ESG

“Para ser relevante, é preciso falar com quem quer consumir e não se sente representado”

Por Monica Miglio Pedrosa

“Como gestores de marcas, falamos com milhares de pessoas. Podemos perpetuar o clichê, o preconceito, ou fazer diferente”. A frase resume o posicionamento de Daniela Cachich ao longo de sua trajetória profissional. Muito antes de os temas de diversidade e equidade estarem na pauta da alta liderança das empresas com o ESG, a executiva promovia essas práticas como líder de marketing em organizações como Unilever, Heineken e PepsiCo.

Em “Retratos da Real Beleza”, da Dove, Daniela participou da primeira campanha a mostrar as diferentes belezas femininas, respondendo a uma de suas maiores dores, a autoestima. Na Heineken, ela tirou as “mulheres objetificadas” das campanhas de cerveja e, na PepsiCo, vinculou a marca Doritos ao público LGBTQIA+ e à diversidade.

Formada em Administração de Empresas pelo Mackenzie, com um MBA em Marketing pela ESPM, Daniela assumiu, há cerca de dois anos, a posição de presidente da Unidade de Negócios Future Beverages and Beyond Beer da Ambev. A divisão é responsável pelo portfólio de bebidas alcóolicas que não são cerveja, como o Caipi Beats, bebida à base de cachaça que foi lançada no Carnaval de 2023 com uma grande campanha de marketing que alertava também para o consumo consciente de álcool. “Tudo que fazemos aqui é inovação”, afirma.

A executiva, que tem 49 anos, falou, em entrevista à [EXP], sobre o papel das marcas como regeneradoras das relações com a sociedade, a nova liderança humanizada, o etarismo nas empresas e nas campanhas de marketing e a relação entre inovação e diversidade. “É muito mais fácil ser líder de pessoas iguais a nós. Liderar pessoas diferentes nos tira da zona de conforto. Mas sair da zona de conforto é crescimento”, disse em palestra no Fórum CEO Brasil.

Veja a íntegra da palestra de Daniela Cachich no Fórum CEO Brasil:

Palestra de Daniela Cachich no Fórum CEO Brasil

[EXP] – Você já falava de diversidade e equidade antes do ESG estar em alta nas empresas. O que a levou a usar a força das marcas para desconstruir esses paradigmas?

[Daniela Cachich] – Eu acho que parte é um pouco da minha personalidade, de acreditar que a minha responsabilidade é do tamanho do meu privilégio, como uma mulher branca que teve acesso ao ensino privado nesse país. Quando eu cheguei nesses lugares de poder, de liderança, me vi no desafio de continuar entregando crescimento, de continuar trabalhando para que a companhia prospere, mas também entendendo que eu poderia ser uma grande agente de transformação, que eu poderia colocar esse privilégio em prática para transformar padrões que hoje não fazem mais sentido. Essa visão foi se fortalecendo ao longo da minha carreira. Eu acho que representatividade, diversidade, não é generosidade. Para ser cada vez mais relevante no nosso país é preciso falar para essas pessoas que estão querendo nos consumir e que muitas vezes não estão se sentindo representadas.

Você enfrentou resistências ao liderar essas campanhas nas organizações e quebrar paradigmas?
Todo agente de mudança gera fricção. A zona de conforto é confortável. Ao mesmo tempo, eu acredito que esses ambientes precisam desses agentes de transformação e de mudança. Não é todo mundo que vai ser um, mas são eles que fazem com que a gente tenha uma inflexão e vá para um lugar melhor. Outras pessoas vieram antes de mim e outras virão depois. A fricção acontece porque estamos desafiando o status quo.

"Quanto mais fui crescendo na minha carreira, mais entendi que era menos sobre mim e mais sobre o impacto que eu posso deixar para as pessoas que estão chegando" Daniela Cachich, Ambev

Além desse, quais são os outros papéis da liderança hoje?

A liderança está mudando bastante. Estamos muito mais próximos, menos hierárquicos, mais humanizados, ouvimos mais as pessoas. Hoje existem funções que são ocupadas por pessoas que têm muito mais capacidade técnica do que a alta liderança. Então muitas vezes a gente aprende com o liderado. No passado, o líder era quem sabia de tudo, quem tinha todas as informações. Hoje esses papéis se inverteram.

Outro aspecto é que temos que entender nossa responsabilidade, como liderança, em representar não só quem é semelhante à gente, mas o Brasil inteiro. O quanto eu, como mulher branca, por exemplo, estou entendendo o impacto daquela decisão também para uma mulher negra. Quanto mais fui crescendo na minha carreira, mais entendi que era menos sobre mim e mais sobre o impacto que eu posso deixar para as pessoas que estão chegando.

