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A Marca da Vitória: A autobiografia do criador da Nike

A Marca da Vitória

Autor: Phil Knight

Ideias principais:

1 – Enviei dois pares de tênis Tiger, da Onitsuka, Japão, para meu antigo treinador de corrida na Universidade de Oregon, Bill Bowerman. Fiz isso sem hesitar, já que Bowerman foi o primeiro a me fazer pensar sobre o que as pessoas colocam nos pés. Era um treinador genial.

2 – Clientes davam opiniões sobre os Tigers. Um homem queixava-se de que o tênis não tinha amortecimento suficiente para maratonas mais longas, como a de Boston. Jeff Johnson, o primeiro funcionário em tempo integral da Nike, contratou um sapateiro para enxertar solas tiradas de sandálias de borracha no tênis. Sucesso: obteve-se amortecimento completo na entressola.

3 – A Canadá, fábrica mexicana de calçados, já havia começado a produzir as chuteiras e as amostras estavam prontas, mas nada poderia ser enviado sem a escolha de um nome. Johnson, em sonhos, via diante de si o nome Nike. Lembrava a deusa Atena Nike, a da vitória, da Acrópole.

4 – Os Buttfaces (“bundão”, gíria irreverente com que o grupo se tratava) gostavam da cultura corporativa que eu criara. Confiava neles integralmente e não os espionava ou ameaçava, o que gerou uma poderosa relação recíproca.

5 – Depois de 40 anos, retirei-me do cargo de CEO. As vendas em 2006 alcançaram US$ 16 bilhões de dólares (as da Adidas somaram US$ 10 bilhões.) E a China, nosso segundo mercado, é agora nosso maior produtor de calçados.

Sobre o autor:

Phil Knight, autor desta autobiografia, descreve toda a sua trajetória para criar a Nike, uma das maiores fabricantes de calçados e vestuário esportivo do mundo. Foi CEO da Nike desde 1964 até 2004, deixando a presidência do conselho em 2016.

Introdução:

O que permaneceu, porém, foi essa certeza reconfortante, essa verdade que é como uma âncora que jamais irá embora. Aos 24 anos, eu tive uma “Ideia Maluca”, e, de alguma forma, apesar de estar atordoado pelas angústias existenciais, pelo medo do futuro e pelas dúvidas sobre mim mesmo, como todos os jovens aos 20 e poucos anos, decidi que o mundo era feito de ideias malucas. A História é uma longa procissão de ideias malucas. As coisas que eu mais amava – livros, esportes, democracia, livre-iniciativa – começaram como ideias malucas.

Além disso, poucas ideias são tão malucas quanto a minha atividade favorita: correr. É difícil. É doloroso. É arriscado. As recompensas são poucas e nunca são garantidas. Quando você corre em uma pista oval ou em uma estrada vazia não é um destino verdadeiro. Pelo menos, não um que signifique todo o esforço. O ato em si se torna destino. Não é apenas por não haver uma linha de chegada; é porque é você quem a define. Os prazeres ou ganhos que podem ser obtidos por meio do ato de correr, sejam eles quais forem, precisam ser encontrados dentro de si. Tudo depende de como você encara a corrida, de como negocia consigo mesmo.

PRIMEIRA PARTE

1962

Era demais para mim. Apaguei. Quando acordei, estávamos em plena aterrissagem, rápida e íngreme. Abaixo de nós, Tóquio, espantosamente brilhante. A área de Ginza, em particular, era como uma árvore de Natal.

Entretanto, no caminho para o hotel, só vi escuridão. Vastas áreas da cidade estavam totalmente às escuras.

— A guerra – comentou o taxista. Muitos prédios bombardeados.

Os B-29 americanos. Superfortalezas. Durante um período de várias noites, no verão de 1944, inúmeros deles lançaram mais de 340 toneladas de bombas, a maioria delas recheada de gasolina e uma geleia inflamável. Uma das cidades mais antigas do mundo, Tóquio fora construída basicamente com madeira, por isso as bombas provocavam um furacão de fogo.

