Tecnologia

“Não é trivial, nem barato, utilizar ou extrair valor da IA. E essa complexidade só vai aumentar.”

Leonardo Santos, CEO e fundador da Semantix

Por Monica Miglio Pedrosa

US$ 1 bilhão. Essa foi a avaliação da Semantix, empresa brasileira de inteligência artificial na estreia na Nasdaq, em agosto de 2022. Foi a primeira deep tech da América Latina a abrir o capital na bolsa de tecnologia, sonho que seu fundador e CEO, Leonardo Santos, tinha desde 2017, quando recebeu o primeiro aporte de capital, do Bradesco.

Realizar o IPO no meio do período conhecido como o “inverno das startups”, em que os investidores puxaram o freio nos investimentos no setor, foi fruto de uma fusão com a Alpha Capital, no modelo SPAC, que permitiu a aceleração do processo de aprovação na SEC (Security Exchange Comission), e de muita persistência e determinação por parte do fundador. Leonardo Santos conversou com a [EXP] no escritório da empresa, em São Paulo, para compartilhar os aprendizados dessa jornada, que, segundo ele, “valeram mais do que um MBA”.

Leonardo contou como migrou seu modelo de negócio, apostando em uma plataforma SaaS proprietária para acelerar a jornada de dados e de IA das empresas e permitir o crescimento em escala. “Não é trivial, nem barato, utilizar ou extrair valor da inteligência artificial e essa complexidade só vai aumentar. Nossa plataforma apoia empresas de vários portes criando aplicações de negócio para os clientes, sem a necessidade de a organização investir tempo e recursos”, explica.

Com foco prioritário nos segmentos financeiro, de saúde, varejo e consumer, a companhia atende empresas como Bradesco, Mercedes-Benz e AT&T, em um total de 300 clientes, representando cerca de 700 CNPJs, 86% deles no Brasil, sendo o México o segundo maior mercado da companhia. A Semantix, que tem atualmente 500 colaboradores, reportou uma receita líquida de R$ 48 milhões no terceiro trimestre de 2023 e um aumento de 51% no lucro bruto em relação ao ano anterior. O prejuízo líquido foi de R$ 28,4 milhões.  

Leonardo Santos fala sobre sua visão de futuro para a companhia e a aposta em novas tecnologias, como a AGI (Artificial General Intelligence) e a computação quântica, que prometem novas revoluções nas empresas e na sociedade.

Foco em Inteligência Artificial na Semantix

“Aos 14 anos, li meu primeiro livro sobre IA, quando esse era um tema ainda complexo e custoso. O que acelerou o processo de inteligência artificial nos últimos 20 anos foi o aumento da capacidade de software e hardware. Não podemos nos esquecer do terceiro pilar, que é a matéria-prima da IA, o dado. Desde o início, em 2010, o foco da Semantix esteve em inteligência artificial, em ajudar as empresas a extrair valor dos dados. Mas por ser algo novo fizemos muita evangelização no mercado sobre o tema.”

Dados: carvão ou diamante?

“O diamante tem a mesma matéria-prima do carvão. Quando os dados de uma empresa são lapidados temos um diamante, mas quando a qualidade dos dados é ruim, ele se torna carvão, “queima” dinheiro. Essa é a essência por trás do logo da nossa organização. Queremos entregar diamante para nossos clientes. Não adianta as empresas terem tecnologia se não têm a matéria-prima muito bem resolvida. Grandes empresas já entenderam isso, mas muitas ainda têm essa dor, que precisa ser resolvida antes de a tecnologia gerar valor para o negócio.”

Explosão de dados

“As empresas têm muitas ferramentas internas de onde consomem dados estruturados: sistemas ERP, CRM, planilhas em Excel. Mas com a internet e as redes sociais esses dados, não-estruturados, precisam ser coletados e integrados aos sistemas internos. A complexidade e a variedade de dados só vão aumentar. É preciso centralizar e criar essas estruturas de dados para poder dar o próximo passo, que é a criação de valor. Isso não é trivial. A Open AI evoluiu por muitos anos seus modelos, treinando, lapidando e testando para chegar ao produto que tem hoje e investiu muitos recursos nisso.”

Déficit de tecnologia

“Alguns setores do mercado e principalmente as classes sociais mais baixas vão ser muito impactados pelo déficit de conhecimento de tecnologia. Para trazer esses segmentos e capacitar as pessoas é preciso uma agenda ampla, que envolva o mercado, o setor público e o privado, o regulador, o governo. Precisamos construir uma sociedade que esteja preparando a população para uma nova economia.”

