Futuro

Amy Webb: temos um superciclo tecnológico concentrando muito poder nas mãos de poucos

Denize Bacoccina

A palestra da futurista Amy Webb é, sem dúvida, a mais aguardada de todo o South by Southwest. Todos os anos, a CEO do Future Today Institute, especialista em strategic foresight (previsão estratégica), atrai tanto interesse pelo seu Emerging Tech Trend Report que uma longa fila começa a se formar pelo menos duas horas antes da palestra. Neste sábado, ela agradeceu o interesse dos brasileiros e brincou com a fama de que não gostamos de acordar cedo. Foi o único riso que se ouviu na sala. Nos 60 minutos seguintes, Amy apresentou um cenário que pode ser visto como catastrófico, mas serve como alerta para decisões que precisam ser tomadas para lidar com as mudanças que, segundo ela, estão vindo e vão mudar a maneira como vivemos.

O cenário previsto por Amy é de um superciclo tecnológico nos próximos anos, onde o poder está concentrado nas mãos de poucas pessoas – os que controlam as Big Techs. A combinação da Inteligência Artificial, ecossistemas conectados de coisas e a biotecnologia pode criar um novo mundo, em que os atuais problemas da Inteligência Artificial não são corrigidos, porque não existe uma governança em benefício da sociedade, mas uma exacerbação dos problemas atuais.

Como exemplo, ela mostrou imagens pedidas para diversas ferramentas de IA generativa, que mostravam apenas homens brancos como CEOs, mesmo após várias tentativas. Ou seja, vieses que se solidificam e reafirmam estereótipos e preconceitos.

Segundo ela, pode piorar. “Os incentivos são para rapidez e escala, não para mudar os fundamentos”, afirmou. Teremos que escolher entre dois modelos: uma IA regulada, mais segura, ou uma IA open-source, sem proprietários, mas também sem que ninguém assuma as responsabilidades sobre as consequências dessa liberalização. Ela citou um caso em que uma inteligência artificial manipulou ações com inside information e, ao ser descoberta, mentiu. Se fosse uma pessoa, seria presa, porque trata-se de um crime. Como quem fez foi uma máquina, não há possibilidade de punição. “Não temos uma cadeia de responsabilidades.”

O desenvolvimento de novos equipamentos e produtos com poder de capturar nossos dados, os connectables – especialmente o que ela chamou de computadores de rosto, como o Apple Vision Pro – vai criar um volume enorme de dados não apenas sobre o nosso comportamento, mas capazes de “ler” o nosso pensamento por meio do movimento ocular – capaz de indicar emoções, como medo, excitação, antes mesmo que a pessoa faça alguma ação física. Ou seja, as máquinas sabem o que estamos sentindo e, pela Inteligência Artificial, podem tomar decisões a partir disso, fazendo com que as pessoas percam a capacidade de decidir por si próprias. Essa combinação de Inteligência Artificial com biotecnologia daria origem a uma Inteligência Organóide.

Amy Webb diz que é sim, um cenário catastrófico. “Sem supervisão, é o que eu vejo acontecendo”, afirmou. “O superciclo de tecnologia está concentrado nas mãos de poucas pessoas que controlam os recursos tecnológicos.”

Nesses catastróficos imaginados podem surgir, por exemplo, um evento criado totalmente de forma artificial, com notícias, declarações e até mesmo vídeos falsos, o que poderia levar a uma resposta na vida real, iniciando uma guerra. Ou um cenário em que as tecnologias vestíveis, como os novos óculos da
Apple, levariam a uma customização tão grande que os preços dos alimentos poderiam ser personalizados, obrigando as pessoas a assistir publicidade para ganhar descontos.

Ela também trouxe ações que podem ser tomadas para evitar esse cenário. Para o governo: liderar olhando para o futuro; criar um Departamento de Transição, criar programas de ajuda para profissionais e empresas que deixarão de existir; treinar as pessoas para as profissões necessárias. Para as empresas: desenhar um mapa de valor; criar cenários estratégicos; usar foresight estratégico.

Valorização da ciência

Whurley, cientista que foi diretor de tecnologia de várias empresas e fundador de outras tantas, como Strangeworks (atual), Chaotic Moon Studios, Honest Dolar, Ecliptic Capital e de organizações que advogam em defesa de modelos open source, fez uma palestra defendendo a importância da ciência e o seu uso no dia a dia das pessoas.

Whurley faz movimento em defesa da ciência

Ele lidera uma espécie de movimento, batizado de sci-curious (curiosos por ciência), e animou a plateia distribuindo camisetas com a frase. Para ilustrar a importância da tecnologia, ele começou jogando as camisetas com as mãos, depois atirando com uma espécie de estilingue e depois com uma bazuca caseira. Conseguiu engajar e entreter a plateia. E provavelmente fazer com que muitos refletissem sobre os ataques contra a ciência, nos Estados Unidos e em outros países.

SXSW: bem-vindos ao paraíso das ativações de marca

As palestras e painéis do SXSW se concentram no Austin Convention Center e nos diversos hotéis que ficam nos quarteirões vizinhos, em salas com ar-condicionado e cadeiras enfileiradas em formato de auditório.

Paramount Lounge no SXSW

Mas boa parte da inovação, da criatividade e da cultura pelo qual o festival é conhecido se dá nos bares, restaurantes e nas ruas da cidade. São as ativações de marca, eventos criados pelas empresas para atrair os visitantes oferecendo de música ao vivo e drinques gratuitos a brindes. São espaços de interação e troca de ideias em um cenário mais lúdico, verdadeiras aulas de marketing.

Área da Audible em Austin durante o SXSW

São inúmeras e com formatos variados. De uma roda gigante montada pela empresa de conteúdos em áudio Audible, a uma casa inteira como cenário de novas séries da Paramount, passando por uma casa com shows de música country para promover a cidade de Tulsa, em Oklahoma, que criou um hub de tecnologia e oferece US$ 10 mil para quem quiser se mudar para a cidade e trabalhar de forma remota.

Casa de São Paulo em Austin durante o SXSW

A Casa São Paulo, organizada pelo governo do Estado, por meio da Investe SP, tem uma intensa programação de debates, shows de artistas brasileiros e degustações de café. Numa esquina bem em frente ao centro de convenções de Austin, a casa foi envelopada com uma pintura do artista brasileiro Kobra.

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