Mercado financeiro se prepara para o Drex, o Real digital. O que esperar?
Por Fábio Barros
Além do Real, o Brasil terá a partir de 2025 uma outra moeda: o Drex. O início da fase de testes da moeda digital de Banco Central foi anunciado pela instituição em agosto. O nome oficial do projeto que resultará no Drex é CDBC (da sigla em inglês Central Bank Digital Currency). Antes conhecido como Real Digital, o projeto tem o objetivo de criar um ambiente digital seguro e regulado para a realização de negócios, dando a empreendedores e cidadãos o que o Banco Central chama de acesso mais democrático aos benefícios da digitalização.
O Drex é uma representação digital do Real feita em uma plataforma que permite a prestação de serviços financeiros. À exemplo do que o Pix fez como meio de pagamento, a ideia do Banco Central é que o Drex democratize o acesso a serviços financeiros como crédito, investimentos e seguros. Um exemplo prático: em uma transação de venda de automóvel, o contrato só será concluído quando o vendedor passar a propriedade do veículo e quando o comprador pagar por isso. O uso dos chamados smart contracts (contratos inteligentes) garantirão que os dois ocorram de forma simultânea.
Vale destacar que os contratos inteligentes utilizam tecnologias de registros distribuídos (da sigla em inglês, DLT – Distributed Ledger Technology) similares ao blockchain, que transformam as transações em programas que rodam de forma segura em suas redes. Neste momento, os testes do Drex têm sido feitos em Hyperledger Besu, uma DLT que incorpora smart contracts.
Inicialmente prevista para ser concluída em fevereiro de 2024, a fase de testes foi prorrogada para maio do ano que vem, com a manutenção da estimativa de que o Drex chegará aos cidadãos no fim de 2024 ou início de 2025. Durante este período, o Banco Central avaliará os benefícios da programabilidade da Plataforma Drex, onde serão simuladas operações com ativos digitais (“tokenizados”) liquidados no atacado com o Drex emitido pela instituição.
Estas simulações estão sendo realizadas por 16 consórcios escolhidos pelo BC para participar do projeto piloto. Nesta fase, cada um deles desenvolverá sistemas que serão acoplados ao Hyperledger Besu e criará produtos financeiros e soluções tecnológicas. Um destes consórcios, criado pela ABBC (Associação Brasileira de Bancos) e que conta com a participação do Agibank, está realizando testes com transações do Drex entre contas de reserva bancária; transações de depósitos tokenizados entre clientes simulados; compra e venda de Título Público Federal (TPF) na rede DLT; emissão e “queima” de Moeda Digital Tokenizada; e habilitação de transações na modalidade DvP (Delivery versus Payment).
O diretor de tecnologia do Agibank, Marcelo Oliveira, acredita que o Drex vai promover a integração entre moeda digital e tokens de ativos. “Recebíveis de toda espécie, bens físicos ou qualquer ativo que possa ser tokenizado, poderão ser facilmente comercializados ou usados como garantia, otimizados pela tecnologia blockchain e contratos inteligentes”, defende.
Citando o exemplo do Agibank, o executivo explica que, como um banco de relacionamento focado em folhas de pagamentos e benefícios do INSS, a instituição vê uma série de oportunidades com a chegada do Drex. “A capacidade de distribuir os benefícios por meio do Drex de forma segura, simplificada e barata, a tokenização de títulos de crédito de emissão privada e o acesso à um novo mundo de garantias abrem um leque infinito para a criação de novos produtos, soluções e conveniência para nossos clientes”, diz, lembrando que esta fase de testes e experimentação deve revelar oportunidades ainda inexploradas.
Oportunidades para o mercado corporativo
Quem também vê uma série de potenciais oportunidades na chegada do Drex é o economista e professor de MBAs da FGV, Roberto Kanter, para quem o projeto não tem pontos negativos. “Não é uma criptomoeda, é o Real. É uma moeda que nasce virtual e que será transacionada digitalmente, com uma série de vantagens em relação à agilidade e segurança”, afirma.
Kanter cita os exemplos de rescisões contratuais ou compra de imóveis. Os dois casos, atualmente, exigem a obtenção de um cheque administrativo e todo o processo de ir ao banco, retirá-lo e depois depositá-lo em outra instituição. “Tudo isso acaba quando você entra no sistema e faz uma transação criptografada e segura em nanosegundos. Ela traz rapidez, agilidade e segurança, podendo gerar mais transações e mais negócios para o País”, explica, listando ainda operações como conversão em outras moedas e incorporações.
