Aprendizados e reflexões do SXSW nos desafios reais das empresas brasileiras

Monica Miglio Pedrosa
Como as tendências e principais discussões do South by Southwest 2025 estão repercutindo nas empresas brasileiras? Esse foi o tema do segundo painel do CMO Experience, que recebeu Marcel Desco, CMO da Yduqs, e Igor Puga, CMO da Zamp, em um debate direto e provocativo mediado por Ricardo Natale, CEO do Experience Club.
Durante a conversa, os dois executivos compartilharam suas percepções sobre a edição deste ano do SXSW e analisaram o impacto de temas como saúde social, inteligência artificial, capacitação e produtividade em seus respectivos setores. “Hoje, o maior índice de evasão e de reclamação dos nossos colaboradores não é sobre a jornada de trabalho ou o salário. É sobre não poderem ficar com o celular na mão durante o expediente, por questões de higiene no preparo de alimentos”, revelou Puga, da Zamp, operadora das marcas Burger King, Popeyes, Starbucks e Subway no Brasil, ao falar sobre os desafios ligados à saúde social no ambiente de trabalho.
Em um mundo cada vez mais regido por algoritmos e consumo previsível de conteúdo, a ausência de um espírito empreendedor nas equipes foi apontada como um desafio na gestão de pessoas. “Hoje há uma dificuldade muito grande de encontrar nos times aquele perfil que assume riscos, que prefere pedir desculpas a permissão para fazer”, afirmou Desco, da Yduqs, grupo de tecnologia e serviços em educação responsável pelas marcas Estácio e Ibmec, entre outras.
Confira, a seguir, os principais insights e reflexões deste debate que aconteceu ontem no CMO Experience, evento que reuniu 100 CMOs e líderes de grandes empresas brasileiras em São Paulo, e que teve na palestra de abertura Fabiano Gullane, produtor de “Senna” [leia aqui a reportagem sobre o potencial do audiovisual brasileiro para a estratégia das marcas].
Ricardo Natale – O SXSW é um festival que entregou ao menos dez grandes conteúdos de reflexão que se conectam com o nosso dia a dia, com nossos times e empresas. O tema de abertura deste ano foi saúde social. Como ele se conecta com o setor de atuação de vocês?
Marcel Desco – Essa apresentação da Kasley Killam foi um wake-up call, a gente vem de uma onda de isolamento, seja da pandemia, seja do trabalho em casa, do crescimento das reuniões virtuais. As pessoas foram se isolando e isso está se refletindo nos relacionamentos. Se nas edições passadas o tema era saúde mental, agora é saúde social.
O nosso negócio, do setor de educação, é sobre relacionamentos, nas salas de aula e na conversa entre as pessoas. Olhando isso como uma tendência futura, temos um papel muito importante de ver como podemos usar nossas plataformas físicas e a digitalização em prol da criação de comunidades e de temas de conversa. O setor de educação sofreu por muito tempo com questões de rentabilidade e de geração de caixa e isso foi levando o segmento para uma linha de pasteurização de conteúdo. Temos nos transformado aqui na Yduqs para começar a falar mais sobre os benefícios que nossos serviços trazem para as pessoas, levando essa mensagem de forma mais clara, com mais emoção do que dados.
Igor Puga – Quero iniciar com minha percepção do evento, esse foi meu sétimo SXSW. Fiquei cético em relação a alguns painéis, minha percepção é a de que os speakers estavam improvisando. É importante lembrar que o festival aconteceu 60 dias depois da eleição republicana [que elegeu Donald Trump] e a maioria dos palestrantes são democratas. Tive a sensação de que algumas pessoas estavam filtrando o que falar, se censurando, para não ficarem inadequadas no cenário complexo e difuso dos Estados Unidos. Austin é uma cidade onde, nos últimos 40 anos, os democratas ganharam as eleições. Vi, nas entrelinhas, uma situação meio forçada do tema principal ser psicologia social, ainda que seja super relevante, foi um chamado para que sejamos mais humanos.
