“O carbono será a moeda da transição energética”
Bruno Laskowsky, diretor do BNDES, explica como o banco de fomento pretende tornar-se o market maker da descarbonização da economia brasileira
Por Costábile Nicoletta*
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teve um lucro líquido recorde em 2021: R$ 34,1 bilhões. Parte significativa desse resultado decorre da venda de participações acionárias que mantinha em grandes companhias, a maioria delas já consolidada e com acesso ao mercado de capitais.
Em 2019, por meio da BNDESPar — subsidiária responsável por essas participações — tinha uma carteira de renda variável de R$ 125 bilhões, para um patrimônio líquido (PL) de R$ 90 bilhões. Em 2022, essa relação transformou-se em R$ 70 bilhões em ações, para um PL de R$ 130 bilhões.
O desinvestimento, tratado internamente como “reciclagem de capital”, foi adotado a fim de carrear recursos para áreas como o crédito oferecido a pequenas e médias empresas e ao fomento de segmentos como inovação, infraestrutura, projetos de impacto social e de crédito de carbono.
“O BNDES não era um banco de desenvolvimento, e sim um grande fundo de ações”, diz Bruno Laskowsky, diretor de Participações, Mercado de Capitais e Crédito Indireto, que explica, a seguir, como a instituição pretende tornar-se um dos principais indutores da descarbonização da economia brasileira.
O que levou o BNDES a dar essa guinada em sua atuação?
O BNDES faz 70 anos em 2022. Como a maioria dos bancos de desenvolvimento no mundo, foi criado no contexto de reconstrução dos países após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), para recuperar a infraestrutura destruída nessas nações. Passou por uma fase mais desenvolvimentista, dirigida a incentivar determinados setores conforme a política industrial do País. Agora, entra numa nova fase, em que o indicador crítico de performance é o impacto que suas iniciativas geram na melhoria de produtividade e na redução da desigualdade de renda da população, fatores que travam o crescimento do País. O Brasil tem 100 milhões de pessoas sem rede de esgoto e 35 milhões sem água tratada.
Estamos convencidos no BNDES de que é necessário migrar de uma era de ativos tangíveis para intangíveis, que são os impactos gerados na ponta, em melhorias de condições sanitárias, de serviços de infraestrutura, mobilidade urbana, transição energética e utilização do carbono como moeda de transação dessa transição energética. O nosso balanço financeiro tem de ser um meio, não o fim.
Quais as etapas estabelecidas pelo BNDES para estimular o mercado de crédito de carbono?
O BNDES crê que é seu papel ser o market maker (formador) do mercado de crédito de carbono, em coordenação com os Ministérios do Meio Ambiente e da Economia e o Banco Central para estabelecer a governança desse segmento no País: como serão administradas as demandas, como definir o que é um crédito de carbono válido e um não válido, em que regiões o processo terá de ser mais estimulado, etc.
Outra etapa importante é estabelecer as plataformas de trocas, o exchange, no jargão do mercado. Assim como o ouro foi no passado, o crédito de carbono tem tudo para ser a grande commodity financeira a ser transacionada pelo mercado, pois se trata de um ativo fungível (passível de ser trocado por outra coisa da mesma espécie, qualidade, quantidade e valor). É a moeda para as próximas décadas, uma vez que numerosos países e empresas se comprometeram com metas para descarbonizar suas atividades (Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, COP26), até 2030/2050, e haverá uma demanda importante para esses créditos de carbono.
Quem fizer um projeto com direito de emitir créditos de carbono terá de negociá-los com outra empresa que queira ou precise comprá-los para neutralizar suas emissões de GEE. Isso gera um mercado muito parecido com o acionário. Por isso, estamos discutindo com alguns exchanges, como a B3. Existe uma série de movimentos para estabelecer uma bolsa cuja moeda seja o carbono, uma bolsa de ativos ambientais.
Qual a dimensão atual do mercado de crédito de carbono e qual seu potencial?
Há dois mercados de crédito de carbono. Um deles é o voluntário. Por exemplo, o BNDES tem 2.500 funcionários, que tomam ônibus para ir e voltar do trabalho. Esses ônibus geram determinada emissão de CO2. O banco coloca isso tudo numa conta para saber quanto seus funcionários geram de impacto no ambiente e compra crédito de carbono para compensar essas emissões. Então, no mercado voluntário de carbono as empresas espontaneamente compram créditos de carbono para neutralizar a sua emissão.
O outro mercado de crédito de carbono é o regulado, no qual o governo estabelece metas de descarbonização para determinadas empresas, seja para puni-las, seja para recompensá-las, geralmente com estímulos tributários.
O BNDES entende que os dois movimentos (mercado regulado e voluntário) são válidos. O regulado se aplica mais quando se está discutindo uma indústria, porque é possível fazer uma conta acerca do consumo de combustível fóssil para a produção e da emissão de CO2 na atmosfera. Com base nisso, o governo regula os limites das emissões.
No caso de desmatamento, é mais inteligente criar um estímulo, o que chamamos de desmatamento evitável. Numa floresta nativa (flona), por exemplo, é possível estruturar um projeto voluntário de preservação/desmatamento evitado e reflorestamento e gerar um estímulo para os proprietários e a população que mora nas cercanias, remunerar esses agentes com recursos de crédito de carbono e convencê-los de que compensa manter a floresta em pé.
