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Ideias rebeldes – O poder de pensar diferente

Como a presença da diversidade nas equipes e seus contrastes podem potencializar a inteligência coletiva e ajuda a criar um ambiente mais aberto para a inovação acontecer nas organizações

Ideias centrais:

1 – É importante constituir a ciência da diversidade. Torna-se necessário cunhar conceitos que expliquem por que as instituições homogêneas tendem a falhar, muitas vezes, sem perceber o motivo, mas também por que equipes diversas são capazes de se tornar mais do que a soma das partes.

2- A diversidades de mentalidades foi importante na decifração, por parte da Inglaterra, do chamado Enigma, código secreto das forças armadas nazistas, na Segunda Guerra. Junto a matemáticos e outros cientistas, um entendido em palavras cruzadas foi essencial na decifração do Enigma e do rumo final da guerra.

3 – Segundo estudos de Leigh Thompson, quando uma ou duas pessoas dominam um ambiente, suprimem as ideias dos outros membros da equipe. Se a pessoas dominante for líder, as coisas ainda ficam piores, e as pessoas copiam suas decisões. As ideias rebeldes não são expressas.

4 – O equilíbrio entre inovação incremental e recombinante começou a cair drasticamente. A recombinação tornou-se a força dominante na mudança, não apenas na ciência, mas na indústria, na tecnologia e além.

5 -Existe um excesso de padronização mundial. Padronizamos a educação, acordos trabalhistas, políticas, medicina e até teorias psicológicas. Todos, de maneiras diferentes, deixam de considerar a diversidade. Tratam as pessoas sob uma média mítica, não como indivíduos.

Sobre o autor:

Matthew Syed é um autor e palestrante altamente aclamado na área de alto desempenho. Além de Ideias rebeldes, escreveu livros como Bounce, Black Box Thinking e outros. Aficionado pelo tênis de mesa, participou dos Jogos Olímpicos de Barcelona, ao fim de seu primeiro ano na Balliol College, da Universidade de Oxford.

1 – Cegueira coletiva

A diversidade se reduziu ainda mais após o fim da Guerra Fria. Em Legado das Cinzas, do repórter vencedor do Pulitzer Tim Weiner, há uma citação atribuída ao diretor da CIA do começo dos anos 1990, Robert Gates, sobre a agência ter ficado menos disposta a empregar “pessoas diferentes, pessoas excêntricas, pessoas que não ficam bem de terno e gravata, pessoas que não se alinham às outras. Os testes que aplicamos, psicológicos e tudo mais, dificultam a entrada de pessoas peculiares na agência.”

Essa ideia de que excelência e diversidade são excludentes tem uma longa tradição. Nos EUA, formou a base de um argumento seminal do juiz Antonin Scalia para a Suprema Corte. Você pode escolher a diversidade, argumentou, ou ser “extraordinário”. Se uma mão de obra ou população estudantil diversificada, ou o quer que seja, surgir organicamente ao se buscar a excelência, é uma coisa. Mas privilegiar a diversidade em detrimento da excelência é diferente. E é provável que ela mine os próprios objetivos que a inspiram.

Parte da relutância em recrutar minorias étnicas era o medo da contraespionagem, mas a questão era mais profunda. Quem clamava pelo recrutamento mais abrangente era silenciado pela diluição da excelência. A CIA deve ser a mais brilhante e a melhor! A defesa é importante demais para permitir que a diversidade supere a capacidade! Como um crítico disse: “Colocar o politicamente correto acima da segurança não era uma opção aceitável.”

O que eles não perceberam foi que essa era uma dicotomia falaciosa e perigosa.

A diversidade cognitiva não era tão importante algumas centenas de anos atrás, porque os problemas que enfrentávamos tendiam a ser lineares, simples, dissociáveis ou os três. Uma física que previsse com precisão a posição da lua não precisava de uma opinião diferente para ajudá-la a fazer seu trabalho. Ela já acertou na mosca. Qualquer outra opinião é falaciosa. Isso remonta à nossa intuição de senso comum. Pensar de maneira diferente é uma distração. Com problemas complexos, no entanto, essa lógica é falha. Grupos com visões diversas têm uma vantagem enorme, muitas vezes, decisiva.