O setor de alimentos está se recuperando. Somente em novembro de 2024 os patamares de vendas de fast food nos Estados Unidos voltaram aos níveis pré-pandemia. O delivery atenuou um pouco o impacto no setor, mas no Brasil este é ainda um serviço muito caro. No Burger King, meu ticket médio é de R$ 26 e a entrega no iFood custa R$ 10. É um incremento de 30% para receber o produto em casa, não conversa com a base da pirâmide. Fiquei um pouco decepcionado porque tudo no SXSW fala sobre o futuro e eu tenho que bater a meta do dia seguinte. Esse ano resolvi maratonar os pitches das startups. É como um Shark Tank da vida real! Acompanhei pitches de três minutos para investidores muito relevantes. Fiquei apaixonadíssimo, vi coisas que não são necessariamente do meu setor, mas que mostram como o empreendedor lida com situações e desafios que precisam ser resolvidos no agora.
Ricardo Natale – Quero trazer aqui para o debate o desafio de liderança das organizações, que tem de certa maneira forte ligação com esse tema de sermos mais humanos e da saúde social. Tenho conversado com líderes e CEOs sobre os desafios da gestão de pessoas de diferentes gerações, e dos impactos da previsibilidade dos algoritmos nas escolhas das pessoas. Como, na visão de vocês, é possível engajar mais os times que têm, cada vez mais, pessoas de cinco gerações trabalhando juntas?
Marcel Desco – Vejo hoje uma dificuldade muito grande de ter no time aquele perfil mais empreendedor, que toma risco, aquela pessoa que pede desculpas por algo que fez e não permissão para fazer. Como a gente consegue promover essa capacidade, essa liberdade para as pessoas ousarem tentar coisas novas? O natural hoje é se preservar, trabalhar para receber o feedback positivo no fim do ano. Só que hoje temos vários mercados disruptando e precisamos ter esse mindset empreendedor. Meu principal desafio como liderança é como dar essa liberdade para os times tomarem um pouco mais de risco.
Igor Puga – Tem algo assombroso acontecendo no meu setor, que fala muito sobre essa história de saúde social e emocional. Temos uma característica muito específica: 93% da nossa mão de obra tem menos de 22 anos de idade e mais de 20% deles têm menos de 18 anos, são menores aprendizes. É um público que não tem essa percepção madura de que o que ele vê nas redes sociais, no consumo da informação, é um algoritmo previsível. Ele é totalmente refém dele. Hoje, o maior índice de evasão e de reclamação dos nossos colaboradores não é sobre a jornada de trabalho ou sobre o valor do salário que ele recebe mensalmente. É sobre não poder ficar com o celular na mão por uma questão de higiene durante o preparo do alimento. Para o colaborador, não há nada menos estimulante do que imaginar que ele vai fazer o turno de trabalho sem olhar o celular. Isso é gravíssimo, é um dado da realidade tão forte que mostra o nível de doença.
Por outro lado, vi uma palestra de um PhD que dizia que estamos chegando a um extremo tão grande de não sermos donos do nosso processo de escolha, que em algum momento vai haver uma revolução. Alguém vai ‘desligar isso’, porque o que acontece é que somos reféns das recomendações que aparecem nas primeiras linhas do nosso feed de buscas.
Ricardo Natale – Quero falar agora sobre inteligência artificial. Como esse processo tem acontecido nas empresas de vocês? Como vocês estão estimulando as pessoas a usar IA, ou isso já está dentro dos processos?
Marcel Desco – No nosso caso, desde o ano passado, pelo menos no nosso time, temos promovido o uso da inteligência artificial nos nossos processos. Hoje, todo gestor de fila de desenvolvimento é uma IA. Isso aconteceu porque houve um corte do orçamento do time, então eles buscaram algo pra resolver essa restrição. Vejo que muitas coisas nascem das restrições.
Aqui na Yduqs temos um avanço grande de uso da IA nos processos de precificação e também para estratégias de growth. Como fazer personalização com escala? No mercado de educação, qualquer ponto de conversão é importantíssimo, porque às vezes você não consegue falar com esse usuário de novo. Estamos trabalhando na linha de processos, de produção, marketing, mas é no ensino onde haverá a maior transformação. Ferramentas de tutoria com base de conhecimento, ferramentas de aprendizagem, salas de aula virtuais, isso é o que avança mais rápido.
