Hooked (Engajado)
O passo a passo para a construção de produtos e serviços formadores de hábitos, capazes de motivar e influenciar o comportamento dos usuários, na visão de um dos maiores especialistas do mundo em psicologia do consumidor
Ideias centrais:
1 – Neurocientistas acreditam que hábitos nos dão a habilidade de concentrar nossa atenção em outras coisas armazenando respostas automáticas nos gânglios basais, uma área do cérebro associada a ações involuntárias.
2 – Recompensas do ego são um componente determinante nos videogames, pois os jogadores buscam dominar as habilidades necessárias para alcançar seu objetivo. Passar para outro nível, desbloquear poderes especiais satisfazem o desejo do jogador por competência, mediante a progressão.
3 – Muitas empresas estão convencidas de que produzem campanhas publicitárias que os usuários vão adorar. Esperam que seus vídeos se tornem virais. Mas os chamados campos de distorção da realidade não evitam a pergunta crucial: “Eu realmente acharia isso útil?”
4 – Utilizando o Método do Gancho deste livro, o aplicativo Fitbod, com um único toque, cria o próximo exercício na academia, removendo o desconforto da incerteza, informando rapidamente quais exercícios fazer, em que ordem, quantas repetições fazer etc.
5 – A pergunta inicial para o Teste do Hábito é: “Quais são os usuários do produto?”. Quanto mais frequentemente o produto é usado, maior a chance do hábito. Se está desenvolvendo um aplicativo de rede social, como o Slack e o Instagram, você deve esperar que os usuários habituais visitem o serviço várias vezes por dia.
Sobre o autor:
Nir Eyal passou anos nos setores de videogames e publicidade, onde aprendeu e aplicou as técnicas descritas no Hooked para motivar e influenciar os usuários. Ele ministrou cursos de Psicologia Aplicada ao Consumidor na Stanford Graduate School of Business.
Introdução
Onde poderia encontrar esquemas para a formação de hábitos? Para minha decepção, não encontrei nenhum guia. Empresas especializadas em design de comportamento protegiam seus segredos e, embora tenha descoberto livros antigos e blogs relacionados ao tema, não havia um manual de instruções para criar produtos formadores de hábitos.
Comecei a documentar minhas observações de centenas de empresas para encontrar padrões em designs e funcionalidades da experiência do usuário. Embora todas as empresas tivessem um padrão único, procurei identificar os pontos em comum por trás dos vencedores e entender o que os perdedores não estavam percebendo.
No segundo semestre de 2012, o Dr. Baba Siv e eu projetamos e ministramos uma aula na Stanford Graduate School of Business sobre a ciência de influenciar o comportamento humano. No ano seguinte, fiz uma parceria com o Dr. Steph Habif para ministrar um curso semelhante no Hasso Plattner Institute of Design.
Esses anos de pesquisa dedicada e experiência no mundo real resultaram na criação do Modelo de Gancho (Hooked Model): um processo de quatro fases que as empresas usam para formar hábitos. As quatro fases ou passos fornecem a estrutura para os capítulos deste livro e são apresentados agora sucintamente.
Gatilho
Um gatilho é o acionador do comportamento – a vela de ignição no motor. Há dois tipos de gatilho: externos e internos. Produtos formadores de hábito começam alertando os usuários com gatilhos externos, como e-mails, links de sites web ou ícones de aplicativos em um celular.
Quando os usuários começam a sinalizar de modo automático seu próximo comportamento, o novo hábito torna-se parte da sua rotina diária. Com o tempo um usuário associa o Facebook à sua necessidade de conexão social. O Capítulo 2 explora os gatilhos externos e internos, respondendo à pergunta sobre como os designers de produtos determinam quais gatilhos são mais eficazes.
Ação
Depois do gatilho vem a ação: o comportamento feito em antecipação a uma recompensa. A simples ação de clicar na foto interessante em seu feed de notícias leva um usuário a um site chamado Pinterest, uma “ferramenta de marcação visual para armazenar e descobrir ideias criativas”.
Essa fase do gancho, como descrito no Capítulo 3, baseia-se na arte e ciência do design da usabilidade para revelar como os produtos direcionam ações específicas do usuário. As empresas alavancam duas engrenagens básicas do comportamento humano para aumentar a probabilidade de uma ação ocorrer: a facilidade de realizar uma ação e a motivação psicológica para fazê-la.