A CIA poderia ter alocado mais recursos para vigiar a Al-Qaeda. Poderia ter tentado se infiltrar. Mas era incapaz de entender a urgência. Não adotou mais recursos porque não percebeu a ameaça. Não procurou penetrar na Al-Qaeda porque desconhecia a lacuna em sua análise. O problema não foi (apenas) a incapacidade de conectar os pontos no outono de 2001, mas uma falha em todo o ciclo de inteligência. A colaboração deveria ser sobre ampliar e aprofundar o entendimento. A homogeneidade da CIA criou um vasto ponto cego coletivo.

A CIA era perspicaz do ponto de vista individual, mas, do coletivo, cega. E é na mira desse paradoxo que vislumbramos o imperativo da diversidade.

2 – Rebeldes versus clones

Grupos diversificados expressam propriedades radicalmente diferentes. Foi fascinante ver como as pessoas que não eram especialistas em futebol perceberam algumas das fraquezas subjacentes nos métodos da seleção e treinamento[FA, Football Association, da Inglaterra], de levar uma nova perspectiva para as relações com a mídia ou do preparo para uma disputa de pênaltis. As ideias rebeldes eram rejeitadas com frequência. As trocas eram férteis. E quase sempre levavam a pensamentos divergentes e a soluções mais sofisticadas.

O grupo não é, de forma alguma, perfeito, enfatizo. Há muitas lacunas em nosso entendimento. E houve momentos em que a discussão não fluiu bem. Qualquer grupo se beneficia de mudanças em seus métodos e operações. A inteligência sempre precisa evoluir.

Mas foi essa experiência, acima de tudo, que me fez pensar no tema deste livro. Ficou claro que a diversidade tem um poder subestimado, algo que eu ainda não havia percebido. No entanto, também me vi querendo esclarecer o como e o porquê. Experimentar a dinâmica da diversidade é uma coisa; saber como fazê-la funcionar em diferentes contextos e setores – como realmente otimizá-la –, outra.

E, por isso, era importante constituir uma ciência da diversidade. Queria cunhar conceitos que explicassem por que as instituições homogêneas tendem a falhar, muitas vezes, sem perceber o motivo, mas também por que equipes diversas são capazes de se tornar mais do que a soma das partes. Conceitos capazes de explicar por que a diversidade está surgindo em todos os ramos da academia e começando a dominar as estratégias de instituições de ponta, nos negócios, no esporte e muito mais.

Caso típico de uma solução calibrada na diversidade foi o da missão de encontrar, descobrir a máquina Enigma da Alemanha nazista. Bletchley Park é o nome da propriedade na zona rural de Buckinghamshire, 80 km a noroeste de Londres, em que uma equipe de homens e mulheres se reuniu para trabalhar na mais secreta das missões. A máquina Enigma era um dispositivo de criptografia usado pela Alemanha nazista em todos os ramos de suas forças armada. O grupo de Bletchley Park foi recrutado pelos serviços secretos da inteligência britânica para, entre outras coisas, desvendar o Enigma. Entre esses convocados estava Stanley Sedgewick, funcionário de uma empresa de contadores da cidade. Ele era bom em resolver palavras cruzadas, publicadas principalmente pelo Daily Telegraph.

Quem chefiava a operação Bletchley Park era Alistair Dennison. Em 1939, contratou Alan Turing, então colega de Dennison no King’s College, Cambridge, considerado um dos maiores matemáticos do século XX, e Peter Twint, também matemático, de Oxford.  Na missão foram incluídos Leonard Foster, um estudioso da Alemanha e do Renascimento; Norman Jopson, professor de filologia comparada; Hugh Last, historiador; e A. H. Campbell, filósofo jurídico.

O desejo de recrutar entusiastas de palavras cruzadas, como Sedgewik, surgiu da busca para obter ideias de todo o espaço problemático. Parecia estranho que os recrutadores de Bletchley Park observassem a competição de palavras cruzadas do Daily Telegraph. Mas eles estavam agindo sob a perspectiva holística. Eles tiveram a percepção genial de que as palavras cruzadas compartilham características críticas com a criptografia.