Estima-se que, em 2030, o mercado de crédito de carbono movimentará de US$ 40 bilhões a US$ 60 bilhões no mundo. No Brasil, calcula-se que tenha potencial para 20% disso, entre US$ 8 bilhões e U$$ 12 bilhões.
Como o BNDES se certificará de que os projetos de descarbonização realmente contribuem para a redução de emissões de gases do efeito estufa?
Quando se compra uma ação no mercado acionário, a B3 e a CVM determinaram as regras a ser observadas para que seja feita essa transação. No mercado de crédito de carbono, tem que haver algo parecido. Já há certificadoras consolidadas no mercado internacional — como a VCS e a Gold Standard — que têm sido mais aceitas para validar de forma independente projetos com objetivo de emitir créditos de carbono. É um processo complexo, precisa ser checado in loco e inclui até a colocação de sensores nas árvores.
Quais critérios devem ser observados por projetos que pretendam vender créditos de carbono ao BNDES?
Faremos uma chamada pública para desenvolvedores de projetos que vão gerar créditos de carbono. Vamos buscar projetos de desmatamento evitado, de reflorestamento, de geração de energia a partir de biomassa e outras energias renováveis e de tratamento de resíduos a partir de gás metano, aumento de eficiência energética e transição energética de combustível. Mas com prioridade maior para desmatamento evitado.
Pediremos ao mercado que nos apresente projetos dessa natureza, com potencial de descarbonização da economia, e o BNDES comprará os créditos de carbono a partir de duas modalidades. Numa delas, em projetos já existentes, validados por uma certificadora e aptos a emitir créditos de carbono, a compra será spot, à vista.
Outra modalidade é a de projetos ainda em elaboração. Em geral, o processo de certificação é longo, pois demanda uma série de etapas, demoradas. Acreditamos que a atuação do BNDES tenderá a agilizar esse processo. Nessa modalidade, compraremos os créditos de carbono a termo, ou seja, daremos ao projeto, se aprovado, uma garantia de compra desses créditos quando estiver em condições de emiti-los.
Qual o montante de recursos o BNDES pretende aplicar na compra de créditos de carbono?
Estamos falando de números que podem chegar a R$ 500 milhões, imaginamos alocar esse montante em três anos, a depender da viabilidade dos projetos apresentados. Com isso, sinalizaremos que temos fé no mercado de crédito de carbono e, pelo peso do BNDES, de um banco de desenvolvimento, com objetivos de longo prazo, imaginamos proporcionar confiança no sistema como um todo.
O que o BNDES fará com os créditos de carbono comprados?
A princípio, vamos carregar essas compras de crédito de carbono no nosso balanço como investimento, da mesma forma que compramos ações e fazemos investimento em startups. Hoje, os créditos de carbono são cotados entre US$ 8 e US$ 12 a tonelada equivalente de CO². Com base nas metas de descarbonização dos governos e das empresas, é provável que esses preços subam, pela demanda que se criará no mercado.
Numa outra hipótese, haverá empresas que precisarão de créditos de carbono e não terão tempo para esperar o projeto maturar. O BNDES pode esperar. É um banco de desenvolvimento e está aqui para isso mesmo. Então, poderá vender os créditos para essas empresas. Uma terceira hipótese é o BNDES utilizar esses créditos de carbono para neutralizar suas próprias emissões de carbono.
De que forma os critérios ESG estão sendo levados em consideração na concessão de financiamentos do BNDES?
Cada vez mais ouviremos mais um termo chamado linked loan (empréstimo vinculado). Por exemplo, o BNDES financia a compra de máquinas e equipamento de uma indústria. Na modalidade linked loan, a taxa de juros pode ter um desconto, se o tomador do empréstimo demonstrar que conseguiu reduzir sua emissão de gases do efeito estufa. Cada vez mais a estrutura de empréstimo do BNDES será vinculada com descarbonização e melhorias do ponto de vista social. As empresas terão de se compromissar a desenvolver programas sociais, seja com seus funcionários e familiares, seja com a comunidade com a qual se relacionam.
Nesse contexto, o BNDES também está estimulando startups que possam ajudar nesse processo, como na estruturação dos projetos de preservar a floresta e reflorestar a mata?
Temos 49 fundos de investimento na BNDESPar. Uma boa parte deles investe em venture capital e empreendimentos em estágio inicial, como startups. Procuramos mecanismos de inovação. Uma das empresas nas quais investimos lá atrás é a Magnamed, grande produtora de ventiladores mecânicos durante a pandemia. Era uma companhia pequena que hoje fatura R$ 350 milhões por ano. E há vários outros bons exemplos.
Fizemos um fundo com a Qualcomm para investir em tecnologia de internet das coisas. Temos um programa chamado BNDES Garagem, que recentemente premiou algumas startups que participam da iniciativa, entre elas a Meu Pé de Árvore, de Rondônia, para fazer plantio na região da Amazônia. Já botamos R$ 6 bilhões na soma de todas essas iniciativas. A cada real posto pelo BNDES, necessariamente precisam vir R$ 3 do mercado, de nossos parceiros. No total, essa estratégia envolve R$ 29 bilhões.
Estamos direcionando o BNDES Garagem para projetos de impacto socioambiental, mobilidade urbana, educação, saúde, inovação, tecnologia e muita coisas de ESG. É um ecossistema de desenvolvimento.
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