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Nove passos para escalar a trilha do venture capital

Experiente investidor em empresas, Marcello Gonçalves gosta de dizer que não sabia nada além de “www-ponto” quando começou a colocar dinheiro no mercado de tecnologia em 2013, como um dos fundadores da Koolen&Partners. Na ocasião, aportou capital em um dúzia de jovens empreendimentos, incluindo três futuros candidatos a unicórnio: Loggi, Hotmart e Gympass.

“Acertamos nas três, mas erramos em várias outras. O importante é que aprendemos perdendo o nosso próprio dinheiro até ter certeza de que estávamos prontos para investir com o recursos de terceiros”, enfatiza. Dessa fase de transição, Marcello e o sócio Rodrigo Borges foram em frente e montaram três anos depois ao lado de Felipe Andrade, Gabriel Sidi e Guga Stocco, a gestora de fundos de Venture Capital DOMO Invest.

Atualmente com nove associados, a Domo se especializou em seed investment, que entra logo após o capital anjo e antes das rodadas seriais A, B, C e assim por diante. Os aportes costumam variar de R$ 1 milhão até R$ 3 milhões, podendo chegar até R$ 5 milhões em startups B2B que necessitam de “mais pista” para decolar, como ele define. 

Para navegar com segurança no complexo emaranhado legal do venture capital brasileiro, a gestora se credenciou nos órgão reguladores como um FIP (Fundo Investimento e Participações), para atender à clientela de family offices, investidores de alta renda e grandes grupos empresas de capital nacional. 

O primeiro fundo, voltando a startups de serviços B2C, nasceu em 2017, já captou mais de R$ 100 milhões em 17 companhias e pretende fechar o ciclo em 22 investidas. O segundo é o Fundo Anjo, liderado pelo BNDES junto com outros bancos e fundos secundários, que dá suporte de capital ao extenso ecossistema de investidores-anjo já estruturado no país e com o qual o Domo mantém contato estreito. O terceiro fundo, Entreprise, voltado a empresas B2B, tem a primeira captação prevista para os próximos meses.     

A pedido do Experience Club, Marcello aponta os fatores decisivos para quem quer desenhar uma trilha sólida de Venture Capital (VC), seja pessoa física ou investidor corporativo. Confira:

1-ANJO SOLITÁRIO NÃO FAZ MILAGRE

Tem investidor que nos procura e diz para “avisá-lo” quando tiver uma boa startup para investir. Não funciona assim. Venture Capital exige método e disciplina. Nós temos uma base de dados de 15 mil startups, com 5 mil qualificadas, para tirar 20 ou 40 selecionadas no final. Ser anjo demanda estudo, empenho e o empresário ou profissional bem intencionado em investir nem sempre tem tempo para isso. Existem bons investidores que trabalham sozinhos, mas são disciplinados. Se você não sabe como começar, procure algum grupo de anjos, existem vários muito bem estruturados por todo país e cada participante ajuda com o tempo que dispõe para o coletivo.

2-ANJO NÃO É MAGO: CONSTRUA UM PORTFÓLIO

Assim como em qualquer outros investimento, é fundamental diluir o risco. Não existe ninguém no planeta que tenha investido em 10 startups e acertado na mosca nas 10. Acreditar que investindo em duas empresas você vai acertar nas duas é, no mínimo, ingenuidade. Não importa o quanto você dispõe de recursos, diversifique. Se você tem R$ 500 mil, separe para R$ 50 mil para 10 startups e não se deixe levar pelo emocional do “filho do meu amigo está montando um negócio super bacana…”

3-FAÇA DO AUTOCONHECIMENTO O SEU PRIMEIRO ATIVO

Existe um certo “hype” em torno do VC, mas não é um perfil que se encaixa em todo mundo. Pensando como uma boa carteira de investimentos, sempre há espaço para ativos ilíquidos. Alguns podem oferecem vantagens fiscais, como um fundo imobiliário, ou maior possibilidade de retorno com mais risco. Mas em todos os casos, você não poderá dispor daquele dinheiro por num determinado tempo. Se você prefere fundos de renda fixa com boa liquidez e prefere comprar um imóvel quando há sobra de recursos, seu perfil definitivamente não é o venture capital. E não há nada de errado nisso.

