Rappi mira o mercado B2B e prevê expansão na América Latina
Por Monica Miglio Pedrosa
Nascida e criada na Sérvia, Tijana Jankovic se mudou para Milão, na Itália, para estudar Economia Internacional na Università Bocconi. Depois, fez o mestrado em Matemática Aplicada pela The London School of Economics and Political Science, iniciando a trajetória profissional no mercado financeiro tradicional, no BNP Paribas, em Londres. Após sete anos, em 2013 foi transferida de maneira inesperada para o Brasil. O que seria uma experiência de apenas um ano em um projeto no país virou uma paixão que a levou a ficar até hoje em terras verde e amarelas.
Além da mudança de país Tijana pivotou em 180º a carreira após três anos no Brasil. Ela aceitou um convite do Uber em 2017, abraçando o disruptivo mercado de tecnologia, e teve uma passagem pelo Google até ser convidada à posição de General Manager na Rappi, em 2020. Em maio desse ano, a executiva assumiu a posição de Vice-Presidente Global de Negócios da Rappi, onde passou a trabalhar diretamente com o fundador da companhia, Sebastian Mija.
Criada em 2015, a Rappi nasceu na Colômbia como uma solução para conectar pequenos negócios, as chamadas “lojas de bairro”, aos usuários da região. Hoje, é um business presente em nove países, com mais de 4 mil colaboradores e 20 milhões de usuários ativos na América Latina, além de 180 mil parceiros ativos e 350 mil entregadores.
Nessa entrevista à [EXP], Tijana conta como ela liderou uma ação no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) junto a outras 40 empresas e associações do setor de delivery de restaurantes contra práticas de exclusividade do iFood e ganhou a empreitada. A executiva detalha também os planos de expansão da Rappi para o mercado B2B e para outros países da América Latina e fala sobre a decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que reconhecia vínculo de emprego entre entregador e a Rappi, e que foi cassada no fim de novembro.
Veja também a entrevista com Tijana Jankovi na nossa plataforma de vídeos:
[EXP] – Tijana, como aconteceu sua transição do mercado financeiro tradicional para o mundo da tecnologia?
Tijana Jankovic – Comecei no mercado financeiro em Londres, onde fiquei por sete anos, até ser transferida para o Brasil, para uma experiência que duraria a princípio um ano. Nunca mais fui embora. Em 2016, fui expatriada para Nova York pelo BNP Paribas, onde trabalhava, mas não queria a mudança. Costumo dizer que esse foi ao mesmo tempo o pior e o melhor ano da minha vida, pois me levou a mudar minha carreira, sair do mercado financeiro e migrar para o de tecnologia. Minha ida para o Uber foi uma transição 180º para um mercado disruptivo, que estava em franca expansão, e que me fez nunca mais olhar para trás.
Quais as principais mudanças entre esses dois caminhos de sua jornada, um mais tradicional e outro mais disruptivo?
São várias as mudanças. A principal é que o mercado financeiro é mais fechado, individual e impessoal. No mercado de tecnologia, os negócios são feitos por meio da amizade, da confiança, é muito mais informal. Mas não é um jeito que agrada todo mundo. Conheço vários estrangeiros que não gostam desse tipo de relação, pois não há limites claros entre a vida pessoal e profissional no Brasil, o que é verdade. Mas para quem gosta disso, que é meu caso, é impossível pensar em fazer de outro jeito.
Você esteve como CEO da operação brasileira da Rappi em um momento muito difícil do Brasil e do mundo, durante a pandemia. Ao mesmo tempo, foi um momento de grandes oportunidades para o negócio. Como foi estar à frente da operação nesse período?
Entrei em junho de 2020 na Rappi, no meio da pandemia, e bem no começo da segunda onda mais dura, mais drástica no Brasil. Foi um momento exponencial de todas as formas. A operação dobrava dia após dia. Operacionalmente, do ponto de vista de tecnologia, a maioria das empresas não estava pronta para viver uma mudança extrema de demanda de um dia para o outro. Foi um período em que trabalhamos o triplo, nos ajustando para “construir com o avião voando”. Foi também um momento de extrema responsabilidade, porque passamos de um serviço de conveniência para um serviço de necessidade básica, de entregar os itens do dia a dia para a população, principalmente as do grupo de risco, que não podiam sair de casa.
