Mercado

A estratégia do Mercado Livre para se manter na liderança com a chegada de players asiáticos

Fernando Yunes, Country Lead do Mercado Livre Brasil

Monica Miglio Pedrosa

“Desde que cheguei, em 2020, esse é o momento de maior senso de urgência no Mercado Livre”. Com transparência e de peito aberto, Fernando Yunes, Country Lead do Mercado Livre Brasil, compartilhou os desafios atuais do maior marketplace da América Latina para um grupo de 105 líderes de grandes empresas durante a Confraria de CEOs, evento exclusivo do Experience Club, realizado ontem, na Experience House, em São Paulo.

O alerta tem endereço certo: os concorrentes asiáticos, que seguem desembarcando no país. A Shopee, que chegou em 2019, já ocupa a segunda posição, com 13% do mercado. Já o aplicativo chinês Temu, app de compras mais baixado do mundo, conquistou 1% do mercado brasileiro em apenas cinco meses. O mais recente a aterrissar é o TikTok Shop, lançado no início deste mês, que pretende usar todo o potencial de sua rede social e recursos de gamificação para abocanhar uma fatia significativa dos consumidores brasileiros.

Com 40% de market share, o Mercado Livre pretende se blindar na liderança com o modelo de gestão que o trouxe até aqui. “Algo que gera muito orgulho é a ousadia das decisões que tomamos na empresa”, afirmou Yunes, explicando que essas escolhas são feitas pensando no longo prazo, mesmo que isso signifique pressionar os resultados de curto prazo.

No Mercado Livre, não importa a hierarquia, o que importa são as ideias e a qualidade das decisões.”

Uma das decisões que exemplifica essa estratégia foi tomada em 2016, após uma greve dos Correios que durou cerca de um mês. Ao fim do período, o custo do serviço teve um aumento de 40% para o Mercado Livre. O cofundador e CEO Marcos Galperin reuniu o time em um sábado e decidiu que a empresa investiria bilhões para construir uma operação logística própria. O projeto, que começou em uma reunião com apenas sete executivos, permitiu que a empresa tivesse a maior estrutura logística privada do país, com 3 milhões de produtos entregues diariamente, metade deles no mesmo dia ou em até 24 horas após a compra.

Outras apostas igualmente estratégicas foram a criação do Mercado Pago — que surgiu para facilitar as transações no marketplace e hoje é a segunda maior carteira digital do Brasil, atrás apenas do Nubank — e o crescimento acelerado do número de desenvolvedores da empresa na América Latina a partir de 2020, que saltou de 2,5 mil para 18 mil em quatro anos.

Com essa mesma lógica de antecipar tendências e estruturar a operação para ciclos longos, o Mercado Livre está estudando expandir para categorias ainda pouco digitalizadas, como beleza, farmácia e alimentos e bebidas, setores-chave para sustentar o ritmo de crescimento e ampliar a presença no cotidiano dos consumidores brasileiros.

Encantamento pelo Mercado Livre

Por trás dessa estratégia está a liderança de Fernando Yunes, que assumiu o Mercado Livre Brasil com a missão de acelerar o crescimento do market share, que era de 20% em 2020. Graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp, com MBA pela Universidade de Michigan, Yunes iniciou sua carreira em consultorias como Bain & Company.

A carreira tomou outro rumo quando um acontecimento inesperado salvou sua vida. Ele tinha uma reunião marcada com clientes na área de cargas do prédio da TAM Express, próximo ao Aeroporto de Congonhas, que foi cancelada de última hora. Naquele mesmo dia, o voo 3054 da TAM, vindo de Porto Alegre, não conseguiu frear no pouso e se chocou contra o prédio. Colegas de Yunes da consultoria que trabalhavam no local estavam entre os 199 mortos do maior acidente aéreo brasileiro.

O episódio o fez repensar sua vida pessoal e profissional e, pouco depois, ele decidiu ir para o mercado corporativo, assumindo uma oportunidade na Whirlpool, onde ficou por 10 anos, até chegar à Vice-Presidência Nacional de Vendas & Trade. Foi ali que ouviu uma frase do então CEO, José Drummond Jr., que levaria para a vida:

Não tem o jeito certo de fazer a coisa errada.”

Depois da Whirlpool, ele assumiu a presidência da Sem Parar, onde permaneceu por dois anos e meio, até ser abordado por um headhunter para conversar com Stelleo Tolda, cofundador do Mercado Livre, que buscava um country lead para o Brasil. Por estar pouco tempo na Sem Parar, Yunes não estava totalmente convencido da mudança.

Foi em uma viagem à Argentina, sede do Mercado Livre, que ele mudou de ideia. Em uma das entrevistas do processo seletivo, o diretor de tecnologia lhe disse: “Se você fosse um jogador de tênis e tivesse a chance de jogar com o [Roger] Federer [recordista de títulos de Grand Slam], só que na quadra onde você é melhor [referindo-se ao Brasil], você aceitaria?”. A provocação plantou uma dúvida na cabeça de Yunes e o levou a aceitar o desafio.

Logo que chegou ao Mercado Livre, criou uma visão ambiciosa, para mobilizar a empresa em torno do crescimento: o Plano Brasil 40, que dobraria o market share da companhia. Para isso foram tomadas algumas decisões como derrubar 150 mil vendedores informais da plataforma, trazer 3.500 marcas para o marketplace, investir em logística e adotar uma estratégia de marketing com “tempero brasileiro”, alinhada ao calendário comercial do país, com campanhas em datas como Dia das Mães, Black Friday e outras.

E é com essa mesma ambição que Yunes agora prepara a companhia para enfrentar o novo cenário competitivo, com a chegada dos players asiáticos. A fórmula do passado segue a mesma: pensar grande, agir cedo e não se acomodar nem mesmo com a liderança consolidada.

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