Você fala de B2P (Business to People) como modelo ideal de fazer negócios de forma sustentável. Como essa visão funciona na prática nas empresas?

Essa visão vem do fato de que no fim do dia a gente está falando com pessoas. Quando a gente quer vender um produto, estamos vendendo para uma pessoa, que tem dores, demandas, desejos. Então, se entendermos onde estão as dores dessas pessoas, vamos ser muito mais relevantes. E aqui estou falando de ver a pessoa como uma pessoa, não só como consumidor. Na Ambev, a gente chama as pessoas que nos consomem de lovers, são pessoas que amam as nossas marcas e essa não é só uma relação de consumo, é uma relação de amor e de engajamento pelas marcas. Então quanto mais focarmos em crescimento de negócio baseado no entendimento das pessoas, no Business to People, mais sustentável ele vai ser.

Como é estar à frente de uma divisão [Future Beverages and Beyond Beer] que trabalha 100% com foco na inovação?

Sim, a gente é uma divisão onde é tudo sobre inovação e esse é um grande desafio. Ao mesmo tempo, o consumidor brasileiro é ávido por novidades. As pessoas querem consumir coisas novas, gostam de novos sabores, novos formatos, então o grande desafio é como escolher, dentre um leque de inovação e possibilidades, quais são as que vão ser mais relevantes para as pessoas. Para isso temos que estar muito antenados, testar muita coisa na vida real, pegar o feedback das pessoas.

Tenho um time muito amplo, muito diverso, representativo. Quando a gente fala de inovação, quanto mais representativo é o seu time, mais chances de acertar. Quanto mais homogêneo for seu time, você está inovando apenas para aquele núcleo, não para o Brasil inteiro. Por isso nos desafiamos a ser, na nossa divisão, um time cada vez mais diverso e amplo.

"A junção do dinamismo da nova geração com a experiência da geração que está mais tempo no negócio é o melhor dos mundos."

Você apresentou em sua palestra no Fórum CEO Brasil uma dessas inovações, a Caipi Beats, lançada no Carnaval desse ano, que veio acompanhada de uma campanha de consumo responsável de álcool durante a folia. Como foi a construção desse produto?

É um case interessante, uma bebida que tem como base a cachaça, em uma empresa que sempre foi uma grande cervejaria e hoje se coloca como uma grande plataforma de negócios. Como o drinque do brasileiro é a caipirinha, tínhamos um desafio de desenvolver um produto que fosse o mais próximo possível disso, dentro de uma latinha ou de uma long neck e lançar no Carnaval. Foi na verdade uma grande aposta. Poderia ter dado muito certo, como poderia ter dado muito errado, porque a gente sabe que a resposta das pessoas ao nos consumirem é muito imediata. Mas foi um grande sucesso. Vendemos em um mês o que a gente imaginou que ia vender em três. Hoje, a Caipi Beats já representa quase 20% do volume da marca. Esse é o grande desafio da inovação: como encontrar uma tendência e a transformar em escala.

Você é uma das pessoas que levanta a bandeira do etarismo, já escreveu um artigo sobre como a mulher acima de 45 anos não é mais target das marcas. Por que, na sua visão, isso acontece e como vencer esse preconceito?

Ainda existe muito preconceito sobre a questão do etarismo. A silver economy, ou economia prateada, como a gente chama, por causa dos cabelos prateados, mostra que a população 45+ tem muito mais renda quando comparada com outras faixas etárias, está muito viva, muito ativa. Como as empresas olham para isso e criam produtos para elas, além de representá-las na sua comunicação? Isso ainda é um desafio. Há muito tabu quando falamos sobre o tema.

Mas vejo que a junção da nova geração com a experiência da geração que está mais tempo no negócio é o melhor dos mundos, porque reúne o dinamismo de quem está chegando com a experiência de quem já estava aí. Fico muito feliz em dizer que fui contratada pela Ambev aos 47 anos para ser presidente de uma divisão de inovação que poderia ter sido entregue a uma pessoa mais nova. Então, estou muito feliz em liderar essa área na Ambev.

"Na inovação, quanto mais diverso e representativo é o time, mais chance temos de acertar." Daniela Cachich, Ambev


Essa pode ser uma oportunidade de crescimento de mercado para as marcas?

As alavancas do crescimento sustentável passam por representarmos cada vez mais pessoas. Passam por trazer inovação e arriscar. Passam por conhecer cada vez mais o nosso consumidor e as pessoas que nos consomem. Então, para mim isso é a sustentabilidade do crescimento. Entender como podemos gerar impacto positivo na sociedade, porque a gente tem uma responsabilidade enorme.

Veja também:

– Vídeo da entrevista com Daniela Cachich

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