Fundador do Banco da Maré agora aposta em NFTs para reflorestar Amazônia
Primeira fase do projeto visa captar R$ 20 milhões em 2022 para recuperar áreas degradadas vinculando tokens a árvores. Cofundadora da Rico vai presidir conselho da startup, batizada BVM12
Há cerca de seis anos, o analista de sistemas Alexander Albuquerque largou uma bem-sucedida carreira como gerente de projetos em uma empresa de tecnologia para criar o Banco Maré, no Rio de Janeiro, que se tornaria uma fintech de impacto social referência no Brasil.
A mudança se deu depois de um visita à comunidade da Zona Norte da capital, que tinha inicialmente outro objetivo. Era 2016 e o carioca, que está completando 40 anos, pretendia montar um projeto de formação profissional para jovens no Complexo da Maré.
Ao chegar lá, no entanto, percebeu que os cerca de 200 mil moradores estavam excluídos dos serviços bancários. Não havia na comunidade nenhuma agência, de nenhum banco. Decidiu, então, reunir alguns amigos e investidores para criar uma moeda virtual local, para incentivar a circulação de dinheiro dentro do complexo, e um banco digital com foco social, visando atender clientes de baixa renda.
Deu muito certo, até que o sistema bancário começou a viver uma revolução, com o surgimento de uma série de bancos digitais ofertando serviços sem os custos tradicionais. Surgiram concorrentes de peso como Nubank, Neon, Mercado Pago e Pague Seguro. “O uso de carteiras digitais se popularizou e o Banco Maré teve que se reinventar”, conta Albuquerque.
A reinvenção aconteceu em plena pandemia. Em 2020, a MasterCard entrou como investidora e o Banco Maré ajustou seu foco para microempreendedores (MEI), que formalizaram pequenos negócios para sobreviver em meio ao desemprego e as restrições da quarentena. A GVP.Digital chegou como parceira para incluir o serviço de emissão de boletos no app. Por fim, o crédito para pequenos negócios entrou no portifólio, com taxas de juros menores que as do sistema bancário tradicional.
A estratégia ajudou o Maré a surfar sem sobressaltos na pandemia. A plataforma atingiu a carteira de 87 mil usuários cadastrados. A maioria dos clientes dona de um CNPJ em comunidades na periferia do Rio e outras cidades no país. “Hoje, o banco está mais focado no mercado de crédito para PJ, principalmente de regiões periféricas. Está se especializando nessa área e não mais em carteira digital, embora ainda tenha a sua”, diz.
NFT na Amazônia
Mais recentemente, porém, foco de atenção de Albuquerque tem sido Manaus. O mesmo olhar para a periferia do capitalismo que o levou a montar o Banco Maré o fez criar, na capital amazonense, a Bolsa Verde de Manaus (BVM12).
Na primeira fase, em 2022, a iniciativa pretende captar R$ 20 milhões de investidores para três projetos de reflorestamento por meio de NFTs lastreadas no replantio de árvores em áreas degradadas na Região Amazônica.
A região concentra 60% da área degradada apenas por pasto bovino no país, onde 22,1 milhões de hectares estão severamente prejudicados pela pecuária, conforme estudo do MapBiomas divulgado no ano passado.
O objetivo do projeto da BVM12 é desenvolver um token criptográfico para cada árvore plantada. Cada planta se tornará, assim, um ativo digital único. Após um período de cinco anos, o proprietário do NFT receberá dividendos com base no crédito de carbono comercializado após o reflorestamento.
O projeto já atraiu uma executiva de peso: Mônica Saccarelli, empreendedora em série, cofundadora da Rico Investimentos e da startup de educação financeira Grão. Ela vai presidir o conselho da BVM12, cujo papel será montar o plano estratégico do projeto e as bases de ESG que irão nortear o escopo da NTF.
Faria Lima longe da realidade
A BVM12 foi criada em 2020, originalmente, como Bolsa de Valores da Maré para impulsionar a captação de recursos no mercado por startups. O grupo percebeu, contudo, que nesse mercado sobravam iniciativas similares. “Em determinado momento, vimos que tínhamos outras possibilidades”, conta. “Eu conheci Manaus e vi uma outra possibilidade. Manaus é muito rica, as pessoas desconhecem os potenciais econômicos de Manaus e da Região Amazônia. A gente viu que tinha muita gente falando de ESG e crédito de carbono”, diz.
O ajuste no direcionamento da BVM12 passou pela percepção de que o mercado está distante da realidade. “Tem outras startups que falam do problema [ambiental], mas estão na Faria Lima. Nada contra, adoro São Paulo mais que o Rio, embora eu seja carioca. Mas quando eu fui para a Maré, eu fui para a Maré. Fui lá entender o problema das pessoas, fiquei lá dentro, convivi com elas e as ouvi. Acho que existe um distanciamento entre aonde de fato existe o problema e quem quer resolver. Se você olhar a Região Amazônica e dizer ‘eu acho que, eu penso que’, você nunca será assertivo. Se você está na região vendo as dificuldades e oportunidades, é diferente”, afirma.