Quando Sedgewick chegou à Bletchley Park, foi alocado para focar a interceptação de códigos climáticos. Eles foram cruciais para o Comando de Bombardeiros da Força Aérea Real, ajudando-os a tomar decisões operacionais mais bem informadas, mas tinham um objetivo adicional. Serviram de cobaias para a máquina Enigma usada pela Marinha Alemã. Quebrar aqueles códigos teve uma repercussão impagável, desempenhando um papel fundamental na Batalha do Atlântico. Permitiu que os comboios dos EUA escapassem dos submarinos alemães que estavam à espera, criando um elo entre os Estados Unidos e a Europa, que permitiu à Grã-Bretanha se beneficiar dos suprimentos mercantes cruciais para continuar lutando.

Em outras palavras, a quebra do código Enigma dependia da quebra de um código anterior: o da diversidade. Digamos que a operação Enigma contratasse só matemáticos, pessoas brilhantes de uma mesma classe e formação.

3 – Dissidência construtiva

Uma pessoa tem um único par de olhos. Uma equipe tem muitos. Portanto, a pergunta que fazemos é: como combinar informações e perspectivas úteis? Para que a diversidade opere sua mágica, diferentes perspectivas e julgamentos devem ser comunicados. Não é bom guardar informações úteis.

Há também a questão de quem toma a decisão final depois que as várias perspectivas são expressas. Se houver opiniões contraditórias, quem decide? Se houver ideias diferentes, nós as fundimos ou selecionamos uma em vez das outras? Neste capítulo, passaremos dos fundamentos conceituais da diversidade para a implementação prática.

Um estudo inteligente da Escola de Administração de Roterdã analisou mais de 300 projetos reais, anteriores a 1972, e descobriu que os projetos liderados por gerentes juniores eram mais propensos a ter sucesso do que aqueles com um sênior no comando. Em face do estudo, o fato parece surpreendente. Como uma equipe poderia ter um desempenho melhor quando privada da presença de um de seus membros mais experientes?

O motivo é que essa liderança tem um preço sociológico quando abarca uma dinâmica de dominância. O conhecimento perdido pelo grupo quando o gerente sênior é retirado do projeto é mais do que compensado pelo conhecimento adicional expresso pela equipe em sua ausência. Como Ballazs Szatmari, principal autor do estudo, declarou: “O surpreendente em nossas descobertas é que os líderes de projetos de alto status falham com mais frequência. Acredito que isso ocorre não apesar do apoio incondicional que recebem, mas por causa dele.”

A lógica das reuniões é notória. Muitos cérebros são mais eficazes do que um – desde que sejam diversificados. Nas últimas duas décadas, o tempo gasto por gerentes e funcionários em atividades colaborativas aumentou mais de 50%. Mas aqui enfrentamos uma verdade preocupante, pouco discutida. Inúmeros estudos revelam o mesmo resultado: reuniões são catastroficamente ineficientes. Assim como Leigh Thompson, uma acadêmica da Kellog School of Management me disse: “Reuniões preveem resultados mais terríveis do que fumar causa câncer.”

Thompson é professora de administração e resolução de conflitos em organizações e passou a vida estudando julgamentos em grupo. Ao conduzir sua pesquisa, logo percebeu a dinâmica de dominação. Quando uma ou duas pessoas dominam, suprime as ideias dos outros membros da equipe, particularmente os introvertidos. Se a pessoa dominante for líder, as coisas ficam ainda piores, e as pessoas copiam suas decisões. As ideias rebeldes que existem dentro do grupo não são expressas. Ela diz: “As evidências sugerem que, em um grupo de quatro pessoas, duas são responsáveis por 62% do que foi dito e, em um grupo de seis pessoas, três são responsáveis por 70% das falas. Fica pior à medida que o tamanho do grupo aumenta.” Na verdade isso é tão comum que ganhou um nome: “o problema de comunicação desigual.”

Equipes precisam de um líder; caso contrário, existe o risco de conflito e indecisão. E, no entanto, o líder só fará escolhas sábias se tiver acesso às diversas visões de grupo. Como, então, uma organização pode ter hierarquia e compartilhamento de informações, determinação e diversidade? Essa é questão que domina os livros de administração há décadas, e a abordagem costuma ser posicionar a hierarquia e a diversidade em um conflito inerente. A ideia é mudar o gradiente hierárquico para que se tenha um pouco de domínio e um pouco de diversidade.

