ESG

“Ter o Certificado B não é uma posição, é uma direção”

Por Monica Miglio Pedrosa

Engenheiro agrônomo de formação, brasiliense, pai de duas filhas, a Rafa de 9 e a Gabi de 4, Rodrigo Gaspar se aproximou do Sistema B em 2017. Em 2019 tornou-se multiplicador do Sistema B Brasil, depois representante local do B Lab, líder de uma comunidade B local, aplicou programas corporativos, assumiu a posição de coordenador de especialistas e gerente de programas até chegar à posição de Diretor de Novos Negócios na empresa.

Ironicamente, no início da carreira Rodrigo trabalhou na Cargill, maior exportadora de soja do mundo. “Acompanhei de perto a expansão da produção de grãos que, na época, não tinha nenhuma preocupação com o impacto social e ambiental. O mercado de crédito de carbono começou há cerca de 15 anos no hemisfério norte, é um tema muito novo. Mas fiz uma transição de carreira há seis anos e hoje brinco que estou no lado B da força”, conta.

Hoje, Rodrigo é especialista em Estratégias de Impacto Social pela Universidade da Pensilvânia, e facilitador de metodologias como Comunicação Não Violenta, Teoria U e Disciplina Positiva, liderando dois projetos de impacto, Speak to Share – hub de conhecimento de inclusão e diversidade – e Instituto Pai por Inteiro, que ressignifica o papel do pai na construção da inteligência emocional das crianças.

Nessa entrevista à [EXP], ele conta como as empresas B Corp, como são conhecidas as certificadas, adotam práticas mais sustentáveis, aliando o lucro ao impacto social e ambiental nos negócios. No mundo, são 7 mil empresas certificadas, em 91 países e 161 indústrias, empregando 620 mil pessoas.

No Brasil, são pouco mais de 300 certificadas com sede no país e 400 no total, entre elas a Natura, maior empresa B certificada do mundo, a Gerdau Summit, Hering, Nespresso, Arezzo, Danone, Clearsale e Copastur (confira a lista completa de empresas brasileiras certificadas aqui).

[EXP] – Como foi a chegada do Sistema B ao Brasil?

Rodrigo Gaspar – Quatro cofundadores trouxerem o Sistema B para a América Latina, em 2011: dois chilenos, um argentino e um colombiano. Aliás, o nome Sistema B só é usado nessa região [globalmente o movimento é conhecido como B Lab], pelo desejo desse grupo de transformar o sistema econômico dos países. Em 2013, um grupo de líderes brasileiros, entre eles Marcel Fukayama, que hoje é Head Global de Políticas Públicas do B Lab, traz o movimento para o Brasil. Após 10 anos, somos o quarto maior país do mundo.

Quantas empresas hoje estão certificadas no Brasil e de que porte elas são? 

No mês de junho batemos a marca das 300 empresas com sede instalada no Brasil. Se considerarmos empresas internacionais que têm uma operação local, mas com sede no exterior, são mais de 400 empresas brasileiras. Juntas, elas faturam R$ 100 bilhões e empregam mais de 40 mil trabalhadores. Desse total, 77% são empresas de pequeno porte, 18% de médio porte e 5% de grande porte. Nos últimos anos, o maior crescimento de empresas B certificadas aconteceu nas empresas de médio porte.

Qual foi a primeira empresa certificada no país?

A Plano CDE, uma empresa que atua com pesquisa e avaliação de impacto no público C, D e E.

Como funciona o processo de certificação? Qual a primeira etapa desse processo?

A certificação é hoje liderada por uma entidade mundial, a B Lab Global. Hoje temos uma ferramenta online que chamamos carinhosamente de BIA. Ela é gratuita e está disponível em seis idiomas diferentes. Mais de 150 mil organizações a utilizam no mundo. É uma ferramenta de gestão de impacto que permite uma autoavaliação de como a empresa está em relação aos seus processos internos e como o impacto positivo já faz parte do DNA corporativo. Empresas que alcançam no mínimo 80 pontos, em uma escala de zero a 200, podem seguir para o processo de certificação se quiserem.

Que questões são avaliadas nesse assessment?

Avaliamos 5 áreas: Governança, Trabalhadores, Clientes, Comunidade e Meio Ambiente. Em média as empresas respondem a 200 perguntas relacionadas às práticas de gestão, construção da transparência, relações entre os trabalhadores, benefícios, canais de gestão de conflito, justiça social, DEI, gestão ambiental, monitoramento de emissão de gases, entre outros. Estamos hoje na sexta versão da BIA e trabalhando na sétima, que vai subir alguns degraus na exigência dos critérios.

“Uma das perguntas do questionário é a proporção

entre a remuneração mais alta e a mais baixa da empresa.

Quanto menor essa razão, mais pontos a empresa ganha.”

 

Como elas são distribuídas entre os diferentes segmentos e portes de empresa?

São quase 10 mil variações de perguntas para que a BIA se adeque à individualidade de cada empresa. Também existem cinco setores diferentes: Manufatura e Fabricação; Atacado e Varejo; Serviço com baixa pegada ecológica; Serviço com alta pegada ecológica; Agricultura, pecuária e atividades agrícolas. Desses cinco setores, abrem-se várias ramificações para se adequar ao tamanho da empresa, quantidade de colaboradores e faturamento, por exemplo.

