ESG

Chief Enabling Officer é o novo papel do CEO

Gustavo Werneck, CEO da Gerdau

Por Françoise Terzian

Tatuado, de jaqueta de couro, tênis e adepto das artes marciais. Esse é o perfil do atual CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, 50 anos, líder da maior produtora de aço do Brasil há cerca de seis anos. Um perfil improvável para um setor que costuma ser mais associado a um comportamento mais sisudo. Formado em Engenharia Mecânica, o executivo é responsável pela maior receita líquida da Gerdau em 122 anos de história, R$ 82,4 bilhões, em 2022. “A Gerdau vive seu melhor momento”, afirma. Apesar disso, ele diz que a inovação é o motor da empresa. “Embora sejamos uma empresa tradicional, da área industrial, no dia a dia a gente opera como uma startup.”

Há quase 20 anos na empresa, Werneck já foi o CIO global da Gerdau e o diretor de operações da siderúrgica na Índia. Logo que assumiu o comando da companhia decidiu transferir a sede de Porto Alegre para São Paulo. O ESG tem um destaque especial em sua gestão. “Desde o fim da pandemia tenho visto muitas empresas e a sociedade de forma geral tirando um pouco esse tema da pauta”, lamenta.

De olho no ‘S’ do ESG, Werneck fez recentemente uma viagem ao Butão, com o objetivo de tentar resolver um dilema de liderança. Preocupado com o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores, ele fez uma imersão no FIB (Felicidade Interna Bruta), indicador desenvolvido naquele país que mede a felicidade e o bem-estar dos seus habitantes, ampliando o conceito de desenvolvimento econômico do PIB (Produto Interno Bruto). “Tive a felicidade de conversar com o ex-primeiro-ministro do Butão, Tshering Tobgay, e o convidei para vir ao Brasil traduzir esse conceito de felicidade para nossa empresa.”

Nessa entrevista concedida à [EXP] pouco antes de sua palestra no Fórum CEO Brasil 2023, onde falou sobre seu estilo de liderança (veja aqui a íntegra da palestra) Gustavo Werneck revela que se vê como um “Chief Enabling Officer”, uma ressignificação do papel do CEO. “Já de largada é preciso ter um ego absolutamente baixo, para que você possa empoderar as pessoas que trabalham contigo”.

[EXP] Como foi esse processo de transição de CIO para CEO?

[Gustavo Werneck] – Eu estava morando na Índia, como CEO da operação indiana, quando me convidaram pra regressar ao Brasil para essa posição de CIO global. Na ocasião, a gente estava no começo da transformação digital. Para mim, foi uma grande oportunidade de fazer uma transformação profunda na nossa área de TI tradicional, que era pouco focada no cliente e tinha suas ineficiências. Fizemos uma grande mudança, preparando a empresa para usufruir de todo o benefício que a transformação digital trará ao longo do tempo.

Você assumiu como CEO há seis anos. De lá pra cá, que tipo de ajuste promoveu?

Essa gestão visa preparar o balanço da empresa para os próximos 100 anos. Recentemente, a Gerdau completou 122 anos de história. Pouquíssimas empresas sobrevivem tantos anos no Brasil. Depois de desalavancar a empresa, a gente vem fazendo uma profunda transformação cultural de liderança para que, de fato, a Gerdau esteja muito bem preparada para enfrentar os desafios que virão pela frente. A transformação digital, conectando com a pergunta da TI, está aí. Afinal, uma empresa da característica industrial como a nossa acumula, ao longo dos anos, ineficiências. Algumas delas não somem com as metodologias tradicionais de gestão. Estamos nos transformando numa empresa data driven, onde todas as decisões de negócios precisam ser tomadas usando dados. Embora sejamos uma empresa tradicional, da área industrial, no dia a dia a gente opera como uma startup.

Que desafios se impõem diante dessa mudança?

O grande desafio dos últimos três anos foi encontrar engenheiros, analistas e cientistas de dados. É um profissional difícil de encontrar e, quando conseguimos, logo uma empresa faz uma proposta para levá-lo. Diante dessa dificuldade, resolvemos montar nossa escola de formação de cientistas de dados. Selecionamos pessoas com aptidão para estatística e matemática e elas passam por um programa interno de formação de dois anos. Com isso, conseguimos ter cientistas e analistas de dados espalhados por toda a organização. Esses profissionais não ficam em TI, mas nas áreas de negócios, porque eles precisam usar os dados para tomar decisões de negócio.

Quantos profissionais já se formaram nessa escola?

Pelo menos uns 300.

Quais vantagens competitivas a tecnologia traz para a Gerdau?

Olha, eu sempre começo respondendo essa pergunta num viés mais humanizado, porque para nós não existe nada mais importante do que as pessoas. Infelizmente, a gente mora em um país onde anualmente existem 600 mil acidentes de trabalho. Todos os anos, no nosso país, 2,5 mil pessoas morrem em um acidente de trabalho. Isso significa que, a cada três horas, uma família brasileira recebe uma ligação dizendo que o pai ou a mãe não retornará porque perdeu sua vida. Para nós, é muito importante cuidar disso. Com a utilização mais intensa de dados, temos tomado decisões no dia a dia que impedem a ocorrência de acidentes. Pegamos dados de testes de saúde, testes de prontidão preenchidos no sistema a cada turno de trabalho e, com algoritmos e preditivos, conseguimos estabelecer previamente onde existe uma maior probabilidade de acontecer um acidente de trabalho. E a gente atua para que ele não aconteça. Isso trouxe a Gerdau para um nível de acidentalidade muito baixo.