4 – Inovação

Os especialistas em inovação a distinguem em dois tipos. Por um lado, existem as etapas diretas e previsíveis, que aprofundam um dado problema ou especialização. Pense em James Dyson pacientemente aprimorando o design de aspirador de pó, aprendendo mais sobre a separação da poeira do ar ao ajustar as dimensões de seu famoso ciclone. Com cada novo protótipo, aprendia mais sobre a eficiência da separação. A cada nova etapa, adquiria um conhecimento mais profundo desse pequeno segmento de ciência. Esse tipo de inovação se chama incremental. Denota claramente a ideia de aprofundamento do conhecimento dentro de limites bem definidos.

O outro tipo de inovação está incorporado nos dois exemplos que acabamos de discutir. Chama-se inovação recombinante. Você pega duas ideias, de diferentes campos, até então não relacionados, e as funde. Uma roda com uma mala. Uma nova forma de geração de energia com um processo de fabricação reformado. A recombinação costuma ser drástica, porque faz a ponte entre domínios ou destrói os silos, abrindo novas possibilidades.

Nos últimos anos aconteceu algo que escapou ao conhecimento de muitas pessoas; na verdade, de muitos cientistas. O equilíbrio entre inovação incremental e recombinante começou a cair drasticamente. A recombinação tornou-se a força dominante da mudança, não apenas na ciência, mas na indústria, na tecnologia e além.

Para se ter uma ideia desse domínio, considere um estudo liderado por Brian Uzzi, professor da Kellog School of Management. Ele analisou 17,9 milhões de publicações em 8.700 revistas na Web of Science, o maior repositório de conhecimento científico do mundo. Isso é praticamente todos os artigos escritos nos últimos 70 anos. Ele procurava padrões. O que cria uma grande ciência? Onde estão as grandes ideias?

O que ele encontrou? Os artigos com maior impacto foram aqueles que tinham o que os pesquisadores chamavam de “combinações atípicas de sujeitos”; ou seja, documentos que ultrapassam as fronteiras tradicionais. Esses trabalhos misturavam, digamos, física e computação, ou antropologia e teoria de redes, ou sociologia e biologia evolutiva. Esse é o equivalente científico de “as ideias se reproduzem”. Esses artigos romperam as paredes conceituais entre sujeitos e silos de pensamento, criando novas ideias e possibilidades.

Dê uma olhada na seguinte lista de nomes: Estée Lauder, Henry Ford, Elon Musk, Walt Disney e Sergey Brin. Você percebe o que eles têm em comum? Eles parecem uma lista de empresários famosos, pessoas que impactaram a sociedade norte-americana. Mas vá um pouco mais fundo e você notará que eles compartilham um padrão com dezenas de outros, incluindo Jerry Yang, Arianna Huffington e Peter Thiel, cada um dos quais ajudou a moldar a economia moderna dos Estados Unidos. O elo entre essas pessoas? Todas são imigrantes ou filhas de imigrantes.

Os imigrantes têm outra vantagem, inextricavelmente ligada à noção de recombinação. Eles têm experiência em duas culturas, portanto, têm maior escopo para reunir ideias. Eles agem como pontes, facilitadores para o “sexo de ideias”. Se a perspectiva externa confere a capacidade de questionar o status quo, a diversidade de experiências fornece as respostas recombinantes.

5 – Câmaras de eco

A grande diversidade das redes sociais abrangentes tem o potencial de produzir efeitos paradoxais nas redes locais. Isso vale tanto para o mundo digital quanto para o mundo social. Uma universidade cosmopolita como a Universidade de Kansas pode levar a grupos de amizade homogêneos. Uma ocasião criada propositadamente para incentivar as pessoas a interagir leva a uma variedade refinada.

Essas ideias ajudam a compreender um dos paradoxos definidores da era moderna: as câmaras de eco ideológicas. Apesar de toda a sua promessa de diversidade e interconexão, a internet se caracterizou por uma nova espécie de grupos homogêneos, ligados não pela lógica dos parentes ou tribos nômades, mas pelo aperfeiçoamento ideológico. Essa é uma encarnação completamente digital da dinâmica insular da era neolítica, com informações circulando dentro de grupos e não entre eles. Em muitos casos, as câmaras de eco não são motivo de preocupação. Se está interessado em moda, deseja participar de um fórum no qual pode conversar com outras pessoas que pensam da mesma forma. Prejudicaria sua satisfação se as pessoas continuassem a postar sobre futebol, arquitetura ou fitness. Nesses fóruns, a diversidade não só é redundante, mas irritante.

