ESG

Mover aposta em Inteligência Artificial como ferramenta de equidade racial nas empresas

Por Andrea Martins

A tecnologia e as ferramentas de Inteligência Artificial podem contribuir para atrair talentos pretos e pardos para vagas de grandes empresas e para aumentar a equidade racial nos quadros, especialmente na liderança.

Essa é a expectativa do novo portal de empregos do Mover (Movimento pela Equidade Racial), que será lançado até o final do ano com o objetivo de conectar candidatos pretos e pardos às vagas afirmativas oferecidas pelas 49 empresas associadas à entidade.

Após o lançamento e consolidação do modelo, a novidade deverá ser ampliada para outras empresas, segundo Eduardo Santos, presidente do conselho deliberativo do Mover e CEO da divisão brasileira da multinacional de ensino de idiomas e intercâmbio Education First (ou EF).

“Não tenho dúvida de que vai virar uma solução disponível para o mercado. Queremos acelerar absurdamente estas vagas dentro das 49 empresas associadas porque o Mover tem duas metas: gerar, até 2030, 10 mil posições de lideranças para pessoas pretas e impactar, no mesmo período, até 3 milhões de pessoas por meio de empregabilidade, capacitação e conscientização”, conta o executivo.

Dinheiro para investir em soluções, projetos inovadores e iniciativas não deve faltar. Com R$ 15 milhões por ano de receita para atuar na pauta racial, o Mover busca, principalmente, ampliar a participação de pretos e pardos nos comandos das empresas e ampliar a conscientização antirracista no topo das organizações.

Atualmente, só 5% dos líderes das 500 maiores empresas brasileiras são pessoas negras – representatividade baixíssima em um país com 56% de pessoas autodeclaradas pretas e pardas, de acordo com dados do IBGE.

A ideia do Mover nasceu em 2020, logo após o episódio do espancamento e morte de um homem negro, João Aberto Silveira, em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre (RS). Na ocasião, 7 dos 13 CEOs das empresas fundadoras do movimento estavam reunidos para discutir como companhias de consumo, como Ambev, Mondelez, entre outras, poderiam auxiliar os pequenos empreendedores durante a pandemia.

A pauta racial entrou na agenda daquelas lideranças e o Mover foi constituído com a assinatura de um compromisso público antirracista. As 13 associadas iniciais, entre elas Ambev, Pepsico, Heineken, Nestlé, L’Oréal, EF, Mondelez e Coca-Cola, em 4 meses, chegaram a 47. Atualmente, são 49 companhias, que juntas empregam mais de 1,3 milhão de colaboradores. Os encontros dos executivos acontecem trimestralmente e tornaram-se um ambiente importante de relacionamento para o debate e aceleração da pauta racial em suas companhias.

“O nosso compromisso público tem no seu DNA o objetivo social de (produzir) minimamente algum reparo, acreditando ou reconhecendo, de certa maneira, que nós, enquanto mercado corporativo, somo responsáveis por uma estrutura racista”, explica Santos.

Para se associar ao Mover, que é uma empresa do terceiro setor sem fins lucrativos, existem 3 modelos para as companhias, com o compromisso de permanecerem 3 anos na entidade: Cotas associativas majoritárias, no valor de R$ 500 mil por ano; cotas minoritárias, no valor de R$ 250 mil por ano; e associação remida (isenta de contribuições), mas com a oferta de produtos e serviços que alcance um valor correspondente a um múltiplo da cota majoritária. Qualquer empresa pode se associar, das multinacionais às familiares.

“O Mover também é um fundo social e coletivo, que busca receita para reverter em projetos que atuam não só nas duas grandes metas que comentei, mas que viabilize conscientização antirracista. Além de fazer a transformação dentro das nossas companhias e dar um recado claro de que o mercado corporativo, se não na sua totalidade, será antirracista, queremos fazer com que esta conscientização avance rápido”, diz Eduardo Santos.

Entre os projetos lançados, destaque para a oferta de 30 mil bolsas de estudo de cursos de inglês, em parceria com a EF, anunciada em setembro para pessoas autodeclaradas pretas e pardas que estão buscando inserção no mercado ou aceleração de carreiras. Mais de 47 mil candidatos já se inscreveram e, durante 12 meses, os selecionados terão acesso à escola virtual da EF, com mais de 2 mil horas de conteúdo.