O economista destaca, no entanto, que o foco do Drex é corporativo e que os chamados usuários comuns – pessoas físicas – dificilmente vão utilizá-lo. “Quem vai usar é quem tem grandes investimentos e o ambiente corporativo. O usuário comum deve continuar usando o Pix. É preciso ressaltar que o Drex é uma moeda de negociação, de conversão, não para uso cotidiano”, diz. Por isso mesmo, não se deve tomar o Pix como parâmetro de adoção da nova moeda digital. Para Kanter, não é possível garantir o mesmo ritmo, já que se trata de outro público e, consequentemente, outro comportamento. Além disso, há uma diferença clara no produto: o Pix é um meio de pagamento e o Drex é uma moeda.
“Imagino que, assim como o Banco Central vem utilizando a experiência do consumidor e trouxe os bancos para dentro do processo do Pix, ele deve fazer a mesma coisa com o Drex. Sou otimista em relação ao uso potencial e exponencial do Drex, até porque vemos cada vez menos o uso de dinheiro. Ele será muito mais uma moeda de conversão do que de uso”, explica.
Um potencial fator de sucesso para o Drex é o fato de a sociedade ser hoje muito mais digitalizada e, especificamente no Brasil, contar com digital finance muito forte. Por isso, Kanter acredita que, tão logo seja lançado, o Drex deve ser imediatamente adotado pelo mercado corporativo. “Claro que haverá um período de teste e conhecimento e que as empresas e gestores mais inovadores serão os primeiros a usar, mas uma vez validado de maneira positiva, o uso será massivo”, prevê, lembrando que a tendência é que a nova moeda tenha um volume de transações menor que o do Pix, mas com valores muito maiores em circulação.
Drex prova que blockchain não era “bolha”
Mas nem tudo é positivo. Embora acredite na tecnologia por trás do Drex, o professor da ESPM e CEO da Darkstone, Mitikazu Lisboa, vê alguns problemas em relação à adoção massiva de uma CBDC. Sobre a tecnologia, ele ressalta que a criação do Drex é a prova de que o blockchain não era só uma bolha. “Ele mostra que não faz sentido ter dinheiro que não seja baseado em blockchain. Daqui a dez anos, dinheiro sem blockchain será como utilizar moedas de ouro em transações”, compara.
O problema, segundo Lisboa, estaria no controle da plataforma onde as transações serão feitas que, neste caso, será do governo. A questão levantada por ele é que os governos em geral são, por definição, retrógrados em relação à tecnologia e que a principal justificativa para a criação do Drex é controle. “Todo governo precisa de controle e, quanto menos digital ele for, menor será o controle. O papel impresso não permite controle das transações. A partir do momento em que é digital, ele tem controle e, com o uso de blockchain, o governo deixa de precisar dos bancos”, alerta.
De acordo com Lisboa, essa é uma premissa que traz uma série de riscos – como o burn, que é a possibilidade de que governo possa simplesmente apagar o dinheiro – que cresce quanto mais autoritário for o governo da vez. Outro exemplo: em caso de decisões judiciais, qualquer tribunal poderá bloquear valores com apenas um clique. Por isso o executivo defende que o compartilhamento – ou o controle da plataforma – não deveria vir do governo. “No setor privado, esse movimento se dá com o uso de bitcoins”, diz.
O especialista acredita que o Drex dará ao governo poder irrestrito sobre a plataforma, chegando ao limite de poder movimentar o dinheiro sem dar satisfações. “O Estado nunca teve o poder de transferir dinheiro. Agora, com a moeda em blockchain, ele terá conhecimento e controle dos valores, porque será o emissor do contrato inteligente. No caso das bitcoins, os smart contracts são descentralizados, por isso não podem ser controlados por uma entidade”, explica.
De todo modo, o Drex estará em circulação no final do ano que vem – no máximo, no início de 2025 – e Lisboa acredita que ele deve concorrer com as bitcoins, dependendo do perfil do usuário. “Aqueles que tiverem uma cultura mais estatal, tendem a querer seu dinheiro na moeda digital do estado. Quem tiver cultura mais libertária, tende a ir para bitcoins”, afirma, lembrando que isso significa que o brasileiro médio deve abraçar o Drex muito rapidamente.
Isso deve acontecer porque a nova moeda, de fato, traz facilidades para os usuários, deixando o trabalho pesado para os bancos e instituições. “Para o cliente, a experiência será igual, com a diferença de que ele estará transacionando via blockchain e não via banco”, conclui.
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