Recompensa variável
O que distingue o Modelo de Gancho de um ciclo de feedback básico e simples é a habilidade do gancho de criar um desejo. Ciclos de feedback estão em todos os lugares, mas os previsíveis não criam desejo. O fato de a luz da geladeira se acender ao abrir a porta não o leva a continuar a abri-la repetidamente. Mas adicione alguma variabilidade à mistura – suponha que uma diferente guloseima aparece magicamente na geladeira sempre que a abre – e, voilà, cria-se algo intrigante.
Recompensas variáveis são uma das ferramentas mais poderosas que as empresas implementam para fisgar usuários: o Capítulo 4 explica-as em mais detalhes. Pesquisas mostram que os níveis do neurotransmissor de dopamina aumentam quando o cérebro espera uma recompensa.
Investimento
A última fase do Modelo de Gancho é onde o usuário faz um pouco de trabalho. A fase de investimento aumenta as chances de que o usuário passe mais uma vez pelo ciclo do futuro.
O investimento ocorre quando o usuário agrega algo ao produto ou serviço como tempo, dados, esforço, capital social ou dinheiro.
Entretanto, a fase de investimento não é sobre os usuários abrirem suas carteiras e prosseguirem com seu dia a dia. Em vez disso, investimento implica uma ação que melhora o serviço para a próxima rodada. Convidar amigos, declarar preferências, construir coleções virtuais e aprender a usar novos recursos, tudo isso são investimentos que os usuários fazem para melhorar suas experiências. Esse engajamento pode ser aproveitado para tornar o gatilho mais envolvente, a ação mais fácil e a recompensa mais emocionante a cada passagem pelo Modelo de Gancho. O Capítulo 5 investiga como os investimentos incentivam os usuários a percorrer sucessivos ganchos.
Neste livro compilei as pesquisas mais relevantes, compartilhei ideias práticas e forneci uma estrutura funcional projetada para aumentar as chances de sucesso do empreendedor inovador.
Ganhos conectam o problema do usuário à solução de uma empresa com frequência suficiente para formar um hábito. Meu objetivo é fornecer uma compreensão mais profunda de como certos produtos mudam o que fazemos e, por extensão, quem somos.
Capítulo 1 – A zona do hábito
Hábitos são uma das maneiras como o cérebro aprende comportamentos complexos. Neurocientistas acreditam que hábitos nos dão a habilidade de concentrar nossa atenção em outras coisas armazenando respostas automáticas nos gânglios basais, uma área do cérebro associada a ações involuntárias.
Hábitos se formam quando o cérebro toma um atalho e para de deliberar ativamente sobre o que fazer a seguir. O cérebro aprende rapidamente a codificar comportamentos que fornecem uma solução para qualquer que seja a situação que ele encontra.
Por exemplo, roer unhas é um comportamento comum que ocorre com pouco ou nenhum pensamento consciente. Inicialmente, alguém pode começar a roer unha por uma razão – remover a pele feia em torno da unha, por exemplo. Mas quando o comportamento ocorre sem um propósito consciente – simplesmente como uma resposta automática a um estímulo – o hábito assume o controle.
A promoção de hábitos do consumidor é uma maneira eficaz de aumentar o valor de uma empresa, impulsionando o valor da vida útil do cliente (VVUC): quanto dinheiro um cliente gerou antes de ele mudar para um concorrente, parar de usar o produto ou morrer. Os hábitos do usuário aumentam o tempo e a frequência com que os clientes usam um produto, resultando em maior VVUC.
Alguns produtos têm um VVUC muito alto. Por exemplo, clientes de cartão de crédito tendem a permanecer leais por um período de tempo muito longo e merecem um bônus. Assim, empresas de cartão de crédito estão dispostas a investir muito dinheiro na aquisição de novos clientes. Isso explica por que você recebe tantas ofertas promocionais, para seduzi-lo a adicionar outro cartão ou atualizar o atual. Seu potencial VVUC justifica o investimento em marketing de uma empresa de cartão de crédito.