Outra iniciativa foi a criação de um game de letramento racial, o Bora Mover, que oferece conteúdo de conscientização na jornada de equidade racial e pode ser acessado por qualquer empresa ou pessoa no site da associação.

Em entrevista à [EXP], Eduardo Santos dá detalhes sobre o novo portal de vagas afirmativas com Inteligência Artificial e fala sobre os pilares de atuação da entidade e das empresas associadas na pauta racial. O CEO da EF, que se autodeclara preto e morou com a família em um bairro periférico da zona leste de São Paulo (SP), destaca a importância da educação e como ela foi responsável por mudar sua história. Confira.

EXP – Como, na prática, as 49 empresas associadas do Mover atuam na pauta racial?

Eduardo Santos – Nossa ideia principal e compromisso envolvem o avanço interno, nas empresas, da pauta racial. O Mover também tem como objetivo a busca por investimento coletivo que possa impactar na sociedade. Nossa atuação é baseada em três pilares. O primeiro é Liderança, com o grande objetivo de fomentar, desenvolver, habilitar, impulsionar e pressionar para que consigamos alcançar um número maior de pessoas pretas nas lideranças dentro das nossas empresas. O segundo pilar é a Conscientização, e com 1,3 milhão de funcionários representados nas associadas, nossa capacidade de alcance é muito grande. Por fim, o terceiro pilar é Emprego e Capacitação. Olhamos não só para as empresas, mas, também, para a sociedade.

Trabalhamos com a liderança das 49 associadas para promover, pautar e fazer com que estas empresas tenham ferramentas e oportunidades de desenvolvimento e passem a ter a intencionalidade na promoção de novas lideranças pretas e pardas. Também alimentem a comunicação e que consigam atrair e ter bons indicadores de pautas raciais e criação de oportunidade de empregos.

Haverá um novo portal de vagas afirmativas?

Entre as entregas da associação vamos lançar, em breve, um portal de vagas, com base de candidatos, entre outubro e novembro, que será o primeiro portal com Inteligência Artificial para dar match entre candidatos pretos e pardos e vagas afirmativas. Já temos o projeto piloto, em versão beta, com volume de vagas e a expectativa de ser um dos primeiros com IA focada em pessoas pretas para as associadas. O que queremos agora é fazer o match entre o próprio candidato e o ‘job spec’ (job specification) das vagas e com que essa interação aconteça de forma mais automatizada possível.

No site SomosMover.org já tem alguns spoilers sobre como temos tratado a publicação das vagas. Na EF, por exemplo, o Mover nos ajudou como cultura organizacional. Na minha trajetória na companhia, me ajudou a avançar em um curto espaço de tempo. É mais fácil e fluido a justificativa de abrir uma vaga afirmativa. E quando tenho vaga na EF, automaticamente mando para o Mover e eles publicam no site e nas mídias sociais.

São vagas afirmativas com foco na liderança ou são vagas em geral?

São vagas em geral. Quero ‘intencionalizar’ que, em todas as vagas e oportunidades de emprego (das associadas), os candidatos (pretos e pardos) enxerguem oportunidades e que tenham as mesmas capacidades, estejam no mesmo grau de competição e de participação para ganhar aquele processo seletivo e ser escolhido para chegar e trabalhar nas nossas companhias.

10 diretrizes para a jornada de inclusão nas empresas

O portal começa só com as vagas das 49 empresas ou já vai ampliar para outras companhias que queiram ter vagas afirmativas e atrair mais talentos pretos e pardos?

Não tenho dúvida de que essa solução vai virar uma solução disponível para o mercado. Vamos iniciar dentro das 49, queremos fazer isso muito bem dentro das associadas, para acelerar absurdamente estas vagas. Outro exemplo: no ano passado lançamos o Bora Mover, um game de letramento racial na web, onde as pessoas acessam esta página e passam por um letramento digital, focado em raça. Esta solução está disponível para o mercado.

O movimento, considerando a sua ambição e poder de conscientização, lança primeiro para as associadas, lança valor ali dentro, faz com que o ponteiro se mova mais rapidamente, mas já tem levado soluções para o mercado para que a gente conquiste mais espaço e que a sociedade perceba que o mercado corporativo tomou a decisão, por meio do modelo de coalizão ou ecossistema, de fazer a transformação em relação a essa pauta (racial).

Hoje as empresas têm dificuldade para atrair os talentos pretos e pardos ou a dificuldade é só do lado do candidato de ingressar nas companhias?

