Gestão

Engajamento dos CEOs e estratégia de dados impulsionam saúde mental corporativa

Por Monica Miglio Pedrosa

O buy-in do tema saúde mental pela alta liderança das empresas, em especial pelo CEO, é crucial para garantir o investimento em programas estratégicos de longo prazo alinhados à cultura corporativa. Essa é uma percepção unânime dos especialistas, CHROs e gestores de saúde organizacional que palestraram no Vittude Summit, evento de saúde mental corporativa que encerrou hoje, em São Paulo.

Para entender como os CEOs podem impulsionar o tema na organização, o painel “O papel do CEO na redução dos estigmas” reuniu Adriana Nascimento Blikestein, Presidente da 3M do BrasilAriel Grunkraut, CEO da Zamp (responsável pelas marcas Burger King e Popeyes no Brasil) e Juliano Ohta, Advisor na Bain & Company e ex-CEO da Telhanorte, SaintGobain e Aldo Solar, em uma discussão moderada por Tatiana Pimenta, CEO e cofundadora da Vittude.

Para Ariel, mais do que garantir o investimento em saúde mental, o diferencial do CEO está no exemplo que ele dá para a empresa. “O papel do CEO é tirar o tema da fala e ir pra prática. Não é só sobre budget. É preciso liderar pelo exemplo. Aqui na Zamp, quando um colaborador tira férias, ele não tem acesso ao e-mail, ao WhatsApp e a nenhuma ferramenta de trabalho. Parece algo básico se desligar nas férias. Mas ainda precisa ser falado.”

A Zamp, cuja cultura corporativa é permeada pelas frases “As pessoas no centro de tudo” e “Todo mundo é bem-vindo”, tem procurado colocar em prática esses conceitos. “A cada 15 dias faço o ‘Café com Presida’. Me encontro com os gerentes de restaurantes e nesse café quase não falo sobre resultados. Pergunto das pessoas, quero conhecê-las, saber o que estão fazendo. Essa prática de falar das pessoas antes de falar do profissional começou a fazer parte da cultura. Outro dia, um gerente de restaurante me encontrou e falou que gostou tanto da iniciativa que começou a fazer isso com seu time no dia a dia”, compartilhou Ariel.

E o que faz um CEO se convencer de que é preciso investir em saúde mental? “Presenteísmo. Esse é um dos pontos que, para mim, do ponto de vista da organização, é o que mais me preocupa. Saber que algumas pessoas estão presentes fisicamente, mas sem motivação, sem conseguir produzir, é um dos principais pontos para implementar um programa de saúde mental”, acredita Adriana.

A Presidente da 3M está na companhia há 23 anos e passou por diversas funções até chegar à liderança. Em um determinado momento da carreira, ela passou por um período pessoal difícil, com a perda da irmã, após enfrentar uma doença prolongada, do pai e da mãe. “Mesmo passando por esse desafio, tive segurança psicológica para colocar essas questões para os colegas e a liderança e ser acolhida por eles. Hoje, quando tenho um funcionário que está passando por uma situação difícil, sou a primeira a dizer que ele tem que ir pra casa cuidar da família.”

Para Juliano Ohta, o próximo passo das organizações que se preocupam com a saúde mental dos colaboradores passa por programas de educação e treinamento de habilidades pessoais e emocionais. “As pessoas precisam saber reconhecer suas emoções, nomeá-las, expressá-las, para então poder lidar com elas”, acredita.

“Queremos focar na liderança para preparar as pessoas para lidar com o tema. Encontrar embaixadores de saúde mental, pessoas que possam fazer as conversas difíceis que precisam ser feitas”, conta Ariel. “A resolução do problema de saúde mental passa pela importância que os líderes dão para esse tema. Passa por suas crenças”, argumenta Juliano.

Para Adriana, o maior desafio da 3M é fazer com que o programa desça para todos os níveis da organização. “Ainda existe muito estigma na produção, na manufatura, por exemplo. Esse é o próximo passo em que precisamos trabalhar”, completa.

A importância da estratégia de dados na gestão de saúde mental

Além do apoio da alta liderança e do CEO, outro diferencial das empresas que estão evoluindo na gestão de saúde mental é ter uma inteligência de dados. Luckas Reis, Head de Psicologia e Pessoas da Vittude, demonstrou em sua palestra como as informações de um sistema de gestão de dados de saúde mental pode apoiar as empresas a definir as estratégias e planos de ação para o programa de saúde mental. “No Vittude Insights, fazemos um mapeamento de sinistralidade, identificamos precocemente casos e fazemos análise de cobertura, apoiando o plano de ação das empresas”, explica.