As empresas que conseguem construir um negócio de formação de hábitos são frequentemente associadas a inovações revolucionárias bem-sucedidas. Mas como qualquer disciplina, o design de hábitos tem regras e limitações que definem e explicam por que alguns produtos mudam vidas, enquanto outros não.
Por um lado, novos comportamentos têm uma meia-vida curta, já que nossas mentes tendem a reverter aos velhos modos de pensar e fazer. Experiências mostram que animais de laboratório habituados a novos comportamentos tendem a regressar aos seus comportamentos iniciais aprendidos ao longo do tempo. Para emprestar um termo da contabilidade, comportamentos são LIFO (last in, first out) – “último a entrar, primeiro a sair”. Em outras palavras, é provável que os hábitos que você adquiriu recentemente também sejam aqueles que tendem a desaparecer mais rápido.
Para que novos comportamentos realmente se concretizem, eles devem ocorrer com frequência. Em um estudo recente da University College London, os pesquisadores acompanharam os participantes à medida que eles tentavam formar o hábito de usar o fio dental.
Por que mais usuários do Google não mudaram para o Bing? Hábitos mantêm os usuários fiéis. Se um usuário conhece a interface do Google, a mudança para o Bing exige esforço cognitivo. Embora muitos aspectos do Bing sejam semelhantes aos do Google, mesmo uma pequena alteração no posicionamento de pixels força o pretenso novo usuário a aprender uma nova maneira de interagir com o site. Adaptar-se às diferenças na interface do Bing é o que realmente desacelera os usuários regulares do Google e faz o Bing parecer inferior, não a tecnologia em si.
Um hábito é quando não agir causa um pouco de desconforto. A sensação é semelhante a uma coceira, um sentimento que se manifesta dentro da mente até que seja satisfeito. Os produtos formadores de hábito que usamos estão simplesmente lá para fornecer algum tipo de alívio. Usar uma tecnologia ou produto para aliviar a sensação de coceira fornece uma satisfação mais rápida do que ignorá-la. Quando chegamos a depender de uma ferramenta, mudar para outra coisa dá trabalho.
Evitar a dor é um motivador-chave em todas as espécies. Quando sentimos desconforto, procuramos escapar da sensação desconfortável. No próximo capítulo, vamos explorar como as sensações negativas levam os usuários a buscar soluções. Por enquanto, o importante a lembrar é que os produtos formadores de hábitos criam associações nas mentes dos usuários – e que a solução para a dor deles pode ser encontrada no uso do seu produto.
Capítulo 2 – Gatilho
O Instagram é um exemplo de uma equipe empreendedora – conhecedora tanto da psicologia como da tecnologia que desencadeou um produto formador de hábitos nos usuários que posteriormente o tornaram parte de suas rotinas diárias.
Gatilhos externos. Tecnologias formadoras de hábito começam a mudar o comportamento primeiro indicando aos usuários uma chamada à ação. Esse estímulo sensorial é transmitido por meio de algumas coisas no nosso ambiente. Gatilhos externos são incorporados às informações, que dizem ao usuário o que fazer em seguida.
Como se trata de um e-mail importante de alerta de conta, a Mint reduziu as ações disponíveis a um único clique: conectar-se para visualizar e corrigir a sua conta. Mais escolhas exigem que o usuário avalie múltiplas opções. Muitas escolhas ou opções irrelevantes podem causar hesitação, confusão ou pior – abandono. Reduzir o raciocínio necessário para realizar a próxima ação aumenta a probabilidade de o comportamento desejado ocorrer com pouca reflexão.
Gatilhos de relacionamento podem criar o hipercrescimento viral que empreendedores e investidores cobiçam. Às vezes, os gatilhos de relacionamento impulsionam o crescimento porque as pessoas adoram contar às outras sobre uma oferta maravilhosa.
Por exemplo, é difícil superar o sucesso viral do PayPal no final dos anos 90. O PayPal sabia que, quando os titulares das contas começassem a transferir dinheiro online para outros usuários, eles perceberiam o enorme valor do serviço. A fascinação de que alguém acabou de lhe enviar dinheiro foi um incentivo enorme para abrir uma conta, e o crescimento do PayPal se disseminou porque tornou-se viral e útil.
