Previsivelmente irracional
Um estudo sobre as forças invisíveis que levam as pessoas a tomarem decisões erradas na vida e nos negócios, segundo um dos autores de livros sobre psicologia e economia comportamental mais vendidos nos EUA
Ideias centrais:
1 – Quer estejamos agindo como consumidores, negociantes ou fornecedores de políticas, entender como somos previsivelmente irracionais fornece um ponto de partida para melhorar nossa tomada de decisões e mudar a forma de viver.
2 – O conceito de zero, de grátis também se aplica ao tempo. Se passamos 45 minutos numa fila até chegar a vez de provarmos um sorvete grátis ou passamos meia hora preenchendo formulário para um mísero desconto, estamos deixando de fazer algo com o nosso tempo.
3 – Temos problemas de controle, de procrastinação. Mas temos também mecanismos de autocontrole. Se não conseguimos poupar do nosso contracheque para a aposentadoria, podemos utilizar a opção de dedução automática por nosso empregador. Se não gostamos de malhar sozinhos, podemos malhar em companhia de amigos.
4 – Por que somos desonestos com frequência? Preocupamo-nos com a honestidade diante de grandes transgressões, como furtar uma caixa inteira de canetas numa conferência. Pequenas transgressões, como roubar uma ou duas canetas, não são levadas em consideração.
5 – Uma vez que entendemos quando e onde podemos nos equivocar em nossas decisões, podemos tentar ser mais vigilantes, mais pontuais ou usar a tecnologia para superar deficiência inerentes. Esses são os chamados almoços grátis que engrandecem a vida.
Sobre o Autor:
Dan Ariely é professor de psicologia e economia comportamental na Universidade Duke. Autor de inúmeros livros e artigos científicos, é um dos membros fundadores do Center for Advanced Hindsight. Pela Sextante, lançou também A psicologia do dinheiro.
A jornada pelas várias maneiras como podemos ser irracionais é o tema deste livro. A disciplina que me permite lidar com esse tema chama-se economia comportamental (ou julgamento e tomada de decisões).
A economia comportamental é um campo relativamente novo que recorre a aspectos tanto da psicologia quanto da economia. Ela me fez estudar tudo, desde nossa relutância em poupar para aposentadoria até a incapacidade de pensar claramente durante a excitação sexual. Não foi só o comportamento que tentei entender, mas também os processos de tomada de decisão por trás de tal comportamento – o seu, o meu e o de todos os outros. Antes de prosseguir, vou tentar explicar brevemente em que consiste a economia comportamental e como difere da tradicional.
Na medida em que acreditamos na racionalidade humana, somos todos economistas. Não estou dizendo que cada um de nós consegue desenvolver intuitivamente modelos complexos de teoria dos jogos ou entender o axioma generalizado da preferência revelada. Ao contrário, quero dizer que mantemos as crenças básicas sobre a natureza em que se baseia a economia. Neste livro, quando menciono o modelo de economia racional, estou me referindo ao pressuposto básico que a maioria dos economistas e muitos de nós mantemos sobre a natureza humana: a simples e irresistível ideia de que somos capazes de tomar as decisões certas.
Embora seja justificável a admiração pelo que o ser humano é capaz de fazer, existe uma grande diferença entre esse sentimento e a afirmação de que nossas capacidades de raciocínio são perfeitas. Na verdade, este livro é sobre a irracionalidade humana, sobre quão distantes estamos da perfeição. Reconhecer em que ponto nos afastamos do ideal é importante para entendermos a nós mesmos, e isso promete muitos negócios práticos. Compreender a irracionalidade é fundamental para nossas ações e decisões do dia a dia e para perceber como projetamos nosso ambiente e as opções que se apresentam.
Minha observação adicional é que não apenas somos irracionais, mas também previsivelmente irracionais – nossa irracionalidade ocorre sempre da mesma maneira, repetidas vezes. Quer estejamos agindo como consumidores, negociantes ou fornecedores de políticas, entender como somos previsivelmente irracionais fornece um ponto de partida para melhorar nossa tomada de decisões e mudar a forma como vivemos.