Interessante ver como a tecnologia possibilitou isso.

Sem dúvida. Um exemplo bem prático é a nossa usina na cidade de Ouro Branco (MG), a primeira grande empresa brasileira a implantar um full 5G. Com a tecnologia, temos muito mais velocidade para transmitir imagens. Hoje, por exemplo, se a gente detecta em algum momento que tem dois veículos transitando e que existe um risco de acidente, paramos o veículo sem a decisão do operador. Se a gente identifica alguém na área sem capacete, imediatamente paramos o equipamento, porque aquilo pode se traduzir em um acidente de trabalho. Isso está levando nosso algoritmo a outro patamar na tomada de decisão.

Como está a questão do ESG hoje na Gerdau?

O pós-pandemia trouxe uma perda de tração do tema ESG. Antes da pandemia, todo mundo falava, todo mundo implantava planos e agora tem sido diferente. Tenho visto muitas empresas e a sociedade de forma geral tirando um pouco esse tema da pauta. A Gerdau é hoje referência na produção de aço com baixa emissão de CO2. Temos planos futuros para que a gente possa descarbonizar completamente o setor. Ao mesmo tempo, trago uma preocupação de curto prazo, especialmente para nós no Brasil, que é a urgência de resolvermos temas diretamente relacionados à letra S. O Brasil tem 27 milhões de famílias sem um teto adequado, sem saneamento, sem água potável. Como é que podemos resolver questões urgentes através do ESG, através de uma governança mais estruturada, através de parcerias, através de um foco muito maior no ser humano?

Essa demanda está na sua mesa?

Há alguns anos, comecei a conversar sobre uma ressignificação da sigla CEO. Ao invés do tradicional Chief Executive Officer, eu traduzo para Chief Enabling Officer. Um enabler tem a função de ser um grande facilitador dessa transformação. Ele exige, já de largada, que você tenha um ego absolutamente baixo, que você possa empoderar as pessoas que trabalham contigo. Tenho uma equipe de 18 pessoas melhores do que eu, mais bem preparadas nas áreas em que atuam. Ao empoderar essas pessoas, o que sobra pra mim é um negócio muito relevante, uma variável chamada tempo. A pessoa se torna líder quando ela para de tomar decisões e passa a fazer escolhas.

E de carona nessa ressignificação do termo CEO, você viajou ao Butão há três meses. O que foi buscar lá?

Essa viagem teve o objetivo de tentar resolver um dilema de liderança que eu tenho no sentido de entender por que as empresas não conseguem usufruir do máximo potencial criativo, de seu máximo potencial intelectual e também por que as pessoas não conseguem usufruir do máximo benefício que uma empresa pode proporcionar a elas. Eu me pergunto: quantas pessoas que trabalham comigo já pensaram em suicídio, quantas pessoas estão enfrentando problemas de depressão em casa? Temos que buscar um ambiente onde a gente possa criar condições para que as pessoas sejam felizes e evoluam.

Fui ao Butão porque é o país que mais conseguiu evoluir nos pensamentos em relação ao tema Felicidade Interna Bruta (FIB). Foi uma imersão. Tive a felicidade de conversar com o ex-primeiro-ministro Tshering Tobgay sobre sua gestão. Depois da viagem, eu o convidei para vir ao Brasil. Não só para trazer mais visibilidade para o tema nos locais onde eu passo, mas também para ele fazer um trabalho mais imersivo da tradução desse conceito de felicidade de estado para uma felicidade de business na nossa empresa.

No que se refere ao setor de aço, o mercado brasileiro teve um primeiro semestre difícil, com queda de demanda e pressão de custos. Já nos Estados Unidos, vocês se destacaram, foram muito bem. Como você avalia o mercado mundial de aço em 2023?

A vantagem de ser uma empresa longeva é que a gente entende que não precisa focar nos problemas do dia a dia. Imagina quantas crises a gente enfrentou ao longo de 122 anos? A gente olha para o curto prazo com um nível de preocupação muito menor do que outras empresas. Nossa decisão de ter boa parte da nossa operação nos Estados Unidos vem de um conhecimento adquirido ao longo do tempo. Percebemos que, quando o Brasil está com mais dificuldade, os Estados Unidos estão bem, e vice-versa. Esse ‘um pouco mais de dificuldade no Brasil hoje’ não nos tira o sono. Já nos Estados Unidos, há um nível de demanda de aço absolutamente alto, incentivado pelos programas do governo americano para infraestrutura, que encontra-se muito deteriorada. Vivemos um momento muito bom, talvez o melhor momento da nossa história na América do Norte. E como Gerdau também, o melhor momento da nossa história, não só do ponto de vista de indicadores financeiros, mas também o melhor momento para contribuir para a sociedade na solução de problemas urgentes.

Como é seu relacionamento com a família Gerdau?

O André Gerdau assumiu a presidência da Gerdau em 2006, sucedendo o doutor Jorge Gerdau. Ele ficou por dez anos na presidência. E o André chegou à conclusão de que toda sua contribuição para a construção do futuro da Gerdau seria muito mais relevante a partir de 2018 no conselho de administração do que no dia a dia. Essa série de transformações que estamos realizando são indispensáveis para criarmos uma empresa que possa viver bem pelos próximos 100 anos. Minha relação com o André é absolutamente frutífera e só cresce porque ele me dá absoluta autonomia e liberdade.

Assista à íntegra da palestra de Gustavo Werneck no Fórum CEO Brasil

Palestra de Gustavo Werneck no Fórum CEO Brasil 2023
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