4-TENHA PLENA CONSCIÊNCIA DO SEU PROPÓSITO

Vários motivos podem ser o gatilho para investir em startups. Empresários bem-sucedidos vêem o VC como uma forma de ajudar outros empreendedores com dinheiro e experiência de gestão. Um médico pode se interessar em investir em um novo negócio na área de saúde. Outros demonstram mais apetite para risco. 

Procure mensurar quanto tempo você terá disponível e o seu grau interesse para se dedicar a esses investimentos. Lembre-se sempre de diversificar e diluir o risco. 

Se o objetivo for apenas financeiro, procure um fundo ou especialista para ajudar na gestão da carteira.

5-CORPORATE VC: INOVAÇÃO, DINHEIRO OU OS DOIS?

Se para as pessoas físicas o VC soa como uma oportunidade, no mundo corporativo a aposta em startups se torna cada vez mais uma necessidade. No universo de investidores institucionais brasileiros, há perfis distintos e ainda são poucas as organizações que estão bem posicionadas no que tange o Corporate Venture Capital (CVC). A boa notícia é que já existem grupos fazendo um trabalho estruturado e focado. Tão importante quanto a procura por diversificação de investimento é o interesse em interagir com o ecossistema de inovação e se aproximar dos empreendedores que estão ajudando a transformar o mercado.    

6-DEIXE A ORGANIZAÇÃO SE CONTAMINAR PELA MUDANÇA

Steve Wozniak (cofundador da Apple) costuma dizer que toda empresa deveria ter um Chief Innovation Officer, mas que ele deveria se reportar ao conselho com uma visão de longo prazo. Porque se ele se reporta ao CEO, será forçado a buscar os resultados do próximo trimestre. Mesmo nas organizações com processos de P&D funcionam bem, é preciso estar em constante movimento. Por isso é importante testar e inclusive convocar startups para resolver problemas específicos. Crie um “sandbox” para testar novas soluções e deixe o caldeirão de ideias começar a ferver. Os resultados começarão a aparecer:

7-ABRACE O
ERRO E MUDE A CULTURA

O presidente de um grande grupo me contou a história de quando ele montou um andar inteiro com pufes coloridos, mesa de totó e chamou um grupo de jovens de startups para gerar nova ideias ao negócio. Não funcionou. “Deu crachá e vale-refeição, acabou a inovação”, ele me contou. A principal mudança é cultural. No momento em que o empreendedor ou o time de inovação não é mais punido por errar, as coisas começam a acontecer. O desafio é deixar com que os departamentos possam se expressar e o RH tem um papel importante para engajar a empresa e romper com os silos.

8-PACIÊNCIA E CONSISTÊNCIA: AS REGRAS DE UM BOM CVC

Quando alguma empresa nos procura dizendo que deseja investir em startups, eu insisto para que ela defina uma previsão de recursos e que essa meta se perpetue ao longo do tempo. Não interessa o valor, o importante é que ele seja um compromisso. É dessa consistência que ela vai conseguir construir uma relação de longo prazo com a cultura da inovação. O Pedro Vieira, fundador da Beta-i de Portugal (assista entrevista aqui), costuma dizer uma coisa que eu concordo plenamente: o CVC só tem resultado de fato quando a organização passa a ser cliente de um serviço, incorpora ou compra a startup na qual está investindo. Um bom exemplo disso são empresas como a Oracle e IBM que passaram a oferecer em sua plataforma o portfólio de serviços de empresas dentro do ecossistema de investimento delas.

9-VOCÊ VAI PERDER DINHEIRO. MAS ESTÁ TUDO BEM

No universo de investimentos dos Estados Unidos, uma taxa de acerto razoável gira em torno de 15% a 20%. Se você acerta duas em cada dez tentativas, está ótimo. Portanto, uma questão é certa: você vai perder dinheiro. Mas pode ganhar muito também. O desafio é manter o foco nos projetos e empreendedores mais promissores e não se apegar muito. O brasileiro tem essa cultura de não desistir nunca que é ruim para o mundo das startups. Se determinada aposta não deu certo, quando mais rápido você montar sua estratégia de saída, mais tempo terá para se dedicar aos negócios que podem dar certo.

 

Texto: Arnaldo Comin

Imagens: Reprodução 

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