Igor Puga – A Zamp está bem atrasada em relação a isso. Trabalhei por oito anos no mercado financeiro antes e tem um delta gigante do que acontece entre esses dois mundos. Essa discrepância é um problema do setor de fast food. No segmento de alimentos, o market share de OOH (Out of Home) é gigante, porque o processo decisório está literalmente na rua. Se você for contabilizar o que precisa construir de fidelidade, remarketing, às vezes o ticket não se paga.
Mas tenho um caso de uso interessante para contar. Nas nossas operações do Subway temos lojas onde usamos monitoramento de câmeras por IA para pegar fraude e erro, quando encontramos discrepância entre o volume de ingredientes comprados versus o faturamento. Em apenas 72h descobrimos qual o problema, se é de desperdício, de falta de treinamento ou de colaborador que derruba ingredientes no chão. Então concordo com o Marcel que a necessidade nos fez pensar em uma solução de IA para resolver um problema de negócio.
Ricardo Natale – Agora queria falar sobre os desafios dos próximos tempos, como vocês estão imaginando que o mercado vá evoluir diante do cenário atual, que será muito difícil e complexo nos próximos dois anos ou mais?
Igor Puga – É a primeira vez que eu tenho lidado com uma mão de obra de pessoas muito simples, que têm como requisito o primeiro grau completo. Grande parte deles está no primeiro emprego. A discrepância da produtividade e da curva de aprendizado de uma pessoa mais velha, mais madura, com algum preparo educativo, versus o que chega sem experiência é muito latente. O nosso maior gargalo hoje para crescimento é ter uma mão de obra escalável preparada. Fora as discrepâncias regionais, em alguns estados o nível de entrega de produtividade é enorme e não por acaso são locais onde os resultados de exames do MEC são maiores. É muito difícil desconstruir a lógica que a saída está na educação.
Marcel Desco – Investir em educação é uma decisão que tem um ROI alto quando falamos em produtividade. Falta um plano de país para garantir e monitorar que essas coisas estejam acontecendo em larga escala. Existem políticas públicas muito boas para manter as crianças na sala de aula, mas esse é um trabalho diário de identificação de melhorias. Nossos alunos da Estácio têm um nível de chegada muito discrepante. Há um esforço muito grande da família para colocar o aluno ali para estudar. Esforço de tempo, de dinheiro, do aluno estudar à noite e pegar ônibus para voltar pra casa após o fim das aulas. Por isso, no início, nosso nível de desistência é alto. As plataformas digitais estão viabilizando uma parte do ensino em casa. O Brasil está carente de mão de obra qualificada e muita gente desempregada acha difícil arrumar emprego. É o gap entre produtividade e capacitação.
Ricardo Natale – Pra encerrar, o que vocês refletiram depois do SXSW? Qual foi o impacto do festival na vida de vocês?
Igor Puga – Eu tentei exaustivamente rodar o SXSW para ver algum painelista chinês e não havia nenhum. Isso por interesse próprio, porque o mercado de fast food na China é o que tem o desenvolvimento mais pujante. Primeiro achei que era uma incompetência de curadoria minha, mas de fato não é possível não haver uma só empresa chinesa no evento. Temos uma guerra comercial mundial iminente, quase uma dicotomização, mas estamos falando do supostamente maior festival de inovação do mundo sem a China. Duvido que quem fez a curadoria do evento não tenha visto chineses proeminentes em ao menos uma das 10 verticais de conteúdo. Eu quero ir para um festival, ter referências e um repertório construído a partir de uma realidade que não tem nada a ver com a do país que eu estou. E não pude ver isso lá.
Marcel Desco – Eu voltei meio preocupado. Pelos dois temas, o de saúde social e de longevidade. Vamos viver muito mais e sozinhos. Como resolver isso? Foi um verdadeiro wake up call.
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