Gatilhos internos. Eles se manifestam automaticamente em sua mente. Conectar gatilhos internos a um produto é a oportunidade de ouro da tecnologia formadora de hábitos.
Um estudo feito na Missouri University of Science and Technology demonstrou que as pessoas que sofrem de sintomas de depressão usavam mais a internet. Por quê? Uma das hipóteses é que aqueles com depressão experimentam emoções negativas com mais frequência do que a população em geral e buscam alívio recorrendo à tecnologia para elevar o seu humor.
Para amenizar a sensação de incerteza, o Google está a apenas um clique de distância. O e-mail, talvez a mãe de toda tecnologia formadora de hábitos, é uma solução apropriada para muitas das nossas agitações diárias, desde validar nossa importância (ou mesmo de nossa existência) e verificar se alguém precisa de nós, até fornecer uma fuga dos momentos mais mundanos da vida.
A associação entre um gatilho interno e seu produto, no entanto, não é formada durante a noite. Ela pode levar semanas ou meses de uso frequente para que os gatilhos internos obtenham estímulos. Novos hábitos são desencadeados por gatilhos externos, mas as associações com gatilhos internos são o que mantém os usuários hooked.
Jack Dorsey, cofundador do Twitter e do Square, compartilhou como suas empresas respondem a essas importantes questões: “[Se] quer criar um produto que seja relevante para as pessoas, você precisa se colocar no lugar delas e precisa escrever uma história do ponto de vista delas. Assim, passamos muito tempo escrevendo o que se costuma chamar de narrativas do usuário”.
Um dos métodos é tentar fazer a pergunta ”Por quê”? quantas vezes forem necessárias para chegar a uma emoção. Geralmente, isso acontecia no quinto por que. Essa é uma técnica adaptada do sistema Toyota de produção, descrita por Taiichi Ohno como o “Método dos 5 porquês”. Ohno escreveu que “a base da abordagem científica da Toyota (…) ‘por quê’ cinco vezes, esclarece a natureza do problema e sua solução”.
Capítulo 3 – Ação
Embora existam muitas vezes teorias sobre o que impulsiona os comportamentos humanos, o Dr. B. J. Fogg, diretor do laboratório de Tecnologia Persuasiva da Universidade de Stanford, desenvolveu um modelo que serve como uma maneira elegante de entender o que impulsiona nossas ações.
Fogg postula que há três ingredientes necessários para iniciar todo e qualquer comportamento: (1) o usuário deve ter motivação suficiente; (2) o usuário deve ter a habilidade de concluir a ação desejada; e (3) um gatilho deve estar presente para ativar o comportamento.
A natureza da motivação é um tema amplamente contestado na psicologia, mas Fogg argumenta que três Motivadores centrais impulsionam nosso desejo de agir. Fogg afirma que todos os seres humanos são motivados a buscar o prazer e evitar a dor; buscar a esperança e evitar o medo; e, por fim, buscar aceitação social e evitar rejeição. Podemos considerar os dois lados dos três motivadores centrais como alavancas para aumentar ou diminuir a probabilidade de alguém realizar uma ação específica aumentando ou diminuindo a motivação dessa pessoa.
Em seu livro Something New: Three Simple Steps to Creating Truly Innovative Products, o autor Denis J. Hauptly desconstrói o processo de inovação até seus passos fundamentais. Primeiro, afirma Hauptly, entenda a razão pela qual as pessoas usam um produto ou serviço. Em seguida, estabeleça os passos que o cliente deve seguir para chegar a esse resultado. Por fim, depois que a série de tarefas desde a intenção até o resultado é entendida, simplesmente comece a remover os passos até chegar ao processo mais simples.
Consequentemente, qualquer tecnologia ou produto que reduza de modo significativo os passos para concluir uma tarefa terá altas taxas de adoção pelas pessoas que ele auxilia.
Mais recentemente, empresas como Pinterest, Instagram e Snapchat elevaram a criação de conteúdo online a um novo patamar de simplicidade. O padrão de inovação mostra que tornar uma dada ação mais fácil de realizar estimula cada fase sucessiva da web, ajudando a transformar o antigo comportamento de nicho da publicação de conteúdo em um hábito popular e viral.
