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A solução K

Ainda que impronunciável, é o nome do consultor de empresas Ricardo Knoepfelmacher que aparece nos comitês de crise quando todas as cartas postas à mesa foram em vão. Para o mercado, ele é Ricardo K., o “Mestre do Turnaround”, reverenciado por seu histórico de salvamento de dezenas de empresas em estado para lá de crítico. Carioca criado na capital federal, cursou Economia da Universidade de Brasília (UnB) e mergulhou no mundo corporativo de São Paulo após uma temporada de mestrado em Administração nos Estados Unidos.

Começou a carreira no escritório que a McKinsey começava a desenvolver para a América Latina, na esteira da abertura do mercado brasileiro.

Empresas em crise era o que não faltava e antes dos 25 anos Ricardo já era uma estrela ascendente no meio financeiro. Aos 30, teve sua primeira grande prova de fogo como gestor de crises ao assumir a presidência da Caloi, símbolo da indústria nacional de bicicletas que afundava na esteira do terremoto Collor.

Enfrentou greve, recessão, desorganização completa do mercado, invasão selvagem da concorrência externa, mas conseguiu reerguer a companhia. O resto é história. Ou melhor, histórias: na entrevista a seguir, Ricardo K. conta das ameaças que sofreu à frente da Brasil Telecom, passando pelo trabalho em ícones nacionais como a Bombril, até a gigantesca recuperação do império de Eike Batista.

Atraído para a órbita de escândalos e delações que abalaram o país nos últimos anos, o consultor – ao lado dos quatro sócios que não cansa de elogiar e uma equipe de 50 pessoas na RK Partners – atendeu a nada menos que oito empresas implicadas na operação Lava-Jato.

“Em 96 casos nos últimos 15 anos, não tivemos nenhuma falência”, diz com orgulho o líder do time.

A fala mansa, sempre com um toque de humor inteligente, releva muito do estilo conciliador que faz a fama de Ricardo K. no mercado. Depois de atender às recuperações bilionárias, o consultor analisa um novo modelo para entrar no mercado das médias empresas, que acredita ser a nova fonte dos “casos cabeludos”. Apesar dos modos elegantes, encrenca é com ele mesmo.

ORIGEM

Minha ideia original era ser veterinário, mas quando cheguei à Federal de Brasília, vi que não tinha o curso e pensei: “então serve economia”. Quando se tem 16 anos você não faz a menor ideia do que quer ser na vida. Durante o curso, comecei a gostar muito de microeconomia e vi que não queria trabalhar com estudo de política econômica, nem com governo. Consegui fazer um mestrado de administração nos EUA e quando voltei ao Brasil, vim a São Paulo para trabalhar.

No fundo tudo é um misto de sorte, oportunidade e trabalho.

Eu estava numa grande empresa de consultoria que era a McKinsey e via que eles faziam recomendações e relatórios espetaculares, mas que os clientes não conseguiam colocar em prática. Por isso que muito jovem, com 25 anos, fui para uma primeira empresa tentar implementar esses “blue books” da McKinsey que pretendiam ser a solução. Fui tomando gosto por esse trabalho.

DUAS RODAS

Aos 30 anos eu assumi a presidência da minha primeira empresa, a Caloi. Veja que irresponsabilidade colocar um cara dessa idade para tocar uma empresa com mais de mil funcionários, cotada em bolsa, muitos problemas e enfrentar uma greve logo de cara. No mercado de bicicletas havia um duopólio de Monark e Caloi, barreiras tarifárias e não tarifárias, cotas de importação… e de repente você passou a poder trazer qualquer coisa.

A Caloi teve que se virar e em dois anos cortar dramaticamente os seus custos. Isso é um fenômeno que aconteceu na economia como um todo. E eu comecei a tomar gosto em ver como você poderia transformar uma empresa.

