Gestão

Nova NR-1 é adiada para 2026, mas especialistas recomendam adequação imediata

Monica Miglio Pedrosa

A atualização da Norma Regulamentadora número 1 (NR-1), que deveria entrar em vigor nesta segunda-feira, foi oficialmente adiada para o dia 26 de maio de 2026. A nova versão da norma exige que as empresas passem a incluir a gestão dos riscos psicossociais no escopo das práticas de Saúde e Segurança do Trabalho (SST), reconhecendo a saúde mental como um fator determinante para ambientes de trabalho sustentáveis.

Embora a exigência legal tenha sido postergada a apenas onze dias de entrar em vigor, por meio da Portaria MTE no 765, especialistas alertam que as empresas não devem esperar até o último momento para agir. Os motivos vão, além do cuidado com o bem-estar dos colaboradores, a necessidade de reduzir perdas financeiras decorrentes dos transtornos de saúde mental que afetam diretamente a produtividade e os resultados dos negócios.

Dados do Ministério da Previdência Social confirmam a gravidade do cenário. Em 2024, os benefícios por incapacidade temporária relacionados à saúde mental mais que dobraram em relação a 2022, saltando de 201 mil para 472 mil casos. Esses números estão em linha com dados da Organização Mundial de Saúde que mostram que o Brasil lidera o ranking global de transtornos de ansiedade e registra o maior número de casos de depressão na América Latina.

O impacto dessa crise nas empresas é expressivo. Baixa produtividade, absenteísmo, turnover voluntário, aumento dos sinistros nos planos de saúde e passivos trabalhistas associados a assédio e burnout são algumas das consequências. A nível global, doenças mentais são as responsáveis por perdas de produtividade na casa de US$ 1 trilhão. No Brasil, um estudo elaborado pela gerência de economia e finanças empresariais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), calculou que a perda no faturamento das empresas é de R$ 397,2 bilhões por ano. Na economia como um todo, as perdas chegam a 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

O que a NR-1 passará a exigir das empresas

Nesse contexto, a atualização da NR-1 exige que todas as empresas com vínculo empregatício implementem um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)  que contemple os riscos psicossociais. Isso implica ir além dos benefícios pontuais e adotar uma abordagem estratégica e estruturada para a saúde mental.

Desde a pandemia, quando se iniciou uma escalada de crescimento de transtornos de saúde mental no Brasil e no mundo, e especialmente a partir de 2022, quando a OMS incluiu a síndrome de burnout como doença ocupacional na Classificação Internacional de Doenças (CID), as empresas têm intensificado o investimento em benefícios corporativos como descontos em academias, acesso a sessões de psicoterapia ou a programas de meditação e yoga.

“O que a nova NR-1 passa a exigir é um olhar mais estruturado desses benefícios isolados, que precisam ser mensurados e gerenciados. É preciso saber o que funciona e o que não funciona e como conectar o plano de ação à cultura da empresa”, explica Erica Siu, CEO da Caliandra Saúde Mental, que atende empresas tanto em situações de emergência — como casos de suicídio, burnout ou desastres naturais — como em projetos estruturados de saúde mental. Erica aponta que muitas empresas só se voltam para a importância desse cuidado quando se deparam com casos graves, mas essa deveria ser uma preocupação de todas as organizações.

“O ROI de um programa de saúde mental pode chegar a R$ 4 para cada R$ 1 investido.”

[Erica Siu – CEO da Caliandra Saúde Mental]

Erica Siu, CEO da Caliandra Saúde Mental
Erica Siu, CEO da Caliandra Saúde Mental

“A maior lacuna que as empresas apresentam para estar em compliance com a nova NR-1 é o fato de elas não perguntarem como seus colaboradores estão”, revela Mariana Schäffer, Head de Vendas da Gupy, HRTech que usa a tecnologia para apoiar as áreas de Recursos Humanos no recrutamento e seleção de candidatos, no processo de admissão, com uma plataforma de educação continuada, e com pesquisas de clima e engajamento, entre outras frentes.

Mariana conta que muitas empresas expressam receio de iniciar esse diagnóstico, porque precisarão fazer algo a respeito com os resultados e não sabem se terão o investimento ou a equipe necessária para atuar nas questões que surgirem. “Independentemente de a empresa estar medindo ou não a qualidade da saúde mental dos seus colaboradores, isso já é uma realidade na empresa. É melhor ter um diagnóstico para criar planos de ação que ajudem a reverter o quadro”, afirma.

Por onde começar?