Capítulo 4 – Recompensa variável
Recompensas variáveis podem ser encontradas em todos os tipos de produtos e experiências que prendem nossa atenção. Elas alimentam nosso impulso para verificar e-mails, navegar na web ou comprar produtos em promoção. Proponho que as recompensas variáveis são de três tipos: a tribo, a caça e o ego. Produtos formadores de hábito utilizam um ou mais desses tipos de recompensas variáveis.
Recompensas da tribo. Somos uma espécie em que dependemos uns dos outros. Recompensas da tribo, ou recompensas sociais, são impulsionadas por nossa conexão com outras pessoas. Nossos cérebros são adaptados para buscar recompensas que nos fazem sentir aceitos, atraentes, importantes e incluídos.
Muitas de nossas instituições e indústrias são construídas em torno dessa necessidade de reforço social. De grupos cívicos e religiosos a espectadores esportivos e programas televisivos de auditório, a necessidade de sentir a conexão social molda nossos valores e impulsiona boa parte da maneira como gastamos nosso tempo.
O Facebook fornece vários exemplos de recompensas sociais variáveis. Conectar-se revela um fluxo interminável de amigos que compartilham conteúdo, comentários de outras pessoas e registros de quantas pessoas “curtiram” algo. A incerteza do que os usuários encontrarão cada vez que visitam o site cria a intriga necessária para atraí-los novamente.
Recompensa da caça. Máquinas caça-níqueis fornecem um exemplo clássico das recompensas variáveis da caça. Apostadores gastam US$ 1 bilhão por dia em máquinas caça-níqueis nos cassinos americanos, o que é uma prova do poder das máquinas para compelir os jogadores. Ao distribuir dinheiro em intervalos aleatórios, os jogos de azar incitam os jogadores com a perspectiva de tirar a sorte grande. Naturalmente, ganhar está totalmente fora do controle do jogador – mas a busca pode ser inebriante.
Recompensas do ego. Essas recompensas são um componente determinante nos videogames, pois os jogadores buscam dominar as habilidades necessárias para alcançar seu objetivo. Passar para outro nível, desbloquear poderes especiais e outras mecânicas de jogo satisfazem o desejo do jogador por competência mostrando a progressão e a conclusão.
Para se sentir recompensado, o usuário deve ter uma sensação de realização. O que acontece quando as caixas de entrada são inundadas com muitas mensagens? Os usuários podem desistir quando sentem que o esforço para manter as caixas de entrada sob controle é desesperador. Para combater o problema e dar aos usuários uma sensação de progresso, o Google criou a “Caixa Principal”. Usando esse recurso, o Gmail segmenta de maneira hábil os e-mails em pastas classificadas para aumentar a frequência com que os usuários alcançam uma “caixa de entrada zero” – um estado quase místico sem e-mails não lidos. É claro que parte da classificação das pastas é feita por meio de prestidigitação ocultando alguns e-mails de baixa prioridade. Mas dando aos usuários a sensação de que estão processando a caixa de entrada com mais eficiência, o Gmail fornece uma sensação de realização e controle.
Capítulo 5 – Investimento
Em um estudo de 2011, Dan Ariely, Michael Norton e Daniel Mochon mediram o efeito do trabalho sobre como as pessoas valorizam as coisas. Aqueles que investiram trabalho associavam maior valor a suas criações de papel [origamis] simplesmente porque eles trabalharam nelas. Ariely chama isso de efeito IKEA.
IKEA, o maior varejista de móveis do mundo, vende móveis residenciais acessíveis e prontos para montar. A principal inovação da empresa sueca é seu processo de embalagem, que permite à empresa reduzir os custos de mão de obra, aumentar a eficiência da distribuição e aproveitar melhor o espaço físico nas lojas.
Ao contrário de seus concorrentes que vendem mercadorias pré-montadas, a IKEA coloca os clientes para trabalhar. Acontece que há um benefício oculto ao fazer os usuários investirem esforço físico na montagem do produto – pedindo que os clientes montem seus próprios móveis. Ariely acredita que eles adotam uma paixão irracional pelos móveis que eles construíram, assim como os estudantes fizeram no experimento com origamis. As empresas que se beneficiam do esforço do usuário conferem maior valor a seus produtos simplesmente porque seus usuários agregam trabalho a eles. Os usuários investiram nos produtos por meio de seu trabalho.