Após o Assessment, qual o próximo passo?

Caso a empresa queira seguir para a certificação, após atingir o mínimo de 80 pontos, ela paga um custo de submissão, que é uma espécie de taxa de aplicação, que varia de acordo com o tamanho da empresa. Ela também não pode pertencer aos segmentos que consideramos inelegíveis ao processo de certificação.

A partir desse ponto, inicia-se uma fase de pesquisa e de aferição para verificação dos nossos padrões internos. A organização que faz a gestão regional do país onde a empresa está sediada faz a primeira verificação. Depois o processo segue para auditores do B Lab global, que podem solicitar documentos ou comprovantes adicionais. Na última etapa, de pós-verificação, são realizadas as últimas checagens, antes da confirmação final.

Quanto tempo em média dura esse processo de avaliação?

Empresas que faturam menos de US$ 100 milhões levam em média um ano para passar por todo o processo de certificação. Após a avaliação, quando o resultado é positivo, o certificado tem validade de três anos. Após esse período, é necessário renovar a certificação, mas claro que já há um lastro para facilitar esse processo.

E como é o apoio do Sistema B nesse período?

A ideia é que a empresa crie processos internos de validação das metas e práticas e acompanhe isso anualmente. Ela não faz o demonstrativo de resultados anual da empresa? Por que não incluir o demonstrativo de impacto, transformar a cultura organizacional? É importante iniciar um processo de monitorar, diagnosticar e mensurar os resultados como uma prática contínua interna de melhoria.

“Se a empresa em que você trabalha deixasse de existir,

ela faria falta para o planeta?”

Você comentou que existem alguns critérios de inelegibilidade para a certificação. Quais são eles?

Existem algumas indústrias controversas que apresentam riscos específicos e que podem não obter o certificado, como por exemplo produtores do agronegócio no Brasil. Não é que eles sejam inelegíveis, a Fazenda da Toca, por exemplo, que é a maior fazenda de produtos orgânicos do Brasil, é B Certificada. O que acontece é que, se a empresa pertencer a algum  destes setores, passa por um crivo ainda maior dos pré-requisitos e a análise tem uma série de exigências adicionais. Além do agronegócio brasileiro, estão na lista o setor bancário na Suíça, empresas de água engarrafada, produtos derivados da Cannabis, cassinos, empresas de combustíveis fósseis, entre outras.

Existem indústrias que são proibidas, que não podem seguir com o processo de certificação?

Sim, indústrias automobilísticas e de máquinas, empresas de construção de alto risco, que produzem óleo de palma ou pesticidas e matadouros são hoje indústrias que não conseguem dar prosseguimento ao processo. O B Lab pode desenvolver critérios e pré-requisitos para incluí-las no futuro, mas hoje elas são inelegíveis.

Algumas indústrias são realmente controversas.

Uma vez um executivo de uma empresa me disse que a meta dele era trabalhar em organizações que, se deixassem de existir, fariam falta para o planeta. Então essa é a grande questão para se pensar: o lugar em que você trabalha hoje, se deixasse de existir, faria falta para o mundo?

Além da certificação, em que mais o Sistema B atua?

Temos toda uma linha de desenvolvimento de pessoas e de empresas, que cresceu muito nos últimos anos. Algumas empresas nos procuram para fazer um projeto de impacto, para entender primeiro como transformar seu negócio. Mais de 150 empresas no Brasil passaram por nossos programas de impacto, nesse processo trabalhamos com eles por um período de três meses, conscientizando, sensibilizando para o tema.

Essa é uma metodologia que deve mudar a mentalidade do negócio. Também ajudamos a empresa a preencher a avaliação de impacto B (BIA) e com esse diagnóstico podemos criar um plano de ação, olhar benchmarks de mercado, enfim entregamos um relatório robusto com uma estratégia ESG de impacto para que as empresas possam seguir o processo por conta própria, independente de iniciarem a certificação.

Como é o desenvolvimento dos multiplicadores?

O caminho Mais B forma pessoas no tema, nos últimos 3 anos foram mais de 300 multiplicadores formados e em 2023 vamos bater o recorde de formandos porque a procura está muito alta. Criamos uma jornada formativa com uma carga horária de seis meses, em que os profissionais aprendem como utilizar a avaliação de impacto B, conhecem as empresas com as melhores práticas e ao final passam por um laboratório onde eles aplicam esse conhecimento em empresas voluntárias, que acabam sendo presenteadas por esse trabalho.

Quantas pessoas hoje trabalham no Sistema B no Brasil?

Somos em 17 executivos e tenho um baita orgulho de falar sobre essas pessoas, porque quando cheguei, em 2019, 70% das pessoas eram residentes em São Paulo. Hoje somos uma equipe 100% remota, presente em 8 cidades do Brasil, com uma representatividade incrível: 70% mulheres, 56% de pessoas negras, 16% LGBTQIA+ e 50% de liderança em cargos de gerência pra cima são negros. Além disso temos mais de 300 multiplicadores que fazem esse trabalho voluntário de levar o sistema B e a agenda positiva com eventos pelo Brasil e 7 especialistas que são como consultores que aplicam esses programas de análise da cadeia de valor para empresas.

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