Verdade sobre a relatividade. A relatividade nos ajuda a tomar decisões na vida, mas pode também nos derrubar. Por quê? Porque ciúme e a inveja brotam da comparação do que nos coube na vida com o que coube aos outros.
Foi por uma boa razão, afinal, que um dos Dez mandamentos advertiu: “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo nem o seu servo nem a sua serva nem o seu boi nem o seu jumento nem coisa alguma que pertença a teu próximo.” Este deve ser o mandamento mais difícil de seguir, considerando que, por nossa própria natureza, somos programados para comparar.
Em outra notícia, um médico explicou que se graduou em Harvard com o sonho de um dia receber um Prêmio Nobel pelas pesquisas sobre câncer. Aquele era seu objetivo. Aquele era seu sonho. Entretanto, alguns anos depois, ele percebeu que vários de seus colegas vinham ganhando, como consultores de investimentos médicos em empresas de Wall Street, mais do que na medicina. Ele antes estava satisfeito com sua renda, mas, ao ouvir falar dos iates e das casas de campo de seus amigos, subitamente se sentiu bem pobre. Dessa forma, tomou outro rumo em sua carreira: o rumo de Wall Street. Vinte anos após a formatura, ele estava ganhando dez vezes mais do que a maioria dos seus colegas ganhava na medicina. Ele não ganhou o Prêmio Nobel, mas abdicara de seus sonhos por um salário mais alto. É de admirar que médicos de família, que ganham em média US$ 160 mil anuais, estejam em falta nos Estados Unidos?
Podemos fazer alguma coisa em relação a esse problema da relatividade? A boa notícia é que às vezes podemos controlar os “círculos” à nossa volta, aproximando-nos de círculos menores que promovam uma felicidade relativa. Se estamos na reunião da turma da faculdade e existe um “grande círculo” no meio do salão vangloriando-se dos altos salários, podemos conscientemente nos afastar um pouco e conversar com outras pessoas. Se estamos pensando em comprar uma casa nova, podemos ser seletivos com as casas que visitamos, evitando aquelas que estão acima de nossos recursos. Se cogitamos comprar um carro novo, podemos nos concentrar nos modelos ao nosso alcance, e assim por diante.
Efeito do preço zero. Na terra dos preços, zero não é apenas outro preço. Com certeza, 10 centavos podem fazer uma enorme diferença na demanda (suponha que você esteja vendendo milhões de barris de petróleo), mas nada supera a onda emocional do GRÁTIS. O efeito do preço zero é uma categoria própria.
Sem dúvida, “comprar algo por nada” é um tanto paradoxal. Mas vou dar um exemplo de como caímos com frequência na armadilha de comprar algo que não queremos só por causa desta substância pegajosa: GRÁTIS!
Em 2007, vi em um jornal o anúncio de um grande fabricante de eletrônicos oferecendo sete DVDs GRÁTIS se eu comprasse seu novo aparelho de DVD de alta definição. Em primeiro lugar, eu precisava daquilo? Presumivelmente, não. Mesmo que precisasse, não seria mais sensato aguardar a queda de preço? Ele sempre cai – e o aparelho de DVD de alta definição que hoje custa US$ 600 logo custará US$ 200. Segundo, o fabricante tinha uma intenção clara por trás de sua oferta. Seu sistema de DVD de alta definição sofria uma competição acirrada com o Blu-Ray, um sistema respaldado por muitos outros fabricantes. Na época, o Blu-Ray estava na frente e, desde então, passou a dominar o mercado. Quanto vale o GRÁTIS quando a máquina oferecida logo estará obsoleta (como os videocassetes Betamax)? Estes são dois pensamentos racionais que poderiam nos impedir de cair sob o feitiço do GRÁTIS. Mas, caramba, esses DVDs parecem bons!