"Aplicações de negócio que usam modelo de software 3.0, em que a IA gera o próprio código, serão game change. Estamos trabalhando nisso." - Leonardo Santos, CEO e fundador da Semantix

Regulação

“Assim como discutimos a regulação para proteção de dados [LGPD], vamos ter de avançar na regulação da IA. Participo de alguns fóruns globais, entre eles o Fórum Econômico Mundial, e eles estão se questionando sobre a possibilidade de criação de impostos sobre os algoritmos. Essas são questões que vão se tornar cada vez mais intensas a partir de agora.”

Motivação para o IPO

“Em 2017 recebemos o primeiro investimento do Bradesco e depois a Crescera também veio para uma segunda rodada. Sempre tive esse grande objetivo de levar uma companhia brasileira de deep tech (alta tecnologia) para o maior mercado de tecnologia do mundo, os Estados Unidos. Iniciamos o processo em 19 de novembro de 2021, com a assinatura de um acordo SPAC [Special Purpose Acquisition Company – modelo conhecido como “IPO do cheque em branco”, em que os investidores apostam na credibilidade dos gestores de selecionar as empresas de alto risco que farão o IPO, acelerando o processo para a investida] com a Alpha Capital, um modelo novo na América Latina e no Brasil. Fomos a primeira empresa de deep tech da região que conseguiu ser listada em uma bolsa de tecnologia no mundo.”

Inverno das startups: turbilhão no meio do caminho

“Após a assinatura do acordo começamos uma jornada de preparação das áreas da Semantix para ter a validação do regulador, a SEC (Security Exchange Comission) norte-americana. A expectativa inicial era de aprovação em um prazo de quatro meses, mas nesse período o mercado mudou, com o impacto da pandemia. Crescimento da inflação no Brasil e no mundo, aumento de juros e os investidores passam a evitar risco em empresas de tecnologia. A SEC então subiu a régua em março de 2022, porque muitos SPACs estavam fazendo IPO e as empresas não conseguiam entregar o crescimento prometido por diversos motivos. Tivemos que fazer empréstimos para manter o nível de investimentos para o IPO e levamos quase nove meses para listar na bolsa, recebendo a aprovação em 4 de agosto de 2022. Eu digo que todo esse processo representou mais do que fazer um MBA em termos de aprendizado.”

Aprendizados pós-IPO

“A cultura da empresa muda quando ela se torna pública. Todas nossas decisões devem ser comunicadas, temos de nos adaptar a esse novo modelo. É preciso rever os processos para garantir os níveis de exigência dessas novas obrigações. Também precisei trazer uma nova liderança, um management para olhar mais de perto o Brasil enquanto fui morar nos Estados Unidos para focar na integração e no processo de expansão. O terceiro aprendizado é que o IPO é só o início de uma nova jornada. Temos de manter nossa companhia sustentável e crescer, não só em margem e eficiência operacional, mas também em geração de caixa. Para isso, tivemos de mudar nosso modelo de negócios já como empresa pública.”

Novo modelo: tecnologia proprietária

“Saímos de um modelo de usar componentes e tecnologia de parceiros para virar uma empresa de propriedade intelectual e geração de tecnologia proprietária. Entre os motivos para isso está a criação de uma estratégia que garanta a perpetuidade da companhia, a criação de um diferencial competitivo, maior geração de valor para os investidores, além de mitigar o risco de penetração de mercado. Tem um quinto fator nessa decisão, que é desenvolver um ecossistema em torno da plataforma, mais difícil de ser feito com tecnologias de parceiros.”

Plataforma própria, modelo SaaS

“Nossa plataforma de dados tem ferramentas de analytics e tem como objetivo democratizar o uso da inteligência artificial e acelerar essa jornada de dados nas organizações. Ter uma plataforma própria reduz o custo e a complexidade de administrar diversos fornecedores, vendors e na manutenção de várias tecnologias. Outro fator é que na América Latina as organizações têm um budget limitado para contratar serviços de dados. Nossa plataforma permite que as empresas tenham acesso à tecnologia de forma menos complexa e mais barata. Atendemos tanto o mercado enterprise como o corporate, com empresas que estão em um patamar menor de faturamento.”

