Dólar a R$ 4 veio para ficar, precifica mercado
O dólar subiu, definitivamente, no telhado. Após registrar avanço de 8,5% em agosto – a maior alta em 4 anos -, a tendência, de acordo com analistas do mercado ouvidos pelo Experience Club, é que a moeda americana continue se valorizando e feche o ano na casa dos R$ 4.
A maior cotação da história foi registrada em 13 de setembro de 2018, quando fechou a R$ 4,196, após o primeiro turno das eleições. No entanto, esse recorde é apenas nominal, não considera a inflação. Caso se leve em consideração a correção inflacionária do período, o pico histórico do dólar aconteceu nas eleições de 2002. Em outubro daquele ano a divisa valia R$ 3,954, o que equivale a mais de R$ 10 atuais.
O Boletim Focus publicado ontem pelo Banco Central indica, com algum delay, a recente escalada do dólar. A média das previsões do mercado para a divisa, que era de R$ 3,75 há um mês, saltou para R$ 3,85.
Para especialistas, três fatores contribuem para levar esse movimento à frente. Dois já são amplamente conhecidos. No campo externo, a expectativa de novos e tensos capítulos na Guerra Comercial entre China e Estados Unidos.
Já no cenário interno estão no radar as turbulências causadas por declarações desencontradas do governo e a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, cuja reprovação subiu de 33% para 38%, segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem.
Para onde vai o BC?
Outro elemento que vem agitando o mercado nas últimas semanas, segundo especialistas em câmbio, é a atuação do Banco Central (BC). No último dia 27, por exemplo, quando o dólar chegou a flertar com a faixa dos R$ 4,20, o BC resolveu intervir de forma bem mais contundente que a habitual.
Na ocasião, além de fazer ofertas diárias da moeda – mecanismo conhecido no mercado como dólar spot – e de assegurar dólares no mercado futuro, a autoridade monetária brasileira entrou no mercado à vista sem aviso prévio. Foi a senha para que operadores colocassem a eficácia da estratégia em dúvida.
O fato é que, no episódio, a comunicação deixou ruídos sobre futuras intervenções e uma dúvida: o BC vai começar a vender reservas de forma sistemática?
Rafael Cardoso, economista da Daycoval Asset Management, concorda que a comunicação de fato precisa ser refininada, até para que os participantes do mercado entendam como pretende agir o BC em futuras situações de stress.
“A atuação no câmbio foi um indício de que o mindset do BC está mudando. Sugere uma alteração de perfil, de mais técnico para provavelmente mais operador”.
Com relação à possível venda de uma parte das reservas cambiais, que somam cerca de US$ 388 bilhões, outro especialista defende que isso deva ser feito de forma transparente
“É preciso deixar isso [venda de reservas] muito claro. O Banco Central tem sido muito tímido nesse sentido.” [autor]Sidnei Nehme, diretor da NGO Câmbio.[/autor]
Para ele, a alta do dólar tem um diagnóstico simples: falta moeda no mercado. “O fluxo cambial, hoje, é negativo na ordem de US$ 30 bilhões. Logo, a ação do BC deveria ser a de entrar sem inibição no mercado, de forma cirúrgica, para complementar esse montante”.
Há quem acredite, inclusive, que, com futuras intervenções, o BC deve romper, na prática mas não no discurso, o paradigma do câmbio flutuante.
“Ao que parece, esse Banco Central trabalha com uma regra não escrita nem declarada ao mercado de deixar o real se depreciar deliberadamente para favorecer exportadores. Não deixa de ser uma contradição para um governo liberal, que diz ser contra intervir de alguma forma”, destaca Antonio Côrrea de Lacerda, professor da PUC-SP e sócio da AC Lacerda Consultores.
O Boletim Focus publicado ontem começa a apontar o que executivos do mercado exportador já vinham precificando previamente. Em entrevista ao Experience Club em 22 de agosto, durante o CFO 2030, o Diretor de Tesouraria Global da BRF, Fabio Luis Mariano, comentou sobre a moeda americana (assista à entrevista aqui).
“A maioria dos economistas indica o dólar entre R$ 3,70 e R$ 3,80, mas eu sou um pouco cético. Acho que esse cenário internacional trará turbulências no câmbio brasileiro e – por que não, talvez? –nesse impulso econômico”, avaliou Mariano, sem considerar necessariamente positiva a flutuação cambial para a economia interna. “Acho que [o cenário] pode, sim, retardar essa tendência positiva [de recuperação]”.
Texto: Luciano Feltrin
Imagem: Unsplash
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