O conceito de zero também se aplica ao tempo. O tempo gasto em uma atividade, afinal, é o tempo retirado de outra. Assim, se passamos 45 minutos em uma fila até chegar a nossa vez de provarmos um sorvete grátis ou passamos meia hora preenchendo um longo formulário por desconto minúsculo, existe algo mais que estamos deixando de fazer com o nosso tempo.
Meu exemplo pessoal favorito é o dia de entrada grátis em um museu. Apesar do fato de a maioria dos museus não serem caros, acho mais atraente satisfazer meu desejo por arte quando o preço é zero. Claro que não estou sozinho. Nesses dias, em geral, constato que o museu está superlotado, a fila é longa, é difícil ver qualquer coisa, e enfrentar multidões é desagradável. Será que é um erro ir ao museu no dia de entrada grátis. Claro que sim – mas vou assim mesmo.
Normas sociais x mercado. A lição básica é que, quando oferecemos às pessoas um pagamento financeiro em uma situação governada por normas sociais, a oferta poderia reduzir a motivação delas em se envolver e ajudar.
Mas se a situação fosse invertida e pedíssemos às pessoas que nos pagassem por algo? O efeito das normas sociais funcionaria da mesma forma? Essa foi a pergunta que Uri Gneezy (professor da Universidade da Califórnia em San Diego), Ernan Haruvy (professor da Universidade do Texas em Dallas) e eu quisemos explorar: o efeito de misturar normas sociais e do mercado à demanda?
Para pensarmos mais concretamente sobre esse efeito, imagine que uma de suas colegas de trabalho – vamos chamá-la de Susan – é uma confeiteira talentosa. Num fim de semana, em um ataque de tédio, Susan assa 100 biscoitos com gotas de chocolate e aveia usando a famosa receita da avó, e existem umas 100 pessoas no escritório. Como sua escrivaninha fica ao lado da dela, Susan passa na sua mesa primeiro e coloca diante de você a caixa com todas aquelas guloseimas cheirosas. Quantas você pegaria e como decidiria isso? Há grandes chances de que consideraria, entre outros fatores, seu nível de fome, sua dieta, sua paixão por biscoitos com chocolate e aveia. Você também poderia pensar em como seus colegas se sentiriam se os biscoitos acabassem e se soubessem que você pegou um montão deles. Com tudo isso em mente, inclusive a importância das normas sociais, você decide pegar um ou dois.
Agora, vejamos uma variação dessa situação. Dessa vez, Susan passa na sua mesa perguntando se você quer comprar biscoitos por 50 centavos cada. Quantos você pegaria e o que determinaria sua decisão? Provavelmente, você de novo levaria em conta seu nível de fome, sua dieta e sua paixão por biscoitos com gotas de chocolate e aveia. Mas, ao contrário do caso anterior, dessa vez você não terá escrúpulos em comprar um montão para comer e levar para casa (sabendo como seus filhos os adoram), nem sequer pensaria no fato de que, ao ficar com tantos biscoitos, estará privando seus colegas da mesma alegria.
Ao longo de nossa vida diária, com frequência somos requisitados para investir esforço em reciclagem, passar tempo vigiando o bairro, ajudar na escola de nossos filhos, trabalhar voluntariamente distribuindo sopa aos pobres e muito mais. Em cada um desses casos, poderíamos argumentar que participar dessas atividades faz pouco sentido econômico. Por que não pagar alguém para reciclar por nós, vigiar nosso bairro, ajudar na escola de nossos filhos ou distribuir comida aos pobres? Certo, investir esforço em vez de dinheiro pode ser economicamente ineficiente, mas poderia contribuir para nos manter no domínio das normas sociais e, portanto, para que levemos em conta o bem-estar dos outros.