Para o usuário que busca seguidores, quanto mais seguidores houver, mais valioso o serviço se torna. Criadores de conteúdo no Twitter procuram alcançar o maior público possível. A única maneira de adquirir legitimamente novos seguidores é enviar tweets que outros acham que são interessantes o suficiente para justificar seguir o remetente. Portanto, para adquirir mais seguidores, criadores de conteúdo devem investir na produção de mais – e melhores – tuítes. O ciclo aumenta o valor do serviço para ambos os lados quanto mais o serviço é usado. Para muitos usuários, trocar de serviço significa abandonar anos de investimento e começar de novo. Ninguém quer reconstruir um público fiel que eles trabalharam duro para adquirir e fomentar.
Capítulo 6 – O que você fará com isso?
O Modelo de Gancho trata fundamentalmente da mudança de comportamento das pessoas, mas o poder de desenvolver produtos persuasivos deve ser usado com cautela.
Criar hábitos pode ser uma força para o bem, mas também pode ser usada para fins nefastos. Que responsabilidade os criadores de produtos têm ao criar hábitos do usuário?
Os usuários levam suas tecnologias com eles para a cama. Quando acordam, eles checam notificações, tuítes e atualizações, às vezes mesmo antes de dizer “Bom dia” para seus entes queridos. Ian Bogost, o famoso professor e criador de games, chama a onda das tecnologias formadoras de hábito de “cigarro deste século” e alerta para seus efeitos colaterais igualmente viciantes e potencialmente destrutivos.
No entanto, a manipulação nem sempre tem uma conotação negativa. Se a manipulação é uma experiência criada para mudar o comportamento, então o Vigilantes do Peso, um dos produtos de manipulação de massa mais bem-sucedidos da história, se encaixa na definição. As decisões dos clientes do Vigilantes do Peso são programadas pelo designer do sistema, mas poucos questionam a moralidade do negócio.
Ofereço a Matriz de Manipulação, uma ferramenta simples de suporte à tomada de decisões que empreendedores, funcionários e investidores podem usar muito antes de o produto ser enviado ou o código ser escrito. A Matriz de Manipulação não tenta responder quais empresas são morais ou quais terão sucesso, nem descreve qual tecnologia pode ou não se tornar formadora de hábitos. A matriz não é para ajudá-lo a responder “Posso fisgar meus usuários?” mas, em vez disso, “Devo tentar?”
Para usar a Matriz de Manipulação (Figura 33), o criador precisa fazer duas perguntas. Primeiro, “Eu mesmo usaria o produto?” e, segundo, “O produto ajudará os usuários a melhorar substancialmente suas vidas?” A matriz apresenta quatro categorias: Facilitador, Mercador, Animador e Traficante.
Facilitador. Ao construir um hábito para um usuário além de você, você só pode se considerar um facilitador se experimentou o problema pessoalmente. Jake Harriman, do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, que lutou no Iraque, afirma que seu encontro com a pobreza extrema no exterior mudou sua vida. Depois de sete anos e meio de serviço ativo, Harriman percebeu que armas por si sós não poderiam deter os terroristas que pretendem prejudicar os americanos. “Pessoas desesperadas cometem atos desesperados”, diz Harriman. Após o serviço militar, Harriman fundou a Nuru International, um empreendimento social, cujo alvo é a pobreza extrema, alterando hábitos das pessoas que vivem em áreas rurais (Quênia, por exemplo), e vivendo pessoalmente entre essas populações.
Mercador. Inúmeras empresas estão convencidas de que produzem campanhas publicitárias que os usuários vão adorar. Elas esperam que seus vídeos se tornem virais e que seus aplicativos de marca sejam usados diariamente. Os chamados campos de distorção da realidade impedem que façam a pergunta crucial: “Eu realmente acharia isso útil?”. A resposta a essa pergunta incômoda é quase sempre não, assim, elas distorcem o pensamento até que possam imaginar um usuário que elas acreditam que achará o anúncio valioso.
Mercadores tendem a não ter a empatia e os conhecimentos necessários para criar algo que os usuários realmente querem.