Voltei a Tóquio e me apresentei na Importer. Os dois ex-soldados que estavam no comando, homens de pescoço grosso, musculoso e muito ocupados, olharam para mim como se quisessem me matar por aparecer ali sem ser convidado e fazê-los perder tempo. Entretanto, em pouco tempo, eles foram calorosos e amigáveis.

Contei para eles a ideia maluca que eu tive: importar tênis do Japão para o mercado americano. Perguntaram que linha de tênis japonês interessava. Disse que gostava do Tiger, marca estilosa da Onitsuka Co., que ficava na cidade de Kobe, a maior do Sul do Japão. Os ex-soldados, então, disseram que era melhor aprender alguma coisa sobre como os negócios eram feitos no Japão.

Apresentei-me no salão de exposições da Onitsuka, quando era esperado na fábrica, que ficava do outro lado da cidade. Chamei um táxi e fui à toda para lá, em completo frenesi, chegando com mais de meia hora de atraso. Imperturbável, um grupo de quatro executivos me encontrou no salão. Eles se curvaram. Um deles deu um passo à frente, era o gerente de exportação Ken Miyazaki, que me propôs visitar a fábrica.

Eles me mostraram três modelos do Tiger. Um para corrida, que chamavam de “Limber Up”, uma expressão que significa aquecer. O outro para salto em altura, que chamavam de “Spring Up”, saltar. E o último modelo projetado para a prática de arremesso de disco, que chamavam de “Throw Up”, que significa “arremessar” ou “vomitar”. Eu não tinha nenhuma empresa. Inventei para eles uma de nome Blue Ribbon. Ela poderia representar os calçados Tiger, prometi aos diretores japoneses. Pedi para enviarem amostras em determinado endereço. Prometi enviar cinquenta dólares como pagamento. Não tinha dinheiro. Tive que recorrer ao velho e manjado banco, o “Banco do Papai”. 

Antes de voltar para os EUA, para meu estado, Oregon, fiz um ciclo de visitas pelo mundo.

Fui a Hong Kong e caminhei por suas ruas caóticas e insanas. Subi ao topo do pico Victoria. Lembrei-me de Confúcio: O homem que move uma montanha começa carregando uma pequena pedra.

Fui às Filipinas… Fui a Bangkok… Fui ao Vietnã… Fui a Jerusalém…

Fui a Veneza, a Milão…

Fui a Atenas. À minha esquerda estava o Partenon, a cuja construção, realizada por equipes de arquitetos e operários, Platão assistira. À direita, o Templo de Atena Nike. Segundo meu guia de viagem, 25 séculos atrás havia ali um belo friso da deusa Atena, considerada a portadora da “nike”, ou vitória.

1963

Depois de concluir minhas nove horas de aulas na Universidade Estadual de Portland, trabalhei numa firma de contabilidade, Lybrand, Ross Bros. & Montgomery. Era uma das oito grandes empresas nacionais, mas a filial em Portland era pequena. Um sócio, três contadores juniores. Está bom para mim, pensei. Sendo de pequeno porte, a empresa seria mais acolhedora e favorável ao aprendizado. A minha primeira tarefa foi lidar com uma empresa de Beaverton, a Reser’s Fine Foods. Com o CEO Al Reser aprendi importantes lições.

1964

O aviso da chegada dos tênis Tiger chegou perto do Natal, portanto eu devo ter ido até o armazém da zona portuária na primeira semana de 1964. Não recordo com exatidão. Só sei que era de manhã bem cedo. Consigo me lembrar direitinho de chegar lá antes de os funcionários abrirem as portas.

Entreguei o aviso e eles foram até os fundos.  Voltaram com uma caixa grande coberta de símbolos de escrita japonesa.

Corri para casa, desci até o portão e rasguei a caixa. Doze pares de tênis em tom marfim, com listras azuis nas laterais. Meu Deus, eles eram lindos. Eram mais que lindos. Eu não tinha visto nada em Florença ou Paris que fosse mais bonito.