Albuquerque diz não acreditar em soluções à distância. “Eu vi muitos projetos em tecnologia de grandes empresas que não foram para frente porque acham que é botar um time dentro de um escritório com ar-condicionado, fazer um design thinking e amanhã já tem solução. Não é assim. Acho que a BVM12 tomou a decisão certa de estar na região onde ela quer atuar e, aí sim, com o tempo, terá outros clientes – principalmente da indústria – para a captura de crédito de carbono”, diz.
Estar na Amazônia, segundo ele, facilita o diálogo com proprietários de terras em busca de parcerias para o reflorestamento. “Na Faria Lima alguém vai chegar e dizer que tem 47 mil hectares em Roraima para fazer plantio e que quer fazer negócio? O máximo que você vai ouvir é um cara dizer que tem um apartamento na Rua Augusta e perguntar se você quer negociar. A proximidade é essencial quando você quer resolver um problema”, afirma.
Primeiros projetos
O executivo defende a região como polo natural para discutir projetos de sustentabilidade. “Onde mais se deve falar sobre o verde é a Região Amazônica, até porque não tem uma região mais verde [no país]. Então, decidimos mudar a razão social e o domicílio da BVM12.”
A mudança foi acompanhada pelo fechamento de um contrato de captação com a startup Meu Pé de Árvore, especializada em reflorestamento, e com a Ecoporé, organização atuante na preservação da floresta há quase 35 anos.
“Vamos fazer a captação via NFT, vendendo token para repassar o dinheiro para a Meu Pé de Árvore fazer o replantio. A Ecoporé vai certificar que aquela árvore foi realmente plantada, registraremos isso no blockchain do token. A pessoa que comprar o token terá a garantia de que, daqui cinco anos, no mínimo, começa a receber um recurso pela emissão de crédito de carbono desse plantio”, diz.
Outros dois projetos de R$ 10 milhões e R$ 5 milhões estão em desenvolvimento. A ideia é colocar todos na praça no segundo semestre para receber repasses de fundos de investimentos.
De acordo com Albuquerque, o interesse de fundos venture capital, building e de impacto tem surpreendido. “O que tem de investidor nos procurando voluntariamente é impressionante. Coisa que era muito difícil na época [de lançamento] do banco digital do Maré. Eu tenho até medo na hora de escolher.”
Para agilizar a seleção de parceiros, a escolha de investidores passará pela criação de filtros com base em critérios de ESG, delineados por Saccarelli no comando do conselho da BVM12. “A Mônica já é uma empreendedora em série e vai direcionar a estratégia de planejamento. A ideia é ter outras pessoas experientes para orientar tanto a parte jurídica quanto a tecnológica e a de negócios. Pretendemos trazer alguém para a questão ambiental-social, alguém forte nessa bandeira, para nos assessorar”, afirma.
O escritório de advocacia Vila Rezende foi escolhido para fazer a checagem da regularização fundiária das terras onde ocorrerá o reflorestamento. “O investidor vai comprar o token e ter a garantia de que aquela terra [reflorestada] está legal”, diz.
Projeto social
A razão social que levou Alexander Albuquerque ao Complexo da Maré em 2016, a educação profissionalizante de jovens carentes, permanece como uma das motivações do executivo.
Ele está elaborando um projeto com nomes de peso da tecnologia para criar uma rede de profissionalização na área de desenvolvimento de software e programação, cuja atuação será nas periferias de grandes cidades no Brasil e outros países. “Acredito muito na transformação através da educação profissionalizando. Acho que todo mundo deveria ter pelo menos o conceito de programação.”
Entre os parceiros estão: Lídio Ramalho, chefe de engenharia da Amazon para América Latina; Miro Lima, responsável pelo desenvolvimento de negócios e parcerias de produtos no Facebook e Instagram; e Maer Melo, engenheiro de segurança do Twitter. “Esses grandes desenvolvedores vão engajar outros, que vão engajar outros.”
A ideia é tirar o projeto do papel em 2023. “Temos o planejamento para isso. Estamos na formulação desse projeto, a plataforma ainda está rodando de maneira embrionária. A gente acha que no segundo semestre vai estar a todo vapor. A meta é, em um ano, colocar cinco bases em regiões periféricas. Primeiro na Maré, depois Heliópolis (em São Paulo), Curitiba, Ilha de Deus (em Pernambuco) e Manaus”, afirma Albuquerque.
Fotos: Tarcisio Schnaider / Adobe Stock
Texto: Nivaldo Souza
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