Mercado

“O problema do Brasil não é juros, é segurança jurídica”

Economista Zeina Latif

Por Denize Bacoccina

Uma das mais reconhecidas economistas do Brasil, Zeina Latif tem ampla experiência no mercado financeiro, no meio acadêmico e em consultorias a empresas, além de uma passagem pelo setor público. Foi economista sênior do Royal Bank of Scotland para a América Latina, economista-chefe nos bancos Bilbao Vizcaya, HSBC Asset Management, ABN-Amro Real, ING Bank e na XP Investimentos. No ano passado, teve ainda uma experiência no setor público, como secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo.

Como sócia da consultoria Gibraltar Consulting Economia, ela traça cenários e aconselha empresas a tomarem as melhores decisões e aproveitar as oportunidades. Olhando o cenário internacional, Zeina diz que o Brasil está bem posicionado, apesar dos juros ainda elevados. “Já tivemos taxas de juros muito mais elevadas, e isso não impediu o crescimento”, diz.

O que atrapalha é a falta de segurança jurídica, que acaba elevando os custos das empresas e dificulta até investimentos que dependem de licenciamento ambiental, segundo a economista. E isso, afirma, não se resolve com um único pacote de legislações, como está acontecendo com a reforma tributária – que ela vê como um fator de economia para as empresas. “Não existe a PEC da segurança jurídica”, diz, nesta entrevista à [EXP]. “Precisa de um pente fino para rever normas, reforçar o diálogo com esses entes. Uma agenda que é muito mais complexa”, afirma.

Assista a entrevista de Zeina Latif em nossa plataforma de vídeos:

Zeina, 2023 foi um ano bastante difícil para vários setores, um primeiro semestre com inflação ainda em alta, incertezas na política, gastos públicos, ajuste fiscal. Como uma empresa deve se planejar para 2024?

O primeiro ponto que qualquer gestor deve ter em mente é que o Brasil tem, de fato, uma elevada volatilidade, mais que outros países. Para gerir uma empresa, você tem que ter um certo conservadorismo, principalmente com a gestão de caixa. Ao mesmo tempo que tem volatilidade, o país está vivendo um momento de oportunidades. Quando pensamos no contexto internacional, o Brasil está bem posicionado.

Também é preciso ficar atento para aproveitar as oportunidades. Ter flexibilidade, porque podem aparecer bons negócios, oportunidades de investimento, ou até a necessidade de adaptação de uma planta para uma nova tecnologia.

E temos a questão da taxa de juros, em queda, mas ainda num nível bastante elevado. Até que ponto pode ir essa queda? Vai ser suficiente para fomentar investimento?

Quando a gente olha o histórico do Brasil, já tivemos taxas de juros muito mais elevadas, e isso não impediu o crescimento. Pode atrapalhar, pode inviabilizar algum projeto, mas eu não vejo isso como fator principal para definir a nossa capacidade de investir. Hoje, pensando do ponto de vista de políticas públicas, o que precisamos é melhorar o ambiente de negócios, reduzir a insegurança jurídica no país.

"Precisamos melhorar esse ambiente de negócios para poder trazer mais investimentos. O Brasil precisa ser mais ambicioso para não perder essas oportunidades."

Nesse sentido, estamos caminhando ou ainda precisamos de novas legislações?

Ainda estamos muito atrasados. Quando se fala de segurança jurídica, é um amplo espectro de questões, desde regulações, funcionamento das agências reguladoras, normas de funcionamento, o sistema judiciário, o Ministério Público, o Tribunal de Contas, o sistema judiciário de uma forma geral, que muitas vezes acaba também alimentando a insegurança jurídica. Precisa de um pente fino para rever normas, reforçar o diálogo com esses entes. Uma agenda que é muito mais complexa. Não é uma medida que você toma, uma bala de prata e resolve. Não tem uma PEC da segurança jurídica.

Existe essa discussão na política, no Congresso?

É uma discussão forte entre economistas e cada vez mais dentro do setor privado. O setor privado entende que essa é uma agenda necessária, principalmente os setores de infraestrutura. Tem um termo que foi cunhado, que é o apagão da caneta. Refere-se à insegurança do próprio servidor público em dar uma autorização, porque os papéis não estão claros. Não é claro o que cada agência pode fazer.

Claro que a reforma tributária vai ser um passo muito importante, porque um pedaço muito importante dessa insegurança jurídica é justamente a questão da tributação do consumo. Os especialistas estimam que na questão tributária temos um contencioso nas três esferas de governo que chega a 75% do PIB. Uma boa parte é ligada ao imposto sobre consumo e essa reforma ajuda a reduzir essa insegurança.

Esse apagão da caneta é muito presente na questão ambiental, na área de licenciamento. O técnico, com medo de alguma consequência jurídica para ele, não aprova, deixa parado. Qual o impacto disso para as empresas?