Então enviei dois pares para meu antigo treinador de corridas na Universidade do Oregon, Bill Bowerman. Fiz isso sem hesitar, já que Bowerman fora o primeiro a me fazer pensar, realmente pensar, sobre o que as pessoas colocam nos pés. Ele era um treinador genial, um especialista em motivação, um líder natural de jovens. Ele era obcecado pelo modo como os seres humanos se calçavam. Estava sempre remexendo em calçados.

– Esses tênis japoneses são muito bons – afirmou Bowerman. – Que tal me deixar entrar no negócio?

Eu disse sim, estendi a minha mão.

1965

No início do ano, recebi uma carta de Jeff Johnson. Depois do nosso encontro casual no Occidental College, eu havia lhe enviado de presente um par de Tigers e agora ele estava escrevendo para dizer que experimentara correr com eles. E tinha gostado e muito. Escrevi de volta e lhe ofereci um cargo de “vendedor comissionado”: 1,75 dólar por cada par de tênis de corrida vendido.

Não foram poucas as vezes em que Johnson ficou encharcado de Pepsi. Ele queria mudar tudo isso. Queria ajudar todos os corredores oprimidos do mundo, organizá-los em comunidade. Talvez ele fosse mesmo um assistente social.

Bowerman não desistia de fazer experimentos. Continuava a rasgar Tigers e a usar os jovens das suas equipes de corrida como ratos de laboratório. Durante a temporada de corridas do outono de 1965, toda competição gerava dois resultados para Bowerman. Havia o desempenho dos seus corredores e havia o desempenho dos seus tênis. Então, enviava as observações e os resultados para o Japão, para a Onitsuka.

1966

Alguns clientes ofereciam voluntariamente opiniões sobre os Tigers e Johnson começou a reunir os feedbacks dos clientes, usando-os para criar novos esboços de modelos. Um homem, por exemplo, queixou-se de que os tênis Tiger não tinham amortecimento suficiente. Ele queria correr a maratona de Boston, mas achava que o seu par não duraria os 42,195 quilômetros. Então Johnson contratou um sapateiro para enxertar solas tiradas de um par de sandálias de borracha em um par de tênis Tiger. Voilà. O Frankenstein de Johnson tinha amortecimento completo na entressola. Hoje, isso é padrão em todos os tênis de corrida.

1967

Desliguei e telefonei para Bob Woodell, destaque no time de Bowerman em 1965. Eu estava a ponto de dizer o quanto lamentava o acidente, mas me controlei. Não tinha certeza de que era a coisa certa a falar.  Que se diz a uma estrela do atletismo que, de repente, não pode mexer mais as pernas? Decidi manter o assunto estritamente voltado para os negócios. Expliquei que Bowerman o havia recomendado e disse que poderia ter um emprego para ele na minha nova empresa de calçados esportivos.

Woodell era o meu tipo de gente. Eu não tinha certeza do que a Blue Ribbon era, ou se seria alguma coisa um dia, mas, o que quer que a empresa se tornasse, eu esperava que possuísse algo do espírito daquele homem.

1968

A Blue Ribbon não era suficiente: emprego paralelo de professor. Os meus alunos, aparentemente, não eram mais capazes do que eu de equilibrar essa equação. Os trabalhos de cada um eram terríveis. Com exceção dos da Srta. Parks! Ela fez o primeiro trabalho corretamente. Com os dois seguintes, ela se estabeleceu como a melhor aluna da sala. Ela obteve a nota mais alta nas provas de meio de semestre. Não sei quem ficou mais feliz, a Srta. Parks ou o Sr. Knight.

No dia 13 de setembro de 1968, Penny e eu trocamos nossos votos diante de duas centenas de pessoas, na igreja episcopal de São Marcos, no centro de Portland, no mesmo altar onde os pais de Penny haviam se casado. Fazia quase um ano que a Srta. Parks [Penny] tinha entrado na minha sala de aula.

1969

Havíamos alcançado US$ 150 mil de vendas em 1968 e, em 1969, estávamos a caminho de alcançar US$ 300 mil. Embora Wallace (gerente do banco financiador de importações] continuasse a me vigiar de perto, dizendo que eu desacelerasse e reclamando da minha falta de patrimônio líquido, decidi que a Blue Ribbon estava se saindo suficientemente bem para justificar um salário para o seu fundador. Pouco antes do meu 31º aniversário, fiz um movimento ousado. Deixei a Universidade Estadual de Portland e passei a me dedicar em tempo integral à empresa, pagando a mim mesmo a generosa quantia de US$ 18 mil por ano.

