“O objetivo do TransEmpregos é não precisar existir”

A agenda de inclusão e diversidade vem avançando muito no país. Sobretudo ao longo da última meia década, ganhou impulso com ações afirmativas levadas à frente por grandes empresas e encontra nas práticas ESG um poderoso aliado.
No entanto, há ainda uma longa jornada a ser percorrida até que a ideia de que quanto mais diverso for o ambiente corporativo, melhor para as empresas, esteja completamente naturalizada – ideia esta já comprovada por diversas pesquisas e estudos.
A avaliação é da advogada e empresária Márcia Rocha, que fundou, em 2014, junto com a também advogada Maite Schneider e a cartunista Laerte Coutinho, o TransEmpregos.
“O maior problema ainda é o preconceito. Empresas são formadas por pessoas, e muitas são preconceituosas. Não é só abrir a vaga. É ver se a empresa tem condições de receber um profissional trans”, afirma.
Desde sua criação, a plataforma tem registrado, de um lado, cada vez mais companhias interessadas e, de outro, forte aumento de sua base de currículos – atualmente na casa dos 25 mil. “Em 2020, com crise e pandemia, 707 profissionais foram contratados”, conta.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
1 – Jornada longa
“Lançamos para valer o TransEmpregos em 2014 e, na época, o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, que tinha nove empresas, me chamou. No primeiro evento de que participei falei sobre a questão trans. Multinacionais que participaram do Fórum se sensibilizaram e começaram a contratar trans em 2015, algumas dezenas.”
“De lá para cá, o Fórum passou a ter 100 empresas e nós acabamos de atingir 970. Vem crescendo muito. Neste ano, tem sido impressionante. O tema diversidade e inclusão nas empresas está muito em pauta”.
“Em 2015, foram algumas dezenas. Em 2016, 17 e 18, eu sei que vinha crescendo porque o volume do meu trabalho aumentou. No início, havia 400 currículos. Hoje estamos batendo 25 mil”.
“As pessoas contratadas falam para a comunidade trans e as empresas também comentam com outras, e isso ajuda a divulgar”.
“Mas ainda há muito trabalho pela frente. A finalidade maior do TransEmpregos é não precisar mais existir. Acho que vamos chegar lá um dia, mas nós (essa geração) não vamos ver.”
2 – Diversidade sem ingenuidade
“Não vou jogar as trans para os leões. É preciso conhecer bem as empresas e o ambiente onde o profissional será inserido. Já recusei empresa enorme, que não marcou reunião nossa com o departamento de recursos humanos. Era o mínimo. Pode até ter alguém que anuncia uma vaga e quer causar uma violência”.
“Se tem uma coisa que eu não sou é inocente. E no ambiente empresarial tem de tudo. Já vimos o caso de uma empresa que se reuniu conosco por três anos. Queria contratar, tinha ordem do CEO, mas havia algum gargalo interno no RH que impedia. Só neste ano contrataram a primeira”.
“Por outro lado, há empresas que têm mil funcionários trans. É o caso da Atento, nossa parceira. Há empresas que fazem ações afirmativas.”
3 – Reeducando empresas com o ESG
“Empresas são feitas por pessoas, por gente. Do dono, o CEO, até a pessoa que faz o café, e essas pessoas vivem numa mesma sociedade, no mesmo planeta. As pessoas têm amigos LGBT, negros, filhos de negros. Nosso país tem uma população com mais de 56% de negros e mais de 52% de mulheres. Como você não vai dar importância a essas questões?”
“As empresas precisam caber no mundo atual. Vivemos num ambiente de escassez. Vai faltar água, vai faltar tudo. Ou seja, se não cuidarmos do ambiente, vamos morrer. Até o CEO”.
“Temos de pensar em diversidade. Não vivemos numa época, na antiguidade, na qual você tinha de atacar o inimigo para comer. Hoje, com a globalização, temos que conviver com a diversidade humana, biológica e outras. Não há mais espaço para dizer que mulheres ou negros não possam estar neste ou naquele lugar, por exemplo.”
4 – O papel das grandes empresas
“A Atento já tinha trans antes de ser nossa parceira. Por quê? Telemarketing não lida com a imagem. Então, muitas pessoas trans já sabiam e nós escutávamos isso”.
“Às vezes, o profissional era qualificado, mas não conseguia emprego fora do telemarketing. Afinal, ali, ninguém está vendo, o preconceito é menor. Se bem que, de alguma forma, viemos para acabar com isso.”
5 – Atuação independente
“Somos eu Maite e a Laerte. A Laerte, por sua característica e atuação, não se envolve com empresas. Mas ajudou bastante, principalmente no começo, a divulgar o projeto. E, claro, fez a nossa logo”.
“Como a gente se banca? Eu banco. Sou empresária. Temos muito trabalho voluntário. Antes, eu chegava a ir a evento, a convite, e pagava até o estacionamento do próprio bolso”.
“No começo houve quem quisesse pagar pelo projeto e eu disse não. Faço o que acho certo e isso não tem preço. Não quero ganhar dinheiro com ativismo. Se alguma empresa nos doa alguma verba, isso é revertido para o projeto.”
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