Procrastinação e autocontrole. No cenário americano, povoado por mansões, carrões e TVs de tela grande, surge outro fenômeno: o maior declínio na taxa de poupança pessoal desde a Grande Depressão.
Não seria mais sensato se os americanos aprendessem a poupar, como nos velhos tempos e como faz o resto do mundo, desviando algum dinheiro para o cofrinho e adiando algumas compras até terem como pagá-las? Por que não conseguem poupar parte de seus contracheques, mesmo sabendo que deveriam? Por que não resistem a novas compras? Por que não exercem algum controle como antigamente?
Quanto perdemos quando nossos impulsos fugazes nos desviam das metas de longo prazo? Quanto nossa saúde é afetada pelas consultas que desmarcamos e pela falta de exercícios físicos? Em quanto se reduz nossa riqueza quando esquecemos da promessa de poupar mais e consumir menos? Por que perdemos com tanta frequência a batalha contra a procrastinação?
Como professor universitário, estou bem familiarizado com a procrastinação. No início de cada semestre, meus alunos fazem promessas heróicas a si mesmos – juram fazer as leituras em tempo, apresentar suas dissertações em tempo e, em geral, manter-se em dia com as matérias. E a cada semestre observo como a tentação faz com que saiam para namorar, para a reunião do grêmio estudantil ou uma viagem para esquiar nas montanhas – enquanto a carga de trabalho é deixada para trás. No fim, eles acabam me impressionando, não com o cumprimento do prazo, mas com a criatividade: inventam histórias, desculpas e tragédias familiares para explicar seu atraso. (Por que tragédias familiares costumam ocorrer nas últimas duas semanas do semestre?)
Qual a conclusão? Temos problemas com o autocontrole, relacionados à gratificação imediata e adiada – até aí, nenhuma dúvida. Mas cada um dos problemas que enfrentamos possui mecanismos potenciais de autocontrole também. Se não conseguimos poupar do nosso contracheque, podemos tirar proveito da opção de dedução automática por nosso empregador. Se não temos vontade de malhar regularmente sozinhos, podemos combinar de malhar em companhia de nossos amigos. Essas são as ferramentas com que podemos nos comprometer de antemão, e podem nos ajudar a ser o tipo de pessoas que desejamos.
Manter as portas abertas. No contexto do mundo atual, mostramos empenho em manter abertas todas as nossas alternativas. Compramos o sistema de computador expansível, para o caso de precisarmos de todos aqueles aprimoramentos de alta tecnologia. Compramos as apólices de seguro oferecidas com a TV de alta definição, para a eventualidade de a tela grande ficar sem imagens. E compramos um utilitário de luxo off-road não porque realmente pretendemos pegar uma estrada de terra, mas porque, caso peguemos, queremos ter um carro resistente.
Nem sempre estamos conscientes disso, mas em cada caso abrimos mão de algo em troca dessas opções. Acabamos tendo um computador com mais funções do que precisamos ou um aparelho de som com uma garantia desnecessariamente cara. Ao corrermos para lá e para cá entre as coisas que poderiam ser importantes, esquecemos de dedicar tempo ao que realmente importa. É um jogo de insensatos, em que somos muito craques.
Temos uma compulsão irracional por manter as portas abertas. É assim que estamos programados. O que não significa que não devemos fechá-las. Pense num episódio fictício: Rhett Butler deixando Scarlett O’Hara em …E o vento levou, na cena em que Scarlett se agarra a ele e implora: “Aonde irei? Que farei?” Rhett, já cansado de Scarlett, diz: “Francamente, querida, eu não dou a mínima.” Não foi por acaso que esta foi eleita a fala mais memorável da história do cinema. É o fechamento enfático de uma porta que a torna mais atraente. E deveria ser um lembrete a todos nós de que há portas – pequenas e grandes – que deveríamos fechar.