Acredito que estamos conquistando transformações importantes. Pessoalmente, apesar de ser um homem que me autodeclaro preto, aprendi isso ao longo da minha jornada, que essa é uma tática, é uma estratégia do racismo estrutural que existe no nosso país, que apesar de você ser um homem preto ou uma mulher preta no Brasil, em alguns redutos da nossa sociedade, como em alguns ambientes do mercado corporativo, a tendência é que o mercado tente fazer você parecer ser uma pessoa com privilégios. Você tenta esquecer as suas raízes para, de alguma maneira, entrar em um personagem. E, obviamente, a nossa cor de pele chega primeiro. O nosso país, não só o mercado corporativo, é racista, apesar de se declarar antirracista, e pessoas pretas e pardas no Brasil sofrem a cada segundo com agressões.

É correto dizer e óbvio que os números estão aí para nos assustar, nos indignar. Só 5% das posições de liderança das companhias listadas na Bolsa são ocupadas por pessoas negras. Nas 500 maiores empresas do Brasil, só 5% das lideranças dessas empresas são ocupadas por negros. Temos uma agenda gigante pela frente. É óbvio que há, sim, um desafio do candidato de se ver pertencente a este ambiente, onde ele não é representado, onde olha para o lado ou para cima e não vê pessoas parecidas com ele. Mas, por outro lado, há uma clareza das grandes companhias que operam no Brasil de que essa transformação ou os vieses que nós aprendemos, que foi construído e solidificado de buscar sempre (candidatos com) as mesmas características, dos mesmos locais, dos mesmos backgrounds, das mesmas famílias não fazem o menor sentido do ponto da sustentabilidade dos negócios. Isso vai levar a gente para um ambiente de catástrofe.

Vejo que, ainda de maneira lenta, em alguns lugares e indústrias mais avançados do que em outros, as companhias têm refletido sobre o papel na sociedade. E, especialmente, na continuidade dos negócios de forma sustentável, responsável, com governança, olhando para o social. As métricas do ESG são práticas mandatórias para sobrevivência dos nossos negócios.

Aqui vem o porquê do Mover (existir). Não só na pauta de letramento, como no desenvolvimento de habilidades para talentos negros e, especialmente, para garantir representatividade em posições de liderança. Esta é uma das grandes articulações e entregas que queremos promover porque, sem dúvida, a representatividade acelera a empatia do candidato quando pensa em trilhar uma carreira no mercado. Também essa representatividade pode garantir que, do lado da empresa, ela consiga de maneira genuína um local para atrair estes talentos e fazer com que eles desenvolvam suas carreiras, conquistem seus projetos e seus sonhos.

O Mover também tem guias para orientar as empresas nas questões de equidade racial?

No encontro dos CEOs, em comemoração aos dois anos do Mover (no ano passado), nós lançamos dois guias (Pesquisa Desafios e Soluções para Equidade Racial no Corporativo e Guia de Jornada com Base nas 10 diretrizes). As 10 diretrizes foram criadas na fundação do Mover, em um processo muito longo de escuta ativa com os CEOs e stakeholders que atuam há muito tempo com esta pauta. Disponibilizamos estas duas cartilhas para o mercado, estão no nosso site. Uma delas tem 10 boas práticas para qualquer empresa começar este processo. Acreditamos que educação é um dos principais motores de transformação. Na minha vida pessoal foi assim. A educação me deu oportunidades.

Hoje são 49 CEOs de empresas associadas. Como é a representatividade de pessoas pretas e pardas entre vocês? Isto também é discutido e há alguma meta?

Hoje é baixíssima. Entre os 49, somos 3 executivos que se autodeclaram pretos e pardos. No Conselho deliberativo, formado por 7 CEOs, onde me incluo, temos 2 conselheiros da sociedade civil – o professor José Vicente, fundador da faculdade Zumbi dos Palmares; e Nina Silva, fundadora e CEO do Black Money. Então, no Conselho de 9, somos 3 executivos que se declaram pretos. Aqui tem um desafio e um convite para os executivos e CEOs de outras companhias, que se declaram pretos ou pardos, para que também conheçam o Mover, para estar no grupo e garantir representatividade neste lugar. Queremos focar no fomento e na promoção de novas lideranças negras. É um caminho que podemos fazer com firmeza, com autonomia, com budget importante à disposição, para que possamos fazer a mudança dentro de casa e que isso seja um espelho para a sociedade.

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