“Diversidade etária enriquece a organização”
Por Andrea Martins
Envelhecer no Brasil, onde a fama de ser um país jovem permanece mesmo após a mudança na pirâmide etária e o aumento da idade média da população, não é para amadores. Apesar do potencial de consumo da “economia prateada” e da experiência profissional conquistada ao longo de décadas, o preconceito de idade ainda permeia a sociedade e as relações de trabalho.
Em entrevista à [EXP], a pesquisadora, consultora e especialista em diversidade etária Fran Winandy fala sobre a conscientização social sobre o etarismo e seu impacto no mundo corporativo, a prática do graywashing e como o público feminino é ainda mais penalizado com o avanço da idade. Também destaca a importância da diversidade etária para agregar valor às companhias.
[EXP] – Como a elevação da idade média no mercado de trabalho, que hoje é de quase 40 anos no Brasil, tem influenciado nas políticas de diversidade etária no ambiente corporativo? Já vemos mudanças ou o etarismo ainda é regra nas empresas?
Fran Winandy – A elevação da idade média nos mercados de trabalho não tem influenciado muito as políticas de diversidade etária no mercado corporativo, até porque a grande maioria das empresas não tem políticas de diversidade etária. Normalmente quando tem alguma política, ela está relacionada à saída das pessoas, ou seja, aposentadoria compulsória a partir de uma determinada idade. Essa é a única política que algumas empresas possuem relacionadas à questão etária.
O que as empresas têm são práticas, que não estão escritas, por isso dizemos que não são políticas. Por exemplo, contratar as pessoas de determinada faixa etária para determinados cargos – vou contratar um auxiliar de escritório com idade máxima de 28 anos ou na minha empresa um gerente costuma ter em torno de 40 anos, e quando tenho uma vaga de gerente vou buscar alguém que está dentro desta faixa etária. Se eu trago uma pessoa com 28 anos, vou causar estranheza dentro da minha organização. Da mesma forma, se trago alguém de 60 anos, as pessoas vão estranhar. Então, para que esta prática que reproduz o preconceito que as pessoas não percebem (que tem) não ocorra, eu preciso diversificar, ter buscas mais direcionadas para trazer pessoas diversas. Quando isso começa a ser normal, quando começa a ter pessoas de várias faixar etárias dentro dos cargos, não causa estranhamento.
Onde já se percebem mudanças?
As mudanças que percebemos são normalmente em grandes organizações, multinacionais que já têm este trabalho de diversidade etária nas suas matrizes fora do Brasil. Normalmente, elas querem fazer este trabalho por aqui também. Mas vemos muito poucas mudanças ainda. O etarismo é regra, sim, porque temos essa associação entre juventude e talento. Pode ver que existem programas de jovens talentos. Dificilmente vai ver um programa de “velhos” talentos. Isso está associado aos estereótipos do envelhecimento.
Como o combate ao etarismo pode entrar na pauta ESG que hoje temos no mundo corporativo e, também, na sociedade?
O envelhecimento da população foi identificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das quatro megatendências para o século 21. A falta de representatividade nas organizações faz com que muitas oportunidades sejam ignoradas pela falta de empatia com o consumidor. Poucos são os produtos e serviços desenhados ou construídos sob a perspectiva deste cliente. Estou falando da economia prateada, que é um conjunto de atividades econômicas, produtos e serviços voltados às necessidades das pessoas com mais de 50 anos. Um ponto bastante relevante é a reputação de uma empresa. Ter produtos ou serviços que inspirem a confiança, ser um bom lugar para trabalhar, ter ações alinhadas com as melhores práticas de mercado, inspirar confiança, são alguns ativos que configuram uma empresa do bem. Entre os pilares da diversidade, o pilar etário é a aposta mais recente das organizações. Essas ações relacionadas à integração geracional são muito importante e estão muito relacionadas com a questão da governança.
Quando falamos em ESG muitas vezes esquecemos o S, que é o social. Uma questão de ESG para as organizações é: a sua empresa pretende investir neste assunto por convicção, convencimento ou compliance? Acho muito legal falar nestes três Cs. Porque a prática do preconceito é ilegal e nós enxergamos o etarismo nas nossas empresas em vários processos. Nos processos de entrada, nas promoções, às vezes nas transferências, até na escolha dos nossos fornecedores com os clientes. Por isso que o etarismo tem várias frentes a serem trabalhadas.