1970

Minutos depois, ele tornou trazendo um executivo da Nissho Iwai [trading company]. O nome dele era Cam Murakami. Apertamos as mãos e conversamos, estritamente do ponto de vista hipotético, sobre a possibilidade de a Nissho financiar as minha futuras importações. Eu fiquei intrigado. Ele ficou bastante intrigado. E me ofereceu um acordo na mesma hora, estendeu a mão, mas não consegui apertá-la. Ainda não. Primeiro tinha que deixar a situação clara com a Onitsuka.

1971

Ainda assim, aquela era apenas uma solução de curto prazo. Afinal, eles eram um banco, e os bancos são, por definição, avessos ao risco. Independentemente das minhas vendas, o Bank of California em breve veria com desconfiança o meu saldo de caixa zero. Eu precisava começar a me preparar para esse dia difícil. Meus pensamentos estavam sempre voltando para a trading japonesa, Nissho. Tarde da noite, eu pensava: “Eles têm US$ 100 bilhões em receita… e querem, desesperadamente, me ajudar. Por quê?”

O dia da decisão chegou. A Canadá já havia começado a produzir as chuteiras e as amostras estavam prontas, mas nada poderia ser enviado enquanto não escolhêssemos um nome. Minha cabeça ia estourar. Naquele momento, os nomes estavam todos misturados em uma bolha que derretia a minha mente. ”Temos mais uma sugestão”, disse Woodell. “Johnson telefonou hoje de manhã cedo. Ao que tudo indica, um novo nome veio a ele em um sonho ontem à noite”. Revirei os olhos. “Ele disse que se sentou na cama no meio da noite e viu o nome diante dele: Nike. N-Y-K-E”. Era a deusa grega da vitória. A Acrópole. O Partenon. O templo. Eu me lembrei na hora. Finalmente, o nome escolhido foi: Nike. [Para a história…]

1972

Precisaríamos de grandes atletas usando e aprovando a nossa marca. Mas não tínhamos dinheiro para pagar os melhores. Tentamos. Descobri o número do agente de Ilie Nastase, grande campeão do tênis. Telefonei e ofereci a ele um acordo: US$ 5 mil, se Nasty usasse o nosso material. Ele pediu US$ 15 mil. Concordamos com US$ 10 mil.

1973

Perguntei a Strasser [advogado da Nike], logo de início, qual era sua estimativa sobre nossas chances contra a Onitsuka. Ele disse que iríamos vencer. Sem hesitação, como se eu tivesse perguntado o que comera no café da manhã. Falou como um fã de esportes falaria sobre o “próximo ano”, com uma fé inabalável. Naquele instante, decidi que Strasser era um dos escolhidos, um dos confrades. Como Johnson, Woodell e Hayes. Como Bowerman, Hollister e Pre [atleta de corrida campeão].

1974

Uma semana depois, recebemos uma oferta de acordo: US$ 400 mil. A Onitsuka sabia muito bem que um especialista poderia chegar a qualquer número, de modo que eles tentaram agir de modo preventivo, contendo as suas perdas. Mas US$ 400 mil parecia pouco dinheiro para mim. Discutimos vários dias. Hilliard não cedia. No entanto, a Blue Ribbon iria simplesmente conseguir mais empréstimo do Bank of California. Mais pares de tênis em alto-mar.

Pre  estava quebrando recordes nacionais com Nikes e o melhor jogador de tênis do mundo também. O nome dele era Jimmy Connors e seu maior fã era Johnson. Connors foi campeão de Wimbledon usando essa marca e também logo em seguida do U. S. Open. A Nike estava eufórica.