Eis outro exemplo. Um dos meus amigos levou três meses para escolher uma câmera entre dois modelos quase idênticos. Quando enfim tomou sua decisão, perguntei-lhe quantas oportunidades de fotos havia perdido, quanto tempo valioso gastara fazendo a escolha e quanto teria pagado para ter fotos da família e dos amigos documentando os últimos três meses. Mais do que o preço da câmera, ele disse. Algo assim já aconteceu com você?
Poder do preço. E o mais importante: quero sondar um aspecto dos placebos que ainda não é compreendido; o papel que o preço desempenha nesse fenômeno. Um remédio caro faz com que nos sintamos melhores do que quando tomamos um remédio barato? Poderá de fato nos deixar fisiologicamente melhores do que uma marca mais barata? Como ficam os procedimentos de alto custo e os aparelhos de nova geração, como marca-passos digitais e stents de alta tecnologia? O preço influencia sua eficácia? Em caso positivo, isso significa que a conta da assistência médica nos Estados Unidos continuará disparando?
Em geral, dois mecanismos moldam as expectativas que fazem os placebos funcionarem. Um é a crença – nossa confiança ou fé no remédio, no procedimento no profissional de saúde. Às vezes, basta que o médico ou a enfermeira nos dê atenção e nos tranquilize para que não apenas nos sintamos melhor, mas também para que nossos processos de cura internos se desencadeiem. Até o entusiasmo de um médico por tratamento ou procedimento específico pode nos predispor a um resultado positivo.
O segundo mecanismo é o condicionamento. À semelhança dos famosos cães de Pavlov (que aprenderam a salivar ao ouvirem o soar de uma campainha), o corpo desenvolve expectativa após repetidas experiências e libera substâncias químicas que nos preparam para o futuro. Suponha que você encomendou pizza uma noite após outra. Quando o entregador aperta a campainha, seus sucos digestivos começam a fluir antes mesmo de você cheirar a pizza.
Na realidade, os médicos fornecem placebos o tempo todo. Por exemplo, um estudo realizado em 2009 constatou que mais de um terço dos pacientes medicados com antibióticos para garganta inflamada estavam na verdade com infecções virais, para as quais um antibiótico não exerce nenhum efeito (e possivelmente contribui para aumentar o número de infecções bacterianas resistentes a medicamentos que ameaçam todos nós). Mas você acha que os médicos vão parar de receitar antibióticos para resfriados virais? Mesmo entendendo que um resfriado é viral, e não bacteriano (e muitos resfriados são virais), os médicos sabem muito bem que o paciente quer algum tipo de alívio. Geralmente, ele espera sair do consultório com uma receita na mão. É correto o médico satisfazer essa necessidade psíquica?
Contexto do nosso caráter. Quando o escândalo da Enron estourou em 2001 (e ficou claro que a empresa, considerada a mais inovadora dos Estados Unidos” pela revista Fortune por seis anos consecutivos, deveu grande parte de seu sucesso a fraudes contábeis), Nina Mazar, On Amir (professor da Universidade da Califórnia em San Diego) e eu nos vimos discutindo o tema da desonestidade durante o almoço. Queríamos saber por que alguns crimes, particularmente crimes de colarinho-branco, são julgados com menos rigor do que outros – em especial por que seus perpetradores conseguem infligir mais dano financeiro, entre seu café da manhã e o almoço, do que um arrombador corriqueiro em toda a sua vida?
Após certa discussão, concluímos que poderia haver dois tipos de desonestidade. Um deles é o que evoca a imagem de uma dupla de facínoras rondando um posto de gasolina. Observam quanto dinheiro pode estar entrando na caixa registradora, se alguém pode estar de espreita, enfim calculam o custo-benefício. Aí decidem assaltar o local. Depois, o segundo tipo de desonestidade é aquele cometido por pessoas que em geral se consideram honestas: homens e mulheres que surrupiam uma caneta na conferência, exageram o valor da TV num relatório de perdas etc.