Primeiro a gente pegava parte de uma empresa, depois em empresas inteiras, fazendo gestão interina, assim por diante. Em 2002 eu montei a Angra Partners e depois a área de reestruturação virou a RK Partners. Foi quando nós conseguimos trabalhar em projetos muito bacanas, como a Brasil Telecom e o Metrô do Rio de Janeiro. Em muitas situações nós entramos até como executivos das empresas. No caso da Brasil Telecom eu fui presidente e meus sócios foram diretores ou CFOs de empresas que eram nossas clientes.

DIVISOR DE ÁGUAS

Um grande caso foi o da Brasil Telecom. Não era uma empresa ruim, gerava mito caixa, mas ainda assim aumentamos o Ebitda de 27% para 36% e quatro anos depois vendemos a companhia por sete vezes o valor que havíamos pegado. Ganhamos todos os prêmios de governança, foi muito bacana, mas a um custo pessoal alto.

Nós desbaratamos uma quadrilha de corrupção que me obrigou a exportar toda a família para fora do Brasil e fez com que eu tivesse que andar com segurança por bastante tempo. Era um caso muito cabeludo, porque era uma empresa muito grande, uma das maiores prestadoras de serviços do país. Sem dúvida um flagship case.

BOMBRIL NOS TRILHOS

Um dos casos mais interessantes que assumimos foi o da Bombril [no final de 2015], que é uma marca tão conhecida e querida no Brasil. Quantas marcas no mundo são sinônimo de produto? Foi um trabalho de muito significado: uma empresa com mais de 70 anos, que tinha sido muito maltratada depois de ter sido vendida para um investidor estrangeiro [Cirio, do italiano Sergio Cragnotti] que não só não pagou, como se serviu da empresa para fazer uma série de operações que acarretaram em problemas fiscais.

Era uma situação extremamente delicada, mas que pelo fato de contar com uma marca forte e distribuição, poderia ser consertada rapidamente. Numa questão de meses, só em focar nos produtos de melhor rentabilidade, melhoria logística e canais de distribuição, o cenário tinha mudado. A empresa gera muito caixa. É uma pequena Unilever brasileira, um caso muito bonito que a gente fez.

DA FÁBRICA AO FINANCEIRO

Quando teve o colapso das empresas do Eike Batista [Grupo EBX], foi quando nós começamos a entrar com força nas grandes restruturações financeiras [2014]. Eu trouxe para trabalhar comigo sócios com muita experiência de banco, que entendiam como o grande credor pensa.

O tipo de solução, como se provisiona, é uma fama que felizmente fomos criando. Uma consultoria que traz soluções criativas para reestruturações bilionárias de empresas brasileiras.

Isso aconteceu com as empresas do Eike e também de grandes companhias envolvidas na Lava-Jato. Esses casos foram dramáticos de empresas que precisavam se reestruturar muito rapidamente, porque perdiam de uma hora para outra o seu principal cliente, que era o governo. Daí derrubavam de 70% a 80% o seu faturamento e tinham uma dívida imensa para pagar. O grupo não gera mais caixa e você tem por baixo várias empresas de infraestrutura interessantes, como portos, aeroportos, rodovia, empresas de saneamento. Paralelamente a esses casos, trabalhamos em projetos financeiros de bens de consumo e real state. PDG e Rossi foram alguns cases importantes que fizemos nesse setor.

PERFIL DE CLIENTES

Somos uma boutique que consegue tocar por volta de 10 projetos simultaneamente e com alto valor para o cliente. Os perfis variam um pouco. Hoje, dos nossos 11 clientes, três querem arrumar a casa para vender, quatro querem a empresa de volta reestruturada e nos outros casos é uma questão de fazer um spin off [transformar uma área de negócio em outra empresa] ou fazer um desmonte organizado da companhia. É muito comum atendermos a empresas que estão em várias áreas, que criam muita complexidade e não têm escala suficiente. O que nos diferencia muito dos concorrentes é um diagnóstico mais bem feito.

Sem críticas aos bancos de investimento e outros reestruturadores, nós viemos de uma origem nas empresas, como executivos e consultores. A gente entra num grau detalhe muito mais profundo. Isso permite que as soluções que se apresentam aos credores sejam estruturadoras, definitivas. Você não está simplesmente empurrando um problema dois anos para frente.

NO DIVÃ