1975

Não era tanto uma estratégia, mas uma necessidade. A Nissho era como um patrimônio. A nossa linha de crédito do banco era de US$ 1 milhão, mas tínhamos outro milhão de crédito com a Nissho, que, voluntariamente, tomou a segunda posição nas garantias, o que fez o banco se sentir mais seguro. Só que tudo isso iria desandar se a Nissho não estivesse ali. Portanto, precisávamos mantê-la feliz. Sempre, sempre, pagar a Nissho primeiro.

Ito [da Nissho] tocou o próprio queixo e decidiu que abriria a conversa. Sem rodeios, ele foi com tudo. Entrou. De sola.

– Cavalheiros – disse ele, embora ele estivesse se dirigindo apenas a Holland –, é do meu conhecimento que vocês se recusam a lidar com a conta da Blue Ribbon por mais tempo.

Holland assentiu.

– Nesse caso, a Nissho gostaria de quitar a dívida da Blue Ribbon. Integralmente. Aqui está um cheque com o valor integral.

SEGUNDA PARTE

1976

Não vamos dissolver por completo a parceria, disse a Bowerman. Embora relutantemente eu tivesse concordado em comprar a participação de Bowerman (pagamentos de baixo valor, realizados em cinco anos), pedi-lhe que retivesse uma percentagem, permanecesse como vice-presidente e membro do nosso pequeno conselho. Combinado, disse ele. Apertamos as mãos.

Novo fornecedor: Taiwan. Para ser o nosso ponta de lança em Taiwan, pensei em Jim Gorman, um excelente funcionário, muito conhecido pela lealdade quase fanática à Nike. Educado em uma série de lares adotivos, Gorman parecia ter encontrado na Nike a família que nunca tivera e, assim, ele sempre demostrava espírito esportivo, sempre fazia um bom trabalho em equipe.

Fábricas menores. Os fabricantes de calçados, expliquei a Borman, estão abandonando o Japão em massa. E estão todos pousando em dois lugares: Coreia e Taiwan. Ambos os países se especializaram em calçados de baixo custo, mas a Coreia optara por seguir um modelo com fábricas gigantes, ao passo que Taiwan estava construindo uma centena de fábricas menores. Portanto, era por esse motivo que estávamos escolhendo Taiwan; a nossa demanda era muito alta, mas o nosso volume era muito pequeno para fábricas maiores. Em fábricas menores, teríamos uma posição dominante.

Tênis de maratona da Nike. Nas seletiva olímpicas de 1976, realizadas em junho, mais uma vez em Eugene, a Nike teve uma chance fantástica de fazer bonito. Nunca havíamos tido essa chance com os Tigers, cujas travas não eram de alto calibre. Nem com a primeira geração de produtos da Nike. Agora, finalmente, tínhamos material próprio, e ele era realmente bom: tênis de maratona e com travas, todos da melhor qualidade.

No início de 1976, nós quatro, Woodell, Strasser, Hayes e eu, havíamos conversado, hesitantes, sobre abrir o capital e acabamos adiando mais uma vez a discussão. Agora, no final do mesmo ano, retiramos a ideia da gaveta, estudando-a mais a sério. Analisamos os riscos, pesamos os contras, consideramos os prós. Mais uma vez decidimos: não. Por ora não, mas o bicho ia pegar.

Lealdade recíproca. Claramente, os Buttfaces [“bundão”, maneira irreverente com que o grupo se tratava] gostavam da cultura que eu criara. Eu confiava neles integralmente e não os espionava ou ameaçava, o que gerou uma poderosa relação de lealdade recíproca. Meu estilo de gestão não teria funcionado com pessoas que quisessem ser guiadas a cada passo, mas esse grupo o considerava libertador, empoderador. Eu os deixava em paz, deixava que cometessem os próprios erros, porque era assim que gostava de ser tratado.

1977

Chuck Robinson [ex-membro da equipe de Henry Kissinger] disse que a abertura de capital não era uma opção. Era obrigatória. Eu tinha que resolver aquele problema de fluxo de caixa, atacá-lo, lutar contra ele até derrubá-lo, caso contrário, poderia perder a empresa. Ouvir a avaliação dele foi assustador, mas necessário. Pela primeira vez, percebi que abrir o capital era inevitável, e eu não poderia deixar de fazê-lo.