Tendências em IA

Aquisições

“Construímos tecnologia dentro de casa, em laboratórios internos, na Unicamp e também no MIT, e trouxemos soluções de setores específicos comprando algumas empresas: a Elemeno, startup de um brasileiro sediada no Vale do Silício, que traz automação do desenvolvimento, implantação e gestão de software de machine learning, para acelerar a adoção de IA nas empresas; a ATSaúde, empresa brasileira de dados de saúde; a FastOmni, plataforma de software e dados de e-commerce B2C e B2B para grandes e pequenas empresas. Além das soluções dessas empresas, ampliamos nosso quadro de profissionais especializados com essas aquisições.”

"Desenvolvemos o algoritmo que acelerou o diagnóstico de Covid para o estado de São Paulo durante a pandemia, usando IA para detectar padrões da doença em imagens de tomografia de pacientes." - Leonardo Santos, CEO e fundador da Semantix

Plataforma Multigenerativa de IA

“As plataformas permitem às empresas usar seus dados internos e conectar com nossos dados de mercado e do segmento para criar aplicações de negócio que gerem valor. É possível também construir seus diferenciais competitivos utilizando outras tecnologias que estão no nosso ecossistema. A gente se pluga às principais clouds (Amazon, Google, Microsoft), e a várias bibliotecas de LLM, como Open AI, Bard ou LLama, além de open sources privadas. É uma plataforma multigenerativa.”

Dados de segmentos como diferencial competitivo

“Hoje temos propriedade intelectual de dados que beneficiam o ecossistema e alguns segmentos específicos. Por exemplo, na saúde, consigo entregar dados de saúde da nossa região, algo que é muito difícil uma Open AI ter e nem é o foco deles. Isso cria um diferencial competitivo absurdo para nossos clientes. É muito mais fácil ele usar minha plataforma do que investir recursos, capacitar pessoas, adquirir as tecnologias, coletar e lapidar os dados e dedicar tempo para criar do zero sua solução. Não é trivial nem barato extrair valor da inteligência artificial. E tem ainda a segurança dos dados que para nós é prioridade.”

Segmentos em destaque

“Hoje entregamos aplicações de negócio para os setores financeiro, de saúde, consumer e retail, que representam 80% dos nossos clientes. Também temos oportunidades e clientes no agro e na indústria 4.0, além de outros setores.”

Semantix Academy

“Evangelizar o mercado faz parte do nosso DNA. Nascemos com essa cultura de levar conhecimento. O Semantix Academy é aberto e gratuito e faz capacitações em alta tecnologia, como big data, análise avançada de dados, Spark, que também prepara mão-de-obra para o mercado.”

Futuro e tendências de tecnologia

“Estamos acompanhando a evolução da AGI (Artificial General Intelligence), que tem aplicação muito mais ampla do que inteligências artificiais especializadas como a Generative AI. A AGI se adapta e aprende por conta própria. Outro conceito são as aplicações de negócio voltadas para esse modelo de software 3.0, que, diferente dos atuais softwares 2.0, usam a própria IA para gerar o código. Isso é muito revolucionário e estamos nos preparando para isso pensando que hoje, na minha equipe de 500 colaboradores, 85% são desenvolvedores de software, engenheiros e arquitetos de computação. Isso é game change. E tem a computação quântica.”

Setores mais impactados pela IA

Empresas de software e tecnologia são as primeiras a serem impactadas. Depois vem o setor financeiro, que tem tarefas muito repetitivas, de validação em relação à regulamentação. O terceiro setor é o de consumo de varejo. Saúde é o quarto. A Semantix desenvolveu e doou o algoritmo que acelerou o diagnóstico de Covid para o estado de São Paulo durante a pandemia, usando IA em imagens de tomografia de pacientes. Não por acaso todos esses setores são os que a Semantix está muito focada em atuar.”

Computação quântica

“Os setores financeiro, de saúde, segurança e aerospacial já estão testando o uso da computação quântica. Um exemplo: no setor financeiro, a computação quântica está sendo aplicada para hipóteses de fraude, algo que a computação tradicional leva muito tempo e requer muito investimento para fazer. Temos experimentos que visam colocar em produção alguma aplicação na América Latina, em especial nos setores financeiro e de saúde. Comercialmente falando, na minha visão, a computação quântica vai começar a ser vista nos early adopters em 2 ou 3 anos.”

Planos para o futuro

“Em primeiro lugar, perpetuar a companhia. Esse é um sonho de qualquer empreendedor. Definir o foco, a capacidade de geração intelectual e obviamente trazer as pessoas e os parceiros que tenham conhecimento para esse ecossistema. Outro desafio é criar novos produtos para permitir à companhia escalar. Por fim, preciso preparar meu plano de sucessão. Hoje tenho 4 papéis na Semantix: CEO, fundador, controlador e chairman do conselho.”

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