Durante sua palestra, Luckas apresentou dois dashboards gerados com os insumos de uma pesquisa quantitativa com os colaboradores de uma empresa que revelam a relação direta entre os indicadores de sofrimento psíquico dos colaboradores, segurança psicológica, assédio, propensão ao burnout e presenteísmo.

O primeiro dashboard (acima) mostra o cenário de uma empresa que tem 56% de colaboradores com nível severo de sofrimento psíquico. Ao dar um zoom nos 20% de colaboradores que experienciam baixa segurança psicológica, os dados revelam que o índice de presenteísmo afeta mais da metade dessa população (54%), 42% têm propensão ao burnout e 80% experienciam assédio. No segundo dashboard (abaixo), ao dar um zoom nos 6% de colaboradores que experenciam uma alta segurança psicológica, os itens de presenteísmo são de 19%, a propensão ao burnout cai para zero e o índice de assédio é de apenas 3%.

Vittude Insights - Dashboard 2

Para Luckas, situações de assédio são os maiores catalisadores de transtornos de saúde mental nas empresas, pois eles atingem não somente os funcionários assediados como todos os colegas que veem o assédio acontecer. “A segurança psicológica de todo o time fica comprometida”, garante. Outro exemplo de análise de dados para prevenção de casos é olhar mais de perto colaboradores que consultam regularmente dermatologistas, neurologistas e gastroenterologistas, que costumam indicar que algo não vai bem.

“Ter projetos e programas estruturados de saúde mental é fundamental. As ações de saúde isoladas não funcionam, medimos isso pelos dados”, defende Daniela Bortman, Head of Occupational Medicine & Health da Bayer. Para a executiva, os exames ocupacionais, que são obrigatórios nas empresas, geram informações muito ricas dos colaboradores, mas poucas empresas se apropriam disso para aprimorar os dados de gestão da saúde organizacional. “As empresas investem nos exames ocupacionais, mas não no registro desses dados, nem na tecnologia de integração dos dados aos sistemas corporativos, perdendo uma oportunidade de conhecer melhor os colaboradores”, conta.

“A telemedicina e a telepsicologia são ferramentas tecnológicas que contribuem na gestão de saúde mental. No Nubank usamos ferramentas que usam dados e IA e que nos dão previsibilidade de até 92% de adoecimento dos colaboradores. Isso nos permite atuar proativamente”, conta Dr. Fleury Johnson, Gerente Sênior Global de Saúde do Nubank.

Daniel Astun Cirino, Occupationl Medicine Manager da 3M, defende que os médicos que atuam em saúde ocupacional têm de buscar ferramentas de apoio e ir além do arsenal clínico. “Para poder ampliar a atuação, é preciso equipe dedicada e, para isso, a empresa precisa entender que o tema é estratégico para a organização. No diálogo com a alta liderança, é preciso falar no idioma deles, mostrar dados de impacto e um planejamento estratégico para a situação”, reflete.

Áreas que impactam a qualidade da saúde mental nas organizações

Dr. Marcos Mendanha, médico do trabalho e professor da CENBRAP (Centro Brasileiro de Pós-Graduações), apontou em sua palestra as seis principais áreas de discordância entre pessoas e trabalho e que podem levar ao adoecimento mental dos trabalhadores, segundo estudos e artigo publicado de Maslach & Leiter: Sobrecarga de trabalho; Falta de controle; Recompensa insuficiente (que inclui feedback e propósito no trabalho); Perda de comunidade (relacionamento no trabalho); Ausência de equidade (senso de justiça); e Conflito de valores. “Quando os empregadores investem nessas áreas, melhoram a saúde mental dos trabalhadores, aumentam a segurança psicológica do ambiente de trabalho, e reduzem absenteísmo, presenteísmo, turn over e custos com sinistralidade”, conta Mendanha.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, em setembro de 2022, os riscos psicossociais para o adoecimento no trabalho: Cargas excessivas de trabalho; Longas jornadas de trabalho; Falta de clareza sobre a definição das tarefas; Falta de participação na tomada das decisões internas; Má gestão organizacional; Insegurança no trabalho; Falta de comunicação ou ineficiência dela; Assédio psicológico, moral, sexual ou violência de terceiros; Ameaças de desemprego; Abuso psicológico; Falta de políticas de qualidade e de segurança do trabalho; Ambiente de trabalho insalubre; Falta de benefícios e de inclusão sociais; e Isenção de Ética. “Vejo poucas empresas mapeando e valorizando esses riscos psicossociais, assim como valorizam os requisitos legais”, alerta Daniela Bortman.

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