Animador. Entretenimento é arte e é importante por si só. Arte proporciona alegria, ajuda-nos a ver o mundo de maneira diferente e nos conecta com a condição humana. Essas são todas buscas importantes e antigas. O entretenimento, no entanto, tem atributos específicos dos quais o empreendedor, o funcionário e o investidor devem estar cientes ao usar a Matriz da Manipulação.
Nesse quadrante, o negócio sustentável não é puramente o jogo, a música ou o livro – o lucro vem de um sistema de distribuição eficaz para colocar esses produtos no mercado, enquanto eles ainda são atraentes e, ao mesmo tempo, manter o fluxo cheio de lançamentos estimulantes para alimentar um público ansioso.
Traficante. Criar um produto que o designer não acredita que melhora a vida dos usuários e que ele mesmo não usaria chama-se exploração. Na ausência desses dois critérios, presumivelmente, a única razão pela qual o designer captura [hooking] os usuários é para ganhar dinheiro. Certamente, dá pra ganhar dinheiro levando os usuários a fazer coisas que não servem para nada além de extrair dinheiro; e onde há dinheiro, haverá alguém disposto a pegá-lo.
A pergunta é: Esse alguém é você? Cassinos e traficantes de drogas oferecem aos usuários um momento ideal, mas quando a ação prejudica o usuário, a diversão acaba.
Capítulo 7 – Estudos de caso
Aplicativo Bible
Em julho de 2013, a YouVersion, fundada por Bobby Gruenewald, anunciou um marco monumental para o aplicativo, colocando-o em um raro patamar de tecnologia. Com o singelo nome Bible App, o aplicativo foi baixado por mais de 100 milhões de dispositivos e está crescendo. Gruenewald diz que uma nova instalação ocorre a cada 1.3 segundo.
Como a YouVersion passou a dominar a “palavra de Deus” digital? Acontece que há muito mais por trás do sucesso do aplicativo do que o simples fervor missionário. É um estudo de caso de como a tecnologia pode mudar o comportamento unindo os princípios da psicologia de consumidor com a análise de big data mais recente.
A primeira versão do YouVersion, na verdade, não era para celulares. “Originalmente começamos como um site web para PC, mas isso realmente não envolvia pessoas com a Bíblia”, explica Gruenewald. “Somente depois que tentamos uma versão para celular, é que notamos uma diferença nas pessoas, incluindo nós mesmos, recorrendo mais à Bíblia porque estava em um dispositivo que as pessoas sempre tinham com elas.”
Para aqueles que ainda não formaram uma rotina em torno do estudo bíblico, os planos de leitura fornecem estrutura e orientação. “Algumas seleções da Bíblia podem ser difíceis para as pessoas assimilarem”, admite Gruenewald. “Oferecendo planos de leitura com pequenas diferentes seções da Bíblia a cada dia, eles ajudam a evitar que os leitores desistam”.
Transformando as leituras em fragmentos do tamanho de uma hóstia digestível, o aplicativo chama a atenção do leitor para a pequena tarefa em mãos e, ao mesmo tempo, evita a intimidação de ler o livro inteiro.
Fitbod
O Fitbod é um aplicativo lindamente projetado que sempre me ajudou a frequentar a academia por mais de dois anos, e não sou o único que achou o aplicativo útil. Mais de três milhões de pessoas baixaram o Fitbod, e ele é constantemente classificado entre os aplicativos de maior faturamento e melhores classificações na categoria da Apple App Store. Embora o aplicativo tenha sido incrivelmente útil para mim, fiquei agradavelmente surpreso ao saber que este livro Hooked foi útil para os criadores do aplicativo.
O Fitbod é fruto da imaginação de Allen Chen, um entusiasta de fitness que, apesar de malhar há mais de uma década, ainda tinha um problema frequente. “Eu estava na academia e todos os dias não sabia o que fazer”, ele me disse. “Eu queria que o celular me informasse quais músculos eu precisava trabalhar.”
Em 2013, Chen comentou que tinha lido o Hooked e criou um protótipo inicial com base nas quatro partes do Modelo de Gancho. Começou com o gatilho interno, o ativador do comportamento que ele identificou como a incerteza de não saber o que fazer na academia.
