Erros e acertos do CVC: o que levar em conta ao elaborar um programa de Corporate Venture Capital
Consultores especializados em capital de risco corporativo indicam roteiros para discernir os caminhos certos dos equivocados nessa modalidade de investimento.
Por Costábile Nicoletta
No texto de apresentação do estudo Innovation Survey 2023, elaborado pela Ace Cortex, o CEO da consultoria, Luís Gustavo Lima, afirma que, em um mundo cada vez mais tecnológico, digital e de mudanças aceleradas, inovar deixou de ser uma opção e passou a constituir uma questão de sobrevivência para qualquer empresa que deseja manter-se relevante no mercado.
A Ace Cortex produz o Innovation Survey anualmente com o objetivo de realizar uma fotografia do panorama atual da inovação no Brasil, levando em consideração as tendências observadas no mercado nacional. Investir em startups apresenta-se como um atalho, sobretudo a grandes companhias, para desenvolver novos empreendimentos capazes de enfrentar as velhas razões da estagnação econômica brasileira, seja como forma de diversificar sua atuação no mercado, seja para ampliá-la.
Um dos veículos de investimento para aproximar essas companhias de startups é o Corporate Venture Capital (CVC). Recente pesquisa da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) aponta aumento do interesse por parte das empresas em investir em CVC. Entre as 41 companhias que participaram do levantamento, quase 83% têm projetos dessa natureza.
Em 2022, segundo a entidade, 13 empresas listadas na bolsa de valores lançaram iniciativas para financiar empresas em estágios iniciais, ante 8 em 2021. No total, foram R$ 3,04 bilhões em capital comprometido nesses programas no ano passado. “O crescimento do mercado de CVC não foi abalado, mesmo num ano em que o segmento de venture capital passou por ajustes, com diminuição de ritmo de investimentos, aumento de ciclo de avaliação de startups e readequação dos valores investidos”, diz Márcio Barea, gerente de estudos e pesquisas da Abvcap.
De acordo com Rodrigo de Alvarenga, head de CVC/CVB da consultoria The Bakery, nos últimos cinco anos, o número estimado de CVCs e/ou corporações investindo em startups no Brasil saltou de 16 corporações ou fundos para em torno de 100. Adicionalmente, para 2022/23, já foram anunciados alguns novos CVCs ou investimentos de corporações cujos volumes financeiros comprometidos, a serem investidos nos próximos três anos, devem ultrapassar US$ 500 milhões.
Apesar de o Brasil ainda estar na adolescência do mercado de CVCs, observa Alvarenga, fatores impulsionadores estão alimentando o interesse crescente das corporações em relação a essa abordagem de inovação aberta, tais como processos de transformação digital e tecnológica; alterações no perfil de consumo/consumidor; acesso a mercados, capital e tecnologias; necessidade de adaptação das empresas ao novo contexto; e os efeitos da pandemia e das condições macroeconômicas adversas que aumentam a pressão pela busca de novas avenidas de receita e resultado.
Segundo Luís Gustavo Lima, da Ace Cortex, está ficando claro para os executivos que trabalhar em parceria com startups pode ser uma boa solução para acelerar a inovação, preparar-se para disrupções no mercado, testar novos modelos de negócios e, principalmente, gerar valor para os clientes, já que as startups, por passarem por muitos processos de validação, costumam oferecer soluções mais rápidas — e, consequentemente, mais baratas — para os problemas das grandes corporações.
Embora seja uma boa opção para atualizar-se perante as demandas do mercado, como todo investimento, um programa de CVC requer cuidados para não se transformar em experiência malsucedida. A pedido da [EXP], Rodrigo de Alvarenga, da The Bakery, e Luís Gustavo Lima, da Ace Cortex, listaram os principais erros e acertos verificados, em sua ótica, nesse mercado no Brasil.
OS ERROS NA VISÃO DE RODRIGO DE ALVARENGA
CVC não é um processo de fusão e aquisição — Entendimento equivocado de que o CVC pode ser um caminho rápido e barato para uma fusão ou aquisição. Esse ponto pode trazer muitos desafios para a companhia, incluindo dificuldades em acessar e atrair as melhores oportunidades e empreendedores, resistência de outros investidores e do mercado em geral.
Falta de alinhamento estratégico — Um erro comum em programas de CVC no Brasil é a falta de alinhamento entre os objetivos de investimento e a estratégia geral da empresa. Isso pode levar a investimentos ineficazes e à falta de sinergia entre a corporação e as startups apoiadas.
Burocracia e lentidão nos processos de decisão — A burocracia corporativa e a lentidão na tomada de decisões podem dificultar a agilidade necessária para investir em startups, colocando a empresa em desvantagem competitiva no mercado de CVC.
Falta de expertise no ecossistema de startups — Algumas empresas brasileiras entram no CVC sem a devida experiência ou compreensão do ecossistema de startups, o que pode levar a erros de avaliação e falta de apoio adequado às empresas investidas.
Segundo Rodrigo de Alvarenga, esses quatro desafios são comuns e derivam de uma visão superficial ou da falta de experiência com o tema, ou ambas. Investimentos em startups são um ramo diferente da atividade central de uma corporação, fazendo com que seja necessário que a companhia crie as condições e o apoio necessário para que essa abordagem funcione de uma forma alinhada com a estratégia empresarial.
