Venture Capital

Impasse no Cade trava R$ 100 bi em Fusões e Aquisições

Responsável por julgar fusões e aquisições de empresas e evitar concentração de mercado e a formação de cartéis, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está no centro de um impasse político que, na prática, está paralisando o fechamento de novos negócios no Brasil.

Desde julho, quando o mandato do conselheiro Paulo Burnier terminou, o órgão está sem quórum, o que deu origem a uma gigantesca e burocrática fila. São operações já previamente aprovadas pelo Cade, mas que, ainda assim, dependem de um sinal verde definitivo da autarquia para serem de fato concretizadas.

De acordo com o próprio Cade, 78 transações estão em compasso de espera, nessa situação. Entre elas estão a compra da Ouroinvest pelo BTG e a aquisição da Nextel pela Claro. Embora os valores de muitas dessas negociações sejam mantidos em sigilo pelas partes, os valores são relevantes para a economia.

Especialistas do mercado estimam que, somado, o montante de negócios represados supere a casa dos R$ 100 bi.

Somente a compra da Nextel pela Claro foi negociada a R$ 3,47 bi e resultará em uma companhia que movimenta perto de R$ 40 bi ao ano, caso o Cade faça a aprovação final da transação.

O tribunal do órgão, que deve ser composto por sete membros, também está desfalcado. Há apenas três componentes no momento. O imbróglio traz insegurança jurídica para investidores e empresários.

“Já conheço casos de empresas que recorreram à Justiça para aprovar a operação e foram em busca de liminares”, comenta Aurélio Marchini, sócio do Marchini Botelho Caselta Advogados. “São dois meses de atraso do Cade, o que, muitas vezes, é mais tempo do que levou a transação em si”, lamenta.

Consenso de Washington

Desde 2012, a lei brasileira obriga que fusões e aquisições tenham o aval do Cade antes de serem levadas à frente. Portanto, para todos os efeitos práticos, com a fila, as empresas ficam sujeitas a multas e não podem efetivar a combinação de negócios e ativos.

Para resolver a questão de forma definitiva, o governo precisa indicar novos componentes do Cade ao Senado, onde eles devem passar por sabatina. E esse processo tem sido lento e repleto de idas e vindas.

A seleção dos novos conselheiros ganhou contornos políticos desde que o presidente da República resolveu indicar Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil em Washington.

Como tem sido amplamente difundido no noticiário político, o governo está condicionando diversas negociações de cargos e verbas em troca do apoio dos senadores para aprovar o nome do filho para o importante cargo diplomático. O Cade entrou no pacote e o governo cedeu, com a retirada dos nomes do economista Leonardo Rezende e do advogado Vinicius Klein, que haviam sido indicados em maio pelo ministério da Justiça, Sérgio Moro.  

Outra lista, previamente negociada e mais ao gosto do Senado, só foi entregue pelo governo no final de agosto. Por fim, um passo importante para destravar o Cade foi dado no último dia 11. Na ocasião, o presidente do Casa, Davi Alcolumbre, repassou a seus pares a mensagem de Bolsonaro com os novos indicados.

Entre eles estão Walter Agra Júnior, que pode ser reconduzido ao cargo de procurador-geral do órgão, e Alexandre Cordeiro Macedo, igualmente indicado para permanecer na vaga de Superintendente-Geral.

Para as vagas de conselheiros, o governo indicou a advogada Lenisa Rodrigues Prado; o atual subchefe adjunto de política econômica da Casa Civil, Sérgio Costa Ravagnani; o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas, Luiz Henrique Bertolino Braido; e o também advogado Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann.

Ainda não há data marcada para que os nomes dos profissionais sejam submetidos à sabatina, mas a partir da comunicação oficial, isso pode acontecer a qualquer momento nos próximos dias.

Alguns aspectos, como o perfil dos componentes da lista, desagraram especialistas com anos de experiência na área.

“Os nomes não são muito conhecidos, o que, num primeiro momento, pode ser negativo. Mas, certamente, alguns vão se revelar competentes e trazer boas surpresas. O que me incomoda mais é ver que aquela ideia de tornar o Cade um órgão plural, com diversidade de ideias, conhecimento e profissões e não majoritariamente com advogados parece ter sido completamente abandonada”, critica um profissional com trânsito na autarquia e que falou ao Experience Club na condição de ter seu nome preservado.

Mercado aquecido

Se, por um lado, o represamento de negócios atrapalha empresas, por outro, também mostra um aspecto que anima quem trabalha com fusões e aquisições: o mercado está bastante ativo, mesmo em meio à lenta retomada da economia.

“Há muitos negócios acontecendo. As áreas de saúde, educação e empresas de TI estão bastante aquecidas.” [autor]Alexandre Pierantoni, responsável pela área de Finanças Corporativas no Brasil da consultoria Duff & Phelps.[/autor]

Segundo ele, um movimento que vem ganhando força é o de investidores de family office e venture capital realocando recursos em busca de maiores retornos com o recuo da taxa básica de juros, a Selic. “O apetite desses investidores por empresas tem crescido e deve permanecer”, observa.

O líder de fusões e aquisições da EY, Viktor Andrade, menciona três tipos de estratégias que vêm mantendo fusões e aquisições em alta. O primeiro é o de desinvestimentos. Ele tem à frente empresas em sua maioria castigadas por dívidas, que estão voltando seus negócios para um determinado alvo e deixando outros de lado.

O segundo movimento é conduzido por investidores – fundos ou companhias -, que aproveitam ativos depreciados para entrar em novas áreas ou mercados.

A terceira frente, certamente a mais ativa em volume de operações, é a que considera startups que oferecem soluções inovadoras.

“Esse é um ambiente absolutamente em ebulição. Todos os dias acontece algum negócio envolvendo empresas de tecnologia que geram eficiência para resolver problemas de milhares de pessoas”.

Para o TozziniFreire Advogados, que no primeiro semestre participou de transações envolvendo, entre outras, Fibria e Suzano, Merck e P&G e Getnet e Santander, a segunda metade do ano promete.

“Estamos envolvidos em várias operações: empresas estrangeiras entrando no mercado, fundos de private equity bastante ativos e, pontualmente, até empresas brasileiras buscando ativos no exterior”, afirma Marcela Ejnisman, sócia corresponsável da área de Fusões e Aquisições da TozziniFreire Advogados.

Texto: Luciano Feltrin

Imagem: Reprodução/Unsplash

   

  

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