Negócios Estelares – Parte 1
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Cinquenta anos depois da chegada do homem à Lua, uma nova corrida espacial está em curso, com uma diferença fundamental: a principal variável não é a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, mas a participação decisiva da iniciativa privada. Na época do programa Apollo, o conjunto de missões na Nasa que teve o ápice com a cena histórica do astronauta Neil Armstrong caminhando pelo solo lunar, em 20 de julho de 1969, empresas também participaram do processo, como fornecedoras de equipamentos para a agência espacial americana. Mas agora o contexto é outro.
Há hoje oportunidades inimagináveis em relação àquela época e a expectativa é de uma concorrência acirrada pelos negócios estelares protagonizada por bilionários como Elon Musk (SpaceX), Jeff Bezos (Blue Origin) e Richard Branson (Virgin Galactic), além de gigantes como a Boeing e startups turbinadas com recursos de fundos de investimentos globais. O que está em jogo é a disputa de um mercado espacial global que movimentou US$ 360 bilhões em 2018, segundo o State of the Satellite Report, estudo divulgado neste ano pela Satellite Industry Association (SAI), entidade internacional do setor.
A Nasa tem estimulado a expansão de atividades comerciais no espaço. A agência anunciou recentemente, por exemplo, que vai permitir a hospedagem de pessoas comuns na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) pelo período de um mês. A medida coloca um ponto final na proibição a esse tipo de serviço e abre caminho para que turistas endinheirados viajem em cápsulas que estão sendo desenvolvidas pela Boeing (Starliner) e pela SpaceX (Crew Dragon). Quem quiser viajar pelo espaço pode se preparar porque o preço é estratosférico: a estimativa é que a viagem toda custe no mínimo US$ 58 milhões por assento.
Elon Musk, com a SpaceX, busca financiar sua ida a Marte com projeto de internet global por meio de constelação de satélites.
A nave de Elon Musk já fez um teste bem sucedido neste ano. O voo não foi tripulado, mas levou pesos e um manequim vestido de astronauta. Para simular como uma pessoa se comportaria num ambiente desses, o boneco – chamado de Ripley (uma homenagem à personagem principal do filme “Alien”, interpretada por Sigourney Weaver) – carregou sensores e acelerômetros. Segundo a Nasa, os resultados do teste foram melhores que o esperado. A Boeing, por sua vez, planeja o primeiro voo não-tripulado da Starliner para dezembro de 2019.
PARCERIA PÚBLICO PRIVADA ESPACIAL
A aproximação da Nasa com o setor privado não para por aí. A agência pediu ajuda de 13 companhias americanas, incluindo a Blue Origin e a SpaceX, para acelerar a preparação de suas missões rumo à Lua e à Marte. As parcerias envolvem 19 projetos, que têm o objetivo de desenvolver novas tecnologias para missões complexas. A lista vai de grandes corporações a startups aeroespaciais com menos de uma dúzia de funcionários, mas com o domínio de tecnologias avançadas para hardware, softwares e sistemas. As parcerias vão promover o setor espacial comercial e ajudar a captar recursos no mercado para viabilizar futuras missões da Nasa. “A experiência comprovada da Nasa e as instalações exclusivas estão ajudando as empresas comerciais a amadurecer suas tecnologias rapidamente”, disse Jim Reuter, administrador associado da Diretoria de Missão de Tecnologia Espacial da Nasa. “Identificamos as áreas de tecnologia que a Nasa precisa
para futuras missões, e essas parcerias público-privadas vão acelerar o desenvolvimento para que possamos implementá-las mais rapidamente.”
Iniciativas como essas são uma das diferenças entre a corrida espacial do século 20 e a de agora. “As empresas privadas participam dos negócios no espaço há muitos anos, principalmente na área de comunicações via satélite. Já se ganhou muito dinheiro assim”, afirma John Logsdon, professor emérito de Ciências Políticas e Relações Internacionais do Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, em entrevista ao Experience Club. “O que há de novo hoje é o interesse dos bilionários e de muitos outros empreendedores na busca por oportunidades de negócios no espaço, tanto em áreas tradicionais como comunicações por satélite e lançamento quanto em outras áreas de atividade espacial que antes eram de interesse apenas de governos”, diz.
Na briga pelo bilionário orçamento americano para o setor, Jeff Bezos e a Blue Origin tentam mostrar ao mundo que dominam todos os ciclos de exploração espacial.
Nesse novo contexto, a Nasa deve se concentrar mais no desenvolvimento científico, deixando as atividades comerciais para os empreendedores. “O objetivo das empresas privadas, claro, é obter lucros com suas atividades. Mas as ‘gratificações para o ego’ também movem pessoas muito ricas, como Jeff Bezos e Elon Musk”, afirma Logsdon. “O foco deles agora é encontrar novas áreas com fins lucrativos além da comunicação via satélite.”
GEOPOLÍTICA E NEGÓCIOS
Esses dois movimentos da Nasa em direção às empresas – turismo espacial e as parcerias para projetos na Lua e em Marte – são apenas a parte mais midiática da história. O que realmente dita os rumos da nova corrida espacial e dos negócios bilionários em torno dela é, como sempre, a geopolítica. “Há uma nova corrida espacial no momento e ela se desenvolve no contexto de uma guerra fria entre EUA e China”, afirma ao Experience Club Alexandre Zabot, doutor em astrofísica e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Os americanos e chineses estão competindo, por exemplo, na questão do 5G. E o futuro da internet com o 5G passa pela liderança na área de satélites”, diz.