1978

Calçados X Vestuário esportivo. Se algum dia resolvêssemos a nossa questão com o governo, se algum dia decidíssemos abrir o capital, Wall Street não nos daria o devido respeito se fôssemos apenas uma empresa de calçados. Precisávamos diversificar, o que significava desenvolver uma sólida linha de vestuário. Para isso precisávamos encontrar alguém incrivelmente competente para colocar no comando desse departamento. Na reunião dos “Buttfaces”, anunciei que esse alguém seria Ron Nelson.

1979

China: mercado cobiçado pós-Nixon. O problema não era tanto entrar na China. Uma ou outra empresa de calçados acabaria entrando e, então, todas as outras fariam o mesmo. A questão era como ser o primeiro a entrar.  Primeiro a chegar teria uma vantagem competitiva que poderia durar décadas. Nas primeiras reuniões sobre o tema da China, sempre dizíamos: um bilhão de pessoas. Dois bilhões de pés. Por orientação de Chuck, procuramos para a missão David Chang.

1980

Abrir capital com controle. Conforme Huck Robinson, pode-se emitir dois tipos de ações: classe A e classe B. O público ficaria com a classe B, o que significaria um voto por ação. Fundadores, o círculo interno e os que possuem debêntures conversíveis obteriam a classe A, que lhes conferiria o direito de nomear três quartos do conselho de administração. Em outras palavras, você levantaria enormes somas de dinheiro, turbinaria o seu crescimento, mas garantiria o controle.

No final do verão, entregamos toda a documentação à Comissão de Valores Mobiliários e, no início de setembro, lançamos o anúncio formal. A Nike estava emitindo 20 milhões de ações classe A e 30 milhões de ações classe B. O preço seria entre US$ 18 e US$ 22. A ser confirmado. Do total de 50 milhões de ações, quase 30 milhões seriam mantidas em reserva e cerca de 2 milhões de ações classe B seriam vendidas ao público. Dos cerca de 17 milhões restantes de ações classe A, os acionistas preexistentes, ou insiders – ou seja eu, Bowerman, os titulares de debêntures e os “Buttfaces” –, seriam donos de 56%.

Manhattan, o ninho de investidores. Tivemos que fazer uma turnê promocional. Doze cidades, sete dias. Primeira parada: Manhattan. Um café da manhã em uma sala cheia de banqueiros de olhares frios que representavam milhares de potenciais investidores. Hayes levantou-se e começou com algumas palavras introdutórias. Ele apresentou os números de forma sucinta. Johnson falou sobre os tênis, o que os fazia diferentes e especiais. Encerrei o encontro. Falei sobre as origens da empresa, sua alma, seu espírito.

Noite

Depois de 40 anos, retirei-me do cargo de CEO da Nike, deixando a empresa em boas mãos, eu acho, e em boa forma. As vendas em 2006 alcançaram US$ 16 bilhões de dólares. As da Adidas somaram US$ 10 bilhões. Os nossos calçados e as nossas roupas estão presentes em 5 mil lojas em todo o mundo. E a China, o nosso segundo mercado, é agora o nosso maior produtor de sapatos. Acho que aquela viagem de 1980 valeu a pena.

Edifícios, gramados e floresta. Os 5 mil funcionários da sede mundial em Beaverton estão alojados em paradisíaco campus, semelhante aos universitários, com mais de 80 hectares de mata selvagem, cercado por riachos, pontilhado de imaculados gramados esportivos. Como presidente, ainda estou quase todos os dias no escritório. Olho ao redor, para todas aquelas construções, e não vejo edifícios, vejo templos. Qualquer edifício é um templo, se você o faz ser assim. Penso naquela viagem marcante quando tinha 24 anos, começando pelo Japão, passando pelo Partenon e, ao lado, pelo templo da deusa Atena Nike, a da vitória.

A Marca da Vitória - Ficha Técnica

Ficha técnica:

Título: A Marca da Vitória: A autobiografia do criador da Nike

Título original: Choe Dog

Autor: Phil Knight

Primeira edição: Sextante

Resumo: Rogério H. Jönck

Edição: Monica Miglio Pedrosa

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