Com um protótipo funcional, Chen o compartilhou com seu amigo de faculdade, Jesse Venticinque, que trabalhava como designer no LinkedIn na época. “Eu li Hooked quando ele apareceu no escritório”, disse Venticinque. Vendo o potencial para desenvolver hábitos saudáveis na vida das pessoas, os dois uniram forças e avançaram com o projeto.
Juntos Chen e Venticinque começaram a aperfeiçoar o aplicativo para ajudar os usuários a criar o hábito de usar o Fitbod na academia.
Com um único toque no aplicativo, o Fitbod cria meu próximo exercício, removendo o desconforto da incerteza, informando rapidamente quais exercícios fazer, em que ordem, quanto peso levantar, quantas repetições fazer e mesmo quanto tempo descansar entre as séries.
Capítulo 8 – Teste do hábito e onde procurar oportunidades para formação de hábitos
Como você pode implementar os conceitos deste livro para medir a eficácia do seu produto a fim de desenvolver hábitos do usuário? Por meio de meus estudos e discussões com empresários das empresas formadoras de hábito mais bem-sucedidos da atualidade, destilei esse processo naquilo que chamo Teste do Hábito. É um processo inspirado na metodologia “construir, medir, aprender” defendida pelo movimento “A Startup Enxuta” (Lean Startup).
O Teste do Hábito abrange vários passos ou fases:
Passo 1: Identifique
A pergunta inicial para o Teste do Hábito é “Quem são os usuários do produto?”. Lembre-se, quanto mais frequentemente o produto é usado, maior a probabilidade de ele formar um hábito no usuário.
Primeiro, defina o que significa um usuário dedicado. Quantas vezes alguém deve usar o produto?
A resposta a essa pergunta é muito importante e pode mudar extensamente sua perspectiva. Dados disponíveis publicamente de produtos e soluções semelhantes podem ajudar a definir seus usuários e os objetivos do envolvimento. Se não houver dados disponíveis, deve fazer pressupostos inteligentes – mas seja realista e honesto.
Se está desenvolvendo um aplicativo de rede social como o Slack e o Instagram, você deve esperar que os usuários habituais visitem o serviço várias vezes por dia.
Passo 2: Codifique
Digamos que você identificou alguns usuários que atendem aos critérios dos usuários habituais. No entanto, quantos desses usuários são suficientes? Minha regra prática é 5%. Embora sua taxa de usuários ativos precise ser muito mais alta para manter os negócios, esse é um bom ponto de referência.
Porém, se pelo menos 5% de seus usuários não acham o produto valioso o suficiente para usar o quanto você esperava, você pode ter um problema. Você identificou os usuários errados ou o produto precisa voltar para a prancheta. Se você, porém, excedeu esse percentual e identificou seus usuários habituais, a próxima fase é codificar os passos que eles seguiram ao usar o produto a fim de entender o que os fisgou.
Passo 3: Modifique
Munido de novas informações, é hora de revisitar o produto e identificar maneiras de persuadir os novos usuários a seguir o mesmo caminho do hábito adotado pelos entusiastas. Isso pode incluir uma atualização no canal de registro, alterações de conteúdo, remoção de recursos ou maior ênfase em um recurso existente. O Twitter usou as informações obtidas na fase anterior para modificar o processo de ambientação, incentivando novos usuários a começar imediatamente a seguir outros.
Mudanças na interface. Há uma longa história de empresas de tecnologia que ganharam fortunas descobrindo segredos comportamentais revelados por uma mudança na interface. A Apple e a Microsoft conseguiram transformar terminais deselegantes em interfaces gráficas de usuário (GUI) acessíveis pelos principais consumidores. O Google simplificou a interface de pesquisa em comparação com a dos concorrentes cheia de anúncios e difíceis de usar, como o Yahoo! e Lycos. O Facebook e o Twitter transformaram novas percepções comportamentais em interfaces que simplificaram as interações online. Em cada caso, uma nova interface facilitou a ação e revelou verdades surpreendentes sobre os comportamentos do usuário.
Resenha: Rogério H. Jönck
Fotos: Unsplash
Ficha técnica:
Título: Hooked (Engajado) – Como construir produtos e serviços formadores de hábitos
Título original: Hooked
Autor: Nir Eyal
Primeira edição: AltaCon
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