É muito abrangente. E pega particularmente a infraestrutura. Os prazos acabam sendo dilatados, o projeto sai mais caro do que se imaginava. Às vezes as pessoas ficam com raiva dos governantes, mas nem sempre é culpa deles, às vezes é por causa desse ambiente de insegurança que você não consegue destravar. Estamos atrasados com essa agenda. Precisamos avançar para dar mais segurança para o investidor. Para o setor público também é um problema. Quando olhamos as licitações, as obras públicas, o balanço do Tribunal de Contas mostra mais de 30% de obras paradas. E o grosso não é por falta de recursos, é por serem projetos de baixa qualidade e uma parte porque não conseguem lidar com essas dificuldades. Precisamos ter maior qualidade dos projetos de investimento, no setor público e no privado.

E depois de muito tempo, parece que finalmente vamos ter uma reforma tributária. Qual vai ser o impacto no setor produtivo?

É uma reforma que inseriu distorções. Mas é que hoje estamos num quadro absolutamente caótico. Eu tenho um olhar otimista, ainda que não seja algo que vai se materializar rapidamente. Até porque tem uma transição, que não é tão curta, porque não é fácil fazer essa transição. Uma transição rápida talvez fosse impossível.

A reforma tributária vai trazer economia para as empresas?

Não tenha dúvida. Toda a simplificação, a redução do contencioso, já traz uma economia tremenda. Hoje temos um custo de observância. Em um país em que as regras estão mudando o tempo todo, com efeito retroativo, é preciso acompanhar as várias legislações municipais, estaduais e federais. Não tem jurisprudência clara, uma hora é uma decisão, outra hora é outra, então o empresário no Brasil nunca tem certeza se está cumprindo todas as regras.

Então, sim, é uma tremenda economia.

Já está calculada essa economia?

Esse é um cálculo muito difícil de ser feito, mas os estudos mostram que é uma economia bem significativa.

"A diversidade é muito boa. Dá trabalho, mas é uma aliada. São pessoas com visões de mundo diferentes, que ajudam a entender um mundo que está diferente."

E como você vê o interesse de investidores estrangeiros no Brasil?

Sobre o mercado brasileiro eu acho que não é exatamente um otimismo, mas um olhar mais benigno, porque no contexto internacional, a situação do Brasil é mais confortável. Bem ou mal, temos instituições que, de alguma forma, funcionam. Tivemos uma transição de governo com sustos, mas, enfim, estamos aí. O presidente que está governando não tem ameaças. Estamos distantes de conflitos.

Temos alguns setores muito dinâmicos na economia brasileira, existe um sentimento de “eu quero muito investir no Brasil”. Precisamos melhorar um pouco esse ambiente de negócios para poder trazer mais investimentos. Eu acho que esse é o ponto. O Brasil precisa ser mais ambicioso para não perder essas oportunidades. Nós somos craques em perder as oportunidades. É importante sairmos dessa armadilha de estarmos satisfeitos com pouco.

E como você vê o mercado lá fora para as empresas brasileiras, com esse crescimento baixo da economia mundial?

Primeiro é garantir o acordo Mercosul e União Europeia. Isso é um ponto essencial. A economia brasileira é uma economia muito fechada, a reforma tributária abre um espaço para se discutir. Também podemos explorar melhor as relações com os Estados Unidos, o país com maior volume de investimento estrangeiro direto no Brasil. O agro também tem um potencial de mercado muito grande. Na Ásia, além da China, há outros mercados potenciais, como a Índia, por exemplo, que é um grande mercado, mas uma economia ainda muito fechada.

Você foi no ano passado secretária de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, uma Secretaria que tinha muitas políticas para mulheres, para formação profissional e empreendedora, e você também é uma das poucas mulheres do primeiro time de economistas. Como é que você vê a presença das mulheres no mercado? Vem mudando ao longo do tempo?

Muito. Não se pode comparar quando eu saí do meu doutorado, entrei no mercado financeiro, com o momento atual. Hoje tem grandes economistas em instituições financeiras, economistas-chefe. A presença feminina é cada vez maior, com excelentes economistas. O quadro mudou bastante. Claro que quando a gente olha o mercado financeiro, assim como nas faculdades ligadas à área de Exatas, tem poucas mulheres. Na faculdade de Economia não chega a 30% a participação feminina.

Eu acho que o quadro mudou, já tem um outro olhar. Ainda tem conquistas a serem feitas, mas a diversidade é muita boa. Dá trabalho, mas a diversidade é uma aliada. São pessoas com visões de mundo diferentes, que ajudam a entender um mundo que está diferente. Esse é um valor que cada vez mais cresce. Não só porque é uma questão moral, mas você tem que dar igualdade porque vale a pena. Acho que tem ganhos.

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