A Rappi liderou uma ação no Cade, junto a outras 40 empresas e associações, para derrubar práticas de exclusividade do iFood com restaurantes da plataforma, permitindo que o mercado de delivery ficasse mais competitivo. A decisão favorável saiu no começo desse ano. No que consistiu essa ação?
Foi um processo de quase três anos que envolveu várias empresas de diferentes setores de food service, inclusive a Abrasel, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. O objetivo era ter um mercado com um acesso mais equilibrado para todos. Infelizmente durante esse longo período de avaliação do Cade, alguns competidores deixaram o mercado, como o Uber Eats e o 99 Foods. Foi uma grande surpresa, mas as verticais foram fechadas diante dessas práticas anticompetitivas que eram permitidas até então. O Cade fez uma avaliação muito profunda desses acordos e chegou à conclusão que de fato era uma prática que não era favorável para a indústria como um todo. Estamos muito otimistas que agora vamos ter um mercado mais competitivo e melhor para todos, especialmente a partir do próximo ano.
Quais foram exatamente as mudanças impostas pelo Cade?
O iFood tinha contratos de exclusividade que não permitiam aos restaurantes parceiros usar outras plataformas de delivery e essas cláusulas os impediam de sair porque estavam sujeitos a multas de várias vezes o faturamento. Por estarem em uma situação financeira muito prejudicada na pandemia, esses restaurantes não tinham muito poder de barganha. Era uma indústria muito enfraquecida financeiramente à época e uma plataforma muito fortificada. Então a decisão do Cade, que autoriza no máximo 25% dos parceiros do iFood estarem vinculados a acordos de exclusividade, é favorável não só para a Rappi e outros players mas também para todo o ecossistema de restaurantes. Esperamos que esse seja um mercado mais justo para todos os competidores da cadeia.
Que mudanças a pandemia trouxe para a Rappi, em termos de oferta de serviço?
Estamos hoje em nove países, operando de seis a sete diferentes verticais por país. É um ecossistema muito complexo, que opera em mais de 60 unidades de negócio. Após a pandemia entendemos que a definição da palavra conveniência tem um novo significado para os consumidores. Antes, era normal receber um produto via e-commerce em cinco ou até sete dias. Hoje, esperar algumas horas não é mais aceitável. Lançamos o Rappi Turbo, entrega de conveniência em até 10 minutos, que teve um efeito mágico nos consumidores e é viciante. Os clientes entenderam ainda que, se a Rappi consegue entregar conveniência em 10 minutos, pode entregar outras coisas também. Hoje estamos em um processo de “turbinizar”, como chamamos internamente, de acelerar tudo o que entregamos. A entrega de restaurantes, que leva em média 33 minutos, deve ser acelerada para até 15 minutos. O mesmo com os itens de farmácia. Esse serviço de ultraconveniência é algo que faz grande diferença na jornada do consumidor hoje.
Quantos clientes o Rappi Turbo atende?
Hoje, mais de 80% dos nossos usuários usam o Rappi Turbo, que está disponível em 12 capitais. Verticalizamos esse serviço e operamos por meio de 100 lojas e vários microcentros de distribuição espalhados pelo Brasil. Usamos inteligência de dados para conhecer os produtos que são mais consumidos por bairro e, usando a tecnologia logística, trabalhamos para que a entrega aconteça em até 10 minutos. Um aspecto interessante é que, olhando para os nove países em que operamos, os brasileiros são os que têm mais pressa. Testamos várias propostas de valor: 10, 15 e até 20 minutos, mas o brasileiro queria mesmo receber em até 10 minutos.
Como vocês usam a tecnologia para definir o sortimento das praças?
