa é que preços caiam e a competição melhore os serviços num mercado que cresce de forma exponencial”, projeta. Gomes refere-se à forte expansão de pequenos investidores registrada recentemente.

Hoje há 1,6 milhão de pessoas físicas operando na bolsa, o que representa praticamente o dobro do que existia no final de 2018.

Embora acreditem ser positiva a chegada de uma nova participante no que diz respeito à concorrência, outros analistas ponderam que não é isso, por si só, que vai contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais local.

“A bolsa brasileira é hoje muito pequena e concentrada em número de empresas abertas e investidores. Pode faltar liquidez para duas bolsas”, observa Rafael Panonko, chefe de análise da Toro Investimentos.

Um tanto mais otimista Luiz Guilherme Dias, CEO da Sabe Invest, aposta no enorme espaço que há para atrair novos CPF à bolsa. “Com todo crescimento que houve nos últimos tempos, apenas 1% da população aplica em Renda Variável. Em países emergentes, com características semelhantes às nossas, esse patamar atinge 5%. Um mercado só se desenvolve com mais empresas e investidores. Nesse contexto e momento, a concorrência também é bem-vinda.”  

Além de novas rodadas de redução de custos e taxas – algo que a B3 já promoveu nos últimos dias do ano passado –, também são aguardados outros movimentos para se posicionar diante da concorrente.

“Nesse processo de defesa natural, é possível que a B3 se coloque não mais como única bolsa, mas como a maior. Nesse sentido, a bolsa pode estabelecer barreiras de entrada, como o fomento à listagem de empresas de menor porte, no segmento Bovespa Mais”, exemplifica Eduardo Guimarães, especialista em ações da Levante.

O QUE DIZ A B3

Questionada sobre quais estratégias prepara para enfrentar a rival, a B3 reconhece que, daqui para frente, a competição pelo mercado será crescente e acirrada, e diz estar pronta. 

“Não podemos e não iremos deitar em berço esplêndido ou nos acomodar. Esse é o nosso maior desafio: o que vai garantir que a B3 seja a primeira escolha dos clientes em qualquer que seja o cenário de concorrência é a nossa capacidade de endereçar as demandas dos nossos clientes”, diz a Bolsa em nota enviada a pedido do Experience Club.

Nesse sentido, prossegue a B3, além da nova tarifação e lançamento de produtos também será decisivo o trabalho constante junto aos reguladores “para tornar o processo de abertura de capital cada vez mais acessível e atraente às companhias”.

Do ponto de vista regulatório, o ambiente para que novos concorrentes operem está preparado.

Questionada, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado, diz que uma instrução específica – de número 461 -, trata do tema. A autarquia federal ressalta, porém, que, no momento, debate possíveis aperfeiçoamentos.

Isso não significa, entretanto, que a B3 deva ganhar novas concorrentes de imediato. “Qualquer futuro possível concorrente tem de estar preparado para entender que o Brasil tem um mercado d
e capitais regulado e muito volátil. A entrada e a adaptação não são simples e podem, inclusive, ser um desestímulo”, alerta
Kieran McManus, sócio da PwC Brasil.

Mesmo concordando que o caminho trilhado pela ATS para atuar como bolsa no país foi longo e espinhoso, Patrícia Agra, advogada especialista em concorrência do escritório L.O Baptista, enxerga sinais positivos para futuras novas concorrentes.

“O Cade mostrou que não será uma barreira de entrada para novos negócios nessa área e que está interessado no desenvolvimento desse mercado através da competição. Hoje ela simplesmente não existe. Tenho convicção de que há empresas de olho nesse setor e que podem ter interesse em operar no Brasil a partir de agora.”

Texto: Luciano Feltrin

Imagem: FreePiks

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