Assim como outras pautas ESG já sofreram, e ainda sofrem, com oportunismo, a exemplo do greenwashing (na pauta de sustentabilidade) ou do tokenismo (na pauta racial), já existe em algumas empresas o “graywashing”? Como combater este tipo de ação oportunista em uma pauta tão séria?
O oportunismo acontece porque as empresas, muitas vezes, querem mostrar que têm uma equipe diversa, incluída, quando na verdade não têm. Com esta questão do etarismo, algumas empresas contratam quatro ou cinco pessoas mais velhas, fazem um carnaval, falam que estão contratando, mas na verdade contratam para cargos mais operacionais, salários baixos, meio escondidas dentro da organização. Pronto, falam que têm pessoas com mais de 50 ou mais de 60 anos. Aí quando vai olhar têm três ou quatro. Ou então são pessoas que estão lá há 30 ou 40 anos, e é cômodo deixar estas pessoas lá e fazer uma propaganda disto.
Por isso que tem que usar a questão dos indicadores de diversidade etária para ver, realmente, quantas pessoas foram contratadas nos últimos anos com mais de 40, mais de 50 anos, em quais áreas, cargos e com qual relevância. Algumas empresas trazem quatro ou cinco pessoas mais velhas e não fazem nenhum trabalho de inserção destas pessoas, não fazem acompanhamento e estes profissionais acabam sendo expelidos pela cultura da empresa, que não está acostumada a trabalhar com pessoas mais velhas. Não tem uma integração efetiva e um trabalho intergeracional. Esta questão do oportunismo acontece, sim, mas não se sustenta.
O etarismo atinge mais as mulheres no mercado corporativo ou a discriminação é distribuída igualmente entre os gêneros?
Com certeza, no mercado de trabalho o etarismo é mais contundente com as mulheres. Elas também passam pela questão do preconceito etário em vários momentos da vida. Quando são jovens, a questão da gravidez ainda é um assunto que preocupa gestores mais tradicionais. Quando elas têm filhos pequenos, de novo o preconceito – será que vão dar conta? Será que vão pedir para sair para reuniões? Será que vão conseguir equilibrar a vida profissional com fralda, pediatra, apresentação escolar? Logo que tem algum sinal de interferência doméstica no trabalho, os homens olham de lado, já comentam, falam que elas têm privilégios. Eles se esquecem das esposas, das mães e das irmãs. Esquecem das dificuldades que as mulheres têm por serem responsáveis pela educação e pelo cuidado dos filhos.
Mulheres quando são líderes, gestoras, também acabam encontrando mais dificuldades para equilibrar vida pessoal e profissional, principalmente quando têm outras pessoas para cuidar. Às vezes, têm pais idosos, netos e, muitas vezes, dependem de outras mulheres, de cuidadoras, de funcionárias, enfermeiras, para poderem se dedicar ao trabalho. E quando os filhos crescem, quando parece que as coisas vão ficar mais tranquilas, elas acabam sofrendo preconceito porque estão com aparência envelhecida, com rugas, cabelos bancos, e aí os estereótipos negativos relacionados ao envelhecimento surgem para atrapalhar o desenvolvimento da carreira delas.
Como as empresas podem se beneficiar de profissionais com mais idade em seus quadros?
Se eu fico ressaltando só as competências e características das pessoas mais velhas, eu corro risco de pessoas mais novas acharem que estou diminuindo as habilidades e competências delas, e eu estou reforçando um preconceito que eu não quero, porque sou muito a favor da integração geracional. O que enriquece é termos todas as gerações representadas dentro da organização porque quando tem muito forte um lado só, fica faltando o outro. O que as pesquisas trazem é que a integração geracional traz vários benefícios para as organizações. Mais engajamento, mais inovação, outros pontos de vista, vivências, experiências diferentes, mais produtividade, um olhar mais empático para o consumidor, uma representatividade maior, uma expansão do pool de talentos, uma transferência de conhecimentos mais adequada e ainda melhora a reputação da organização. Isso traz ganhos intangíveis.
Eu costumo dizer que a diversidade etária alimenta o conflito construtivo e aumenta repertórios comportamentais. A diversidade etária é aquela que abraça todas as outras, porque dentro da diversidade etária eu tenho todos os outros pilares da diversidade. Por isso ela é tão importante.
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