Porém, quando procuramos nos informar a respeito de assuntos complexos, como política, as câmaras de eco distorcem. Ao receber as novidades do Facebook e de outras plataformas, em que os amigos compartilham tendências culturais e políticas, as pessoas ficam expostas a pessoas que concordam com elas e as evidências que reforçam suas opiniões, ficando menos expostas a perspectivas opostas. O potencial da variação refinada é ampliado por um fenômeno sutil: as bolhas intelectuais.

É essa vulnerabilidade epistêmica que as câmaras de eco exploram. Minando sistematicamente a confiança daqueles que pertencem ao grupo em visões alternativas, difamando os que oferecem ideias e perspectivas diferentes, introduzem um filtro que distorce o próprio processo de formação de crenças. Opiniões alternativas são descartadas ao primeiro contato, e não após a consideração. Os fatos são rejeitados, mesmo quando são apresentados. Perspectivas e evidências são repelidas como polos iguais de um ímã. Nguyen afirma: “As câmaras de eco operam como uma espécie de parasita social em nossa vulnerabilidade… Uma bolha de informação é quando você não ouve pessoas do outro lado. Uma câmara de eco é o que acontece quando você não confia nas pessoas do outro lado.”

Muitos filósofos gregos antigos, inclusive o próprio Sócrates, argumentaram que o bom funcionamento de uma democracia está indissociavelmente conectado à qualidade de suas deliberações. Somente testando ideias e examinando evidências chegamos a decisões fundamentadas. Essa é a lição que emerge também de nossa análise da ciência da diversidade, bem como das teorias formais que sondam as condições sob as quais a democracia leva a resultados sábios. E é exatamente por isso que Sócrates acreditava ser crucial que os cidadãos detectassem e punissem o raciocínio falacioso.

6 – Além da média

Se não era a engenharia ou a habilidade [por trás de muitas ocorrências na Força Aérea dos EUA. Final dos anos 1940], o que mais poderia ser? No coração desse mistério, estava um ex-aluno de Harvard, especializado em antropologia física. O temente Gilbert S. Daniels não era um aviador convencional: um homem quieto, de fala mansa, metódico e científico, incluía jardinagem entre seus hobbies. Daniels tinha um palpite. Ele acreditava que o problema não estava na engenharia ou nas decisões do piloto, mas no design da cabine de pilotagem.

Alguns membros da Força Aérea ponderaram se os pilotos haviam engordado desde 1926, dificultando a operação dos controles. Essa pode ser a explicação para todas as falhas? Daniels teve um palpite diferente. Ele estipulou que o problema não se baseava no peso dos aviadores, mas no que haviam definido como “aviador médio”, que era impreciso. Talvez não houvesse aviador médio.

Em 1952, Daniels teve a oportunidade de testar sua intenção. Ele liderou um projeto na Base Aérea de Wright-Patterson, que pretendia medir as dimensões dos pilotos. Daniels se dedicou à tarefa, tabulando cuidadosamente 4.063 pilotos em 140 classificações de tamanhos. Eles incluíam “comprimento do polegar, altura da virilha e distância do olho à orelha”. Ele então calculou a média das dez dimensões que considerou mais importantes para o design da cabine. Em outras palavras, ele estava tabulando as dimensões do piloto médio.

Mas, então, o que houve? Quantos pilotos estavam entro da faixa média entre as dez dimensões? Absolutamente nenhum. De um corte de mais de 4 mil, nenhum deles era médio. O palpite de Daniels foi enfaticamente confirmado. O problema não era o piloto médio ter engordado desde 1926. O problema era que não havia piloto médio.

O trabalho de Daniels levou a uma constatação importante. Uma cabine padronizada para o piloto médio pode parecer lógica, até científica, mas está repleta de perigos latentes. A cabine padronizada foi a causa principal da alarmante taxa de incidentes, causando várias ocorrências. E forçou a Força Aérea a pensar o design de outra forma. Em vez de exigir que o piloto se adapte a uma cabine padrão, que quase não convinha a ninguém, eles a redesenharam para se adaptar à diversidade dos pilotos.