Por isso, Elon Musk tem se dedicado à expansão do projeto Starlink, que pretende oferecer internet a partir do espaço. O próprio bilionário já declarou que a iniciativa é fundamental no modelo de negócios da SpaceX e no financiamento do projeto de exploração de Marte. A empresa pretende colocar em órbita cerca de 12 mil microssatélites. O empresário afirma que para ter uma cobertura de sinal moderada, é necessário ter, pelo menos, 720 satélites em operação e o CEO da SpaceX deve ter a maioria dos equipamentos em órbita em até dois anos.
Jeff Bezos e Musk estão de olho em um mercado de cerca de US$ 126,5 bilhões, de serviços de satélites, e de equipamentos de solo (US$ 125,2 bilhões). O setor de satélites pode gerar aplicações em mercados como o de telecomunicações, internet, meteorologia, agricultura, aviação e marítimo. Para eles, turismo espacial é apenas a forma de chamar a atenção do público para financiar negócios mais lucrativos. Mas é uma iniciativa importante, pois mostra aos investidores que as empresas dominam todos os ciclos da tecnologia espacial
Para Richard Branson, CEO da Virgin Galactic, o enfoque é outro, pois o setor de voos espaciais e o de investimentos governamentais deve movimentar cerca de US$ 82,5 bilhões.
O empresário esteve no Brasil no final de 2019 e participou do Jantar do Ano do Experience Club, ocasião em que apresentou a empresa ao público brasileiro. A Galactic, fundad
a em 2004, é a primeira “espacial” a ter ações na bolsa de valores e, embora os resultados não tenham sido animadores (a empresa viu suas ações desvalorizarem 20% em menos de um mês), sua estratégia é focar no turismo espacial e, também, no nicho de viagens ponto a ponto.
Richard Branson, da Virgin Galactics, também entrou na disputa pelo bilionário mercado futuro de turismo espacial.
A tecnologia de voo suborbital para passageiros foi testada com sucesso pela Galactic com seu SpaceShipTwo e permite que a aeronave atinja uma alta velocidade (devido à menor resistência do ar) e pode transportar passageiros de Los Angeles a Shangai (China) em até duas horas. Para o presidente da empresa, Chamath Palihapitiya, a maior parte do faturamento deve vir de viagens ultrarrápidas entre pontos específicos. “Seremos a única empresa do mundo a fazer transporte pago de passageiros a mais de 6.174 km/h, ou cinco vezes a velocidade do som”, explicou em um evento do setor de turismo, no ano passado.
NEGÓCIOS COM PAÍSES
Alexandre Zabot, da USFC, concorda, mas aponta também o interesse por outro filão de negócios. “Sim, Musk e Bezos estão de olho no setor de comunicação, mas o interesse principal mesmo é o orçamento do governo americano para a questão espacial e a possibilidade de vender serviços e projetos para países parceiros dos EUA”, diz. “Para isso, eles precisam mostrar que dominam todo o ciclo de tecnologia espacial, da construção e lançamento de satélites à manutenção de aeronaves em órbita.”
É nesse aspecto que a interseção entre geopolítica e negócios fica mais clara. O setor militar dos países é um mercado poderoso, embora mais delicado por envolver questões como soberania e defesa. A SpaceX é a mais bem posicionada nesse jogo porque está mais adiantada no domínio do ciclo completo de tecnologia aeroespacial. “No entanto, além dela e da Blue Origin, que correm muitos riscos, há outras empresas menos midiáticas, mas que são mais sólidas e possuem parcerias de longa data com a Nasa. É o caso da Lockheed Martin e da Boing”, diz Zabot.
Constelação de microssatélites é o primeiro passo das empresas privadas em mostrar capacitação tecnológica para marcar posição na nova Corrida Espacial.
Essas duas empresas, assim como SpaceX e Blue Origin, estão participando do programa Ártemis, da Nasa. O projeto vai marcar o retorno do homem à Lua. Com um custo total estimado entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões, parcelados pelos próximos cinco anos, a nova exploração espacial não quer apenas levar astronautas até lá, como fez a Apollo, mas criar condições para manter uma tripulação de forma permanente. A meta é que em 2022 astronautas viajem à Lua pela primeira vez em 50 anos, ainda não para pousar, mas apenas circunavegar o satélite natural – o pouso da primeira aeronave tripulada depois do programa Apollo está previsto para 2024. “O objetivo do projeto Ártemis é chegar a Marte; a Lua é só o entreposto, como a própria Nasa já declarou”, afirma Zabot.
E por que o interesse por Marte? Do ponto de vista científico, chegar até o planeta vermelho significa o primeiro passo para ir para além do sistema solar, pois lá haveria recursos para reabastecer aeronaves para jornadas mais longas. Além disso, cravar o nome na história como o país que atingiu um feito espetacular como esse representa uma jogada geopolítica de mestre. Visto por outra perspectiva, o sonho de colonizar Marte é movido pelo mesmo sentimento dos navegadores que desbravaram os mares a partir do século 15. “Há um grande alvoroço hoje na comunidade científica causado por dois motivos: a tentativa de colonizar o sistema solar e a busca por vida em outros planetas”, afirma Zabot. “A ideia de colonizar o espaço significa que as Grandes Navegações estão acontecendo novamente na história. É o desejo de se lançar em oceanos desconhecidos”.
Texto: Clayton Melo
Imagens: Getty Images e Reprodução
Publicado originalmente na Revista Experience Club nº22.
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