“Além disso, navegar, identificar, atrair e investir nesse perfil de ativos requer experiência pregressa e acesso, algo subestimado pelas corporações”, explica o head de CVC/CVB da The Bakery. “Isso sem falar que consultores financeiros sem ampla vivência nesse universo, de preferência nacional e internacional, acabam por ser mais baratos e não ajudam no necessário, tendo dificuldades de guiar as companhias, seja pela falta de experiência nessa classe de ativos, seja pela falta de know-how em como navegar e acessar as melhores transações, ou ambas.”
OS ERROS NA VISÃO DE LUÍS GUSTAVO LIMA
- Subestimar a necessidade de ser bilíngue (mundo corporativo/executivo x mundo das startups/empreendedores).
- Falta de definição clara de teses x objetivos.
- Alinhamento de expectativas entre companhia x startups.
- Não ter KPIs (indicadores de desempenho) de progresso e sucesso.
- Desalinhamento de cultura e mindset de ambos os lados.
- Tentar mudar a cultura da startup.
- Tentar mudar totalmente a estratégia da startup.
- Considerar a startup uma área ou time da corporação.
- Tratar a startup como um fornecedor “tradicional”.
- Solicitar adaptações como se fosse uma software house.
- Achar caro investir, por exemplo, R$ 1 milhão em uma startup, mas gastar muito mais do que isso em iniciativas sem retorno e/ou desperdícios variados.
- Falta de clareza se será pipeline para aquisição estratégica.
OS ACERTOS NA VISÃO DE RODRIGO DE ALVARENGA
Foco na inovação e sinergia — As empresas brasileiras bem-sucedidas em CVC geralmente se concentram em investir em startups que trazem inovação e sinergia com suas operações existentes, permitindo que as corporações se beneficiem da inovação e do crescimento das startups investidas, abordagem com visão de mais curto e médio prazos para o primeiro fundo, a qual pode ser ajustada para os fundos subsequentes.
Flexibilidade e agilidade — Um aprendizado importante no CVC é a capacidade de ser flexível e ágil na tomada de decisões e na alocação de recursos. Corporações que conseguem adaptar-se rapidamente às mudanças do mercado, identificando oportunidades de investimento e sabendo como conduzir as conversas, a negociação e a formalização em tempo adequado, são mais bem-sucedidas na área de CVC.
Parcerias e construção de ecossistemas — Outro aprendizado notável é a colaboração entre empresas e startups investidas. As corporações bem-sucedidas em CVC trabalham para construir ecossistemas de inovação, promovendo parcerias e colaborações entre startups e outros atores do mercado, como universidades, instituições de pesquisa, investidores e incubadoras. Essa abordagem colaborativa ajuda a criar um ambiente favorável ao crescimento e sucesso das empresas investidas, além de impulsionar a inovação no setor.
De acordo com Rodrigo de Alvarenga, é importante ressaltar que as companhias que melhor se estruturam para essa jornada e obtêm melhores resultados são as que contratam uma equipe interna específica, começando com um executivo ou executiva com larga experiência e que ficará responsável pelo veículo de investimento, ou, ainda, uma butique especializada no tema.
“Em essência, CVCs também precisam acessar transações e oportunidades, assim como rapidamente identificar, atrair e fechar transações. E isso só é possível se a empresa dispuser de uma área e equipe especializada ou advisors que possam executar esse papel”, afirma o head de CVC/CVB da The Bakery. “Isso se deve ao fato de que esse processo tem três momentos distintos que requerem experiências e habilidades diferentes que são forjadas com o tempo. São eles: 1) estruturação da tese e do veículo; 2) deal-flow & comitê de investimento; e 3) governança e apoio ao desenvolvimento na geração de valor futuro que será medido através do valuation.”
OS ACERTOS NA VISÃO DE LUÍS GUSTAVO LIMA
- Captura de sinergias estratégicas e financeiras.
- Novos clientes e novos negócios gerados pela parceria.
- Engajamento dos clientes.
- Novas tecnologias implementadas.
- Integração cultural.
- Retenção e satisfação de clientes.
- Captação de novos talentos.
- Novos conhecimentos aplicados ao negócio.
- Novos produtos/serviços implementados.
- Velocidade de implementação de novas soluções.
- Incremento da receita e novas receitas.
- Redução de custos de novos produtos.
- Incremento da valuation da startup.
- Oportunidades de M&A (fusões e aquisições) geradas.
PERSPECTIVAS
A expectativa de Rodrigo de Alvarenga para 2023, especialmente a partir do segundo semestre, é de que o mercado volte crescer e a ganhar velocidade de cruzeiro para entrar em 2024. “Esse processo não acontecerá apenas em função dos CVCs, mas dos VCs também. Isso se deve ao fato de que, tanto em 2022 como em 2023, vários novos fundos chegaram ao mercado e já realizaram suas captações, dispondo de liquidez para investimento, e a melhora do quadro geral ou o melhor entendimento do quadro atual deve acelerar os processos de investimento”, acredita o head de CVC/CVB da The Bakery.
Para Luís Gustavo Lima, o CVC tem se consolidado no mercado nacional e se tornará, em breve, o carro-chefe da inovação nas grandes empresas, juntamente com iniciativas de CVB (Corporate Venture Building) e M&A (fusões e aquisições) com startups. “As perspectivas são as melhores possíveis, especialmente considerando a maior maturidade das empresas quando falamos de inovação na prática, com adoção da estratégia Build or Buy (fazer em casa ou comprar/trazer de fora) para fazer acontecer, a exploração de novas oportunidades adjacentes ao core business e implementação de governança orientada a agilidade e aceleração da entrega de resultados reais para o negócio”, afirma o CEO da Ace Cortex.
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