Mas se a honestidade é importante (em pesquisa com cerca de 36 mil alunos do ensino médio nos Estados Unidos, 98% deles disseram que era importante ser honesto e faz com que nos sintamos bem, por que somos desonestos com tanta frequência?
Esta é a nossa interpretação. Preocupamo-nos com a honestidade e queremos ser honestos. O problema é que nosso monitor interno de honestidade só está ativo quando contemplamos grandes transgressões, como furtar uma caixa inteira de canetas de uma sala de conferência. Para as pequenas transgressões, como pegar só uma ou duas canetas, nem levamos em consideração o efeito dessas ações em nossa honestidade, portanto, nosso superego fica dormente.
No momento, diversas ordens de advogados estaduais e organizações profissionais [dos EUA, especificamente] estão lutando para reforçar sua ética profissional. Algumas estão aumentando o currículo dos cursos na faculdade e na pós-graduação, outras estão exigindo cursos de atualização em ética.
Essas medidas gerais funcionarão? Lembremos que os advogados prestam juramento quando admitidos na Ordem, assim como os médicos prestam um juramento quando ingressam na profissão. Mas juramentos e declarações de obediência às regras ocasionais não bastam. Quando as normas sociais colidem com as do mercado, as sociais desparecem e as do mercado permanecem. Ainda que a analogia não seja exata, a honestidade oferece uma lição afim: uma vez que a ética profissional (as normas sociais) tenha declinado, conseguir recuperá-la não será fácil.
Almoço grátis. Os economistas comportamentais acreditam que as pessoas são suscetíveis a influências irrelevantes de seu ambiente imediato (que chamamos de efeitos de contexto), emoções irrelevantes e outras formas de irracionalidade. Que boa notícia pode acompanhar tal percepção? A boa notícia é que esses erros também fornecem oportunidades de desenvolvimento. Se cometemos erros sistemáticos em nossas decisões, por que não desenvolver estratégias, ferramentas e métodos novos para nos ajudar a tomar melhores decisões e melhorar nosso bem-estar geral? Esse é o significado de “almoço grátis” da perspectiva da economia comportamental: a ideia de que existem ferramentas, métodos e políticas que podem nos ajudar a alcançar o que desejamos.
Quando o plano “Poupe mais amanhã” foi implementado no teste de Thaler e Benartzi, os funcionários aderiram e concordaram em aumentar percentualmente sua contribuição com seus futuros aumentos de salário. Qual foi o resultado? Nos anos seguintes, quando os funcionários receberam aumentos, as taxas de poupança subiram de cerca de 3,5% para 13,5% – um ganho para os funcionários, suas famílias e a empresa, que passou a contar com empregados mais satisfeitos e menos preocupados.
Esta é a ideia básica do almoço grátis: beneficiar todas as partes envolvidas. Note que esse almoço grátis não precisa ser sem custo (implementar o cartão de crédito de autocontrole ou o “Poupar mais amanhã” inevitavelmente envolve um custo). Na medida em que esses mecanismos fornecem mais benefícios do que custos, deveríamos considerá-los almoços grátis – mecanismos que fornecem benefícios líquidos a todos os envolvidos.
Embora a irracionalidade seja corriqueira, isso não significa necessariamente que estamos indefesos. Uma vez que entendemos quando e onde podemos nos equivocar em nossas decisões, podemos tentar ser mais vigilantes, nos forçar a pensar de maneira diferente ou usar a tecnologia para superar nossas deficiências inerentes. Empresas e formuladores de políticas poderiam revisar seu pensamento e avaliar como projetar políticas e produtos de modo a fornecer almoços grátis.
Resenha: Rogério H. Jönck
Fotos: reprodução; NeONBRAND, Alicia Steels e Mark Fletcher-Brown / Unsplash; fizkes / iStock
Ficha técnica:
Título: Previsivelmente irracional – As forças invisíveis que nos levam a tomar decisões erradas
Título original: Predictably irrational
Autor: Dan Ariely
Primeira edição: Sextante
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