A padronização da cabine da Força Aérea dos EUA não caracteriza apenas um perigo, mas uma metáfora. Esse é apenas um exemplo da padronização mundial. Padronizamos a educação, acordos trabalhistas, políticas, medicina e até teorias psicológicas. Todos, de maneiras diferentes, deixam de levar em consideração a diversidade humana. Tratam todas as pessoas como manifestações de uma média mítica, e não como indivíduos. Isso nos leva de volta ao ponto no início deste capítulo sobre como essa falha pode nos fazer esquecer a diversidade humana e desperdiçar seus benefícios. Somos todos diferentes uns dos outros. Temos diferentes dimensões físicas, mas também diferentes traços cognitivos, pontos fortes e fracos, experiências e interesses. Essa é uma das coisas mais maravilhosas de nossa espécie.

Num experimento do Google, de 2014, uma equipe de psicólogos realizou um pequeno workshop para os funcionários de vendas e administração. O workshop incentivou os profissionais a pensar em seus trabalhos não como parâmetros, como cabines de pilotagem inflexíveis, mas como projetos ajustáveis.

O que aconteceu? Aqueles que participaram do workshop foram classificados pelos gerentes e colegas de trabalho como mais felizes e com melhor desempenho, e tinham uma probabilidade 70% maior de conseguir uma promoção ou mudar para um emprego preferido, quando comparados a um grupo de controle.

7 – O quadro geral

Hoje, o foco principal permanece individualista. Estamos preocupados em ajudar as pessoas a se tornarem mais inteligentes, mais perspicazes, mais capazes de se proteger contra preconceitos. Observamos que o trabalho excelente de artistas como Gary Klein e Daniel Kahneman é escrito sob esse ponto de vista. E, embora essa perspectiva seja importante, nunca devemos permitir que obscureça a perspectiva holística.

Os conceitos de organização apresentados neste livro são holísticos: o cérebro coletivo. A sabedoria das multidões. Segurança psicológica. Inovação recombinante. Teoria das redes. Os perigos do sortimento refinado. O conteúdo desses conceitos emerge não da parte, mas do todo. Isso é crucial em uma época em que nossos problemas mais urgentes são complexos demais para os indivíduos resolverem por conta própria. Vivemos em uma era em que a inteligência coletiva é cada vez mais importante e imprescindível.

Nossa espécie é, nesse sentido, construída sobre a diversidade. Nossa espécie é única na maneira em que diferentes ideias, experiências, descobertas e recombinações aleatórias varre nossas redes de conexão, construindo o cérebro coletivo, expandindo a inteligência coletiva e alterando a trajetória da seleção natural. É a diversidade dessas ideias que nos torna inteligentes. Despojado do conjunto acumulado de ideias, o cérebro humano nu é muito menos impressionante.

Outra maneira pela qual as empresas de ponta estão aproveitando a diversidade é com o uso de “shadow boards”. Elas consistem em jovens que aconselham executivos sobre decisões e estratégias importantes, atenuando, assim, as falhas associadas à idade. Afinal, cada um de nós cresceu num determinado momento e absorveu um paradigma cultural e intelectual específico. Isso influencia o quadro como pensamos de tantas maneiras que podemos ficar inconscientes disso.

As shadow boards geralmente consistem em um grupo com os jovens mais capacitados de toda a organização, que contribuem regularmente para a tomada de decisões de alto nível. Isso permite que os executivos “alavanquem as ideias” dos grupos mais jovens e diversifiquem as perspectivas às quais estão expostos. Isso, por sua vez, gera um fluxo maior de ideias rebeldes.

Conclusão

Somente quando começamos a absorver as verdades da ciência da diversidade é que nossa perspectiva começa a mudar. Começamos a enxergar a inteligência não apenas em função do brilho intelectual dos indivíduos, mas de sua diversidade coletiva. Vemos que a inovação não se trata meramente das ideias de determinadas pessoas, mas das redes que permitem sua recombinação. E vemos que o sucesso da humanidade tem menos a ver com cérebros individuais e mais a ver com as propriedades emergentes do cérebro coletivo.

Ficha técnica:

Título: Ideias rebeldes – O poder de pensar diferente

Título original: Rebel Ideas

Autor: Matthew Syed

Primeira edição: Alta Life

Imagens: Freepik, Unsplahs e Stock

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