Cada loja do Rappi Turbo, cada centro de microdistribuição tem entre 1.000 e 1.200 itens diferentes. Temos um sortimento completamente diferente para atender uma região como o Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo, e uma loja em Santos, ou no Recife. Temos uma grande vantagem pois, como operamos o serviço de supermercados em todo o país, sabemos o que as pessoas consomem em cada localidade. Isso fomenta nossa primeira lista por bairro.
Usando tecnologias de dados e machine learning e vamos apurando melhor o consumo por região. Não me canso de analisar esses dados, até porque os top sellers mudam muito. Sabe qual é o item que mais vende em São Paulo? O pão fresco. Fizemos então uma parceria com a Galeria dos Pães para fornecer esse item para todos nossos clientes Rappi Turbo. Em Recife, o item mais vendido é frango. Esse é o mágico e o trágico do nosso negócio, por ser mais desafiador operar dessa forma tão personalizada.
Em setembro, uma decisão da 6ª turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e a Rappi [decisão que foi cassada pelo Superior Tribunal Federal na semana passada, após a realização dessa entrevista]. Como você avalia o impacto dessa decisão?
Todas as plataformas introduziram uma disrupção em um modelo de negócios tradicional, portanto essa é uma situação que enfrentamos no dia a dia do nosso negócio. Eu diria que esse debate no Brasil, em termos relativos, tem uma tendência positiva, construtiva. Existe um grupo de trabalho, organizado pelo Ministério do Trabalho, no qual nós e as outras empresas do setor participamos por meio de associações, com um debate muito ativo sobre essa questão.
Não concordamos com a decisão do TST, porque entendemos que nosso modelo de negócio não se encaixa em nenhum dos formatos vigentes hoje. Existe um desejo de regulamentar essa relação entre os profissionais autônomos e as plataformas de forma que possamos endereçar isso de uma forma que seja melhor para todo mundo. Entendo que uma decisão nesse sentido traz muita legitimidade para o setor, para as empresas e também para os profissionais autônomos, endereçando as necessidades de cada uma das partes.
Você assumiu recentemente a Vice-Presidência Global de Negócios da Rappi. Qual é sua atuação nessa nova função?
Já trabalhei com América Latina anteriormente, na Uber e no Google, mas aqui é diferente, porque nessas duas empresas a América Latina é considerada como uma só região. Quando você é uma empresa que tem o coração e a alma na América Latina, como a Rappi, consegue diferenciar o Brasil dos demais países hispânicos. Meu convite para essa posição visa apoiar um processo de amadurecimento da empresa e começar a desenhar uma estratégia corporativa global por meio de alianças. Também vamos evoluir em novos projetos, como o Rappi Bank, uma fintech que trabalha em parceria com bancos locais.
Hoje, cerca de 40% de todos nossos usuários são assinantes de nossa plataforma e realizam 70% dos pedidos. Por isso estamos trabalhando para oferecer outros serviços para eles, por meio de parcerias, que irão fortalecer nossa presença e a multiverticalidade de serviços aos nossos clientes.
Que outras metas estão previstas para 2024?
Estamos em uma agenda de expansão muito relevante. Nosso plano é chegar a 500 cidades em um futuro próximo, hoje estamos em 200 na América Latina. Fizemos uma aquisição importante no Brasil, a Box Delivery, empresa que fez um trabalho fantástico no negócio de intermediação de logística B2B. Essa é uma outra grande ambição nossa, temos a tecnologia em casa para otimização de frotas e é muito oportuno capitalizar em cima desses instrumentos tanto para o B2C como para o B2B. Um dos desafios é transformar uma empresa que hoje é 95% B2C em uma empresa B2B e chegar a um percentual 70/30 ou 60/40 nesses dois segmentos.
A Rappi pretende expandir a atuação para outros países além da América Latina?
Recebemos muito essa pergunta, em especial sobre nossa expansão para Miami, para atender à população hispânica do sul dos Estados Unidos. Mas isso não está nos nossos planos nesse momento. Somos muito fiéis à América Latina, que é a nossa casa. Queremos fomentar o empreendedorismo na região. Devemos chegar a outros países que hoje não estamos na América do Sul e também na América Central. Esse é nosso plano de expansão para o futuro próximo.
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