O mapeamento dos riscos psicossociais nas empresas é o primeiro passo do processo. A Gupy, que adquiriu em 2023 a Pulses, plataforma especializada em pesquisas voltadas à gestão de pessoas, utiliza essa ferramenta para obter um diagnóstico preciso sobre como os colaboradores percebem seu nível de engajamento, a relação com as lideranças e a segurança psicológica no ambiente de trabalho. Com uma base de mais de 4 mil clientes, como Vivo, Embraer e Assaí Atacadista, a Gupy também permite que a empresa faça benchmarking com o mercado, o que contribui para orientar sua posição em relação a outras companhias.

Além do diagnóstico, a Gupy atua na formação dos colaboradores sobre o tema, por meio de sua plataforma de educação corporativa. A HRTech oferece soluções de treinamento contínuo, que vão desde o onboarding até cursos específicos sobre riscos psicossociais, todos disponíveis na própria plataforma. “A NR-1 exige que os colaboradores sejam treinados para reconhecer os riscos e conhecer os canais de denúncia e as ações adotadas pela empresa”, explica Mariana.

“Independentemente de a empresa estar medindo ou não a qualidade da saúde mental dos seus colaboradores, isso já é uma realidade na empresa. É melhor ter um diagnóstico para criar planos de ação que revertam o quadro.”

[Mariana Schäffer – Head de Vendas da Gupy]

Mariana Schaeffer, Head de Vendas da Gupy
Mariana Schäffer, Head de Vendas da Gupy

“O primeiro passo é identificar os riscos psicossociais, que inclui compreender o perfil dos trabalhadores e das atividades que exercem. Usamos questionários quantitativos e anônimos, entrevistas qualitativas individuais, rodas de conversa e oficinas. O mais importante é ouvir a organização em todos os seus níveis, da base à liderança, e obter uma visão 360o”, explica Erica.

Com o diagnóstico em mãos, a etapa seguinte consiste em definir e implementar planos de ação, priorizando iniciativas que ofereçam o maior impacto com o menor custo. Após a implementação, é fundamental medir novamente os resultados e aprimorar continuamente a estratégia. Para além da gestão estruturada dos riscos psicossociais, outro desafio das empresas é integrar a saúde mental à estratégia organizacional. “O retorno sobre esse tipo de investimento pode chegar a quatro vezes o valor aplicado”, afirma Erica. EDP, Setin e Fundação Zerrenner são alguns dos clientes da Caliandra Saúde Mental.

Atividade física e qualidade de vida

Felipe Calbucci, CEO da TotalPass na América Latina, destaca que diversos estudos já comprovaram que a atividade física tem papel central na prevenção de transtornos mentais. “Quando pensamos em saúde mental, logo lembramos de terapia e meditação, mas muitas vezes esquecemos que a saúde física está diretamente conectada ao bem-estar emocional”, afirma.

A TotalPass, empresa do Grupo Smart Fit, atua como um benefício corporativo voltado à saúde e ao bem-estar, e conta com mais de 25 mil academias conveniadas em 1.600 cidades brasileiras. Sua proposta se baseia em três pilares complementares: o Total Fit, com foco na prática de atividades físicas; o Total Mind, que oferece sessões de psicoterapia online e áudios de meditação por meio de parcerias com a Conexa e o Zen App; e o Total Nutri, com acesso facilitado a serviços de nutrição. Juntos, esses pilares formam um modelo integrado de promoção da saúde.

Quando pensamos em saúde mental, logo lembramos de terapia e meditação, mas esquecemos que a saúde física está totalmente conectada ao bem-estar emocional.”

[Felipe Calbucci – CEO da TotalPass na América Latina]

Felipe Calbucci - CEO da TotalPass na América Latina
Felipe Calbucci – CEO da TotalPass na América Latina

Presente em empresas como Bradesco e Nestlé, a TotalPass tem se consolidado como um diferencial nas estratégias corporativas de bem-estar. “Temos 12 mil colaboradores cadastrados, é um dos benefícios de maior aderência. Quando investimentos em programas como este, nosso principal foco não é obter retorno financeiro, mas promover qualidade de vida, uma rotina equilibrada e um ambiente de trabalho saudável. A melhora em qualquer KPI é consequência direta de uma implementação bem-sucedida”, declara Fabricio Pavarin, Head de Total Rewards & People Data/Analytics da Nestlé Brasil.

Os executivos são unânimes em afirmar que o adiamento da NR-1 não deve ser interpretado como uma oportunidade para adiar providências. Pelo contrário, representa uma chance para que as empresas se antecipem e estruturem suas estratégias. Estar em conformidade com a lei será obrigatório apenas a partir de 2026. Mas reconhecer que cuidar da saúde mental dos colaboradores é também cuidar dos resultados da empresa e base para o crescimento sustentável é urgente.

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