Gestão

9 lições de liderança do Dr. Paulo Chapchap

Dr. Paulo Chapchap, sócio da Mandalah

Monica Miglio Pedrosa

Um convite à reflexão sobre o papel das lideranças na transformação das pessoas e do mundo, em uma era marcada por uma policrise nas esferas econômica, social, ambiental, ética e tecnológica e também por crises internas, como medo, solidão, burnout e insegurança.

Esse foi o propósito do painel que reuniu Lourenço Bustani, cofundador da Mandalah, e o Dr. Paulo Chapchap, Diretor Médico do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), Presidente do Conselho de Administração do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) e sócio da Mandalah, durante o RH Experience, evento que reuniu 80 líderes de grandes empresas, no dia 9 de maio, na Experience House, em São Paulo.

Instigados por um insight de Victor Cremasco, CEO da Mandalah, que citou a frase “Se os desertos exteriores se multiplicam no mundo, é porque os desertos interiores se tornaram tão amplos”, da carta encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, os palestrantes trouxeram aprendizados e dicas práticas sobre como os líderes podem se posicionar frente às crises externas e internas da atualidade.

“Para lidar com essa conjuntura complexa e sistêmica, é necessário cultivar uma postura de ambidestralidade, ou seja, manter um olhar atento tanto para fora, com visão estratégica e sistêmica do mundo, quanto para dentro, com autoconhecimento e alinhamento pessoal.” 

[Lourenço Bustani]

Para Lourenço, o chamado à ação não é alarmista, mas baseado em fatos. Ele compartilhou alguns dados: 17% da Amazônia já foi desmatada e, se atingir 23%, ela deixará de absorver gases de efeito estufa e passará a emitir carbono em volume equivalente a três anos de emissões globais. Em 1º de agosto de 2024 foram esgotados os recursos naturais disponíveis para o ano, ultrapassando a capacidade de regeneração do planeta. No Brasil, 108 milhões de pessoas vivem com menos de R$ 24 ao dia e, no mundo, 800 milhões passam fome. Cerca de 2,4 bilhões, aproximadamente 30% da população mundial, enfrentam insegurança alimentar.

Dr. Paulo Chapchap e Lourenço Bustani, da Mandalah, no palco do RH Experience
Lourenço Bustani e Dr. Paulo Chapchap, da Mandalah, no palco do RH Experience

Segundo ele, a sociedade global, refém de um pensamento linear e fragmentado, tenta enfrentar essas crises com as mesmas lógicas que as criaram, desconsiderando a interdependência da vida e a importância de habilidades como letramento ecológico e pensamento sistêmico. O chamado é por uma reconexão com a ancestralidade, com a natureza e com princípios éticos e racionais para guiar decisões mais conscientes.

Na sequência, Dr. Paulo Chapchap, ex-Diretor Geral do Hospital Sírio e Libanês e coordenador do Grupo de Transplante de Fígado do hospital, que é referência no mundo, compartilhou suas lições de liderança. Com um olhar humanizado e empático, falou sobre como é possível transformar realidades sem abrir mão da excelência na execução.

“Os líderes de pessoas têm grande da responsabilidade em garantir um planeta adequado para nossos filhos e netos. Não apenas nas empresas, mas criando modelos de referência que contaminem o entorno para transformar toda a sociedade.” 

[Dr. Paulo Chapchap]

Confira, as seguir, nove lições de liderança do Dr. Paulo Chapchap:

1) O segredo das equipes de alta performance:

“No início dos transplantes de fígado em crianças, aceitava-se que 40% delas morreriam. Para exercer uma boa medicina é preciso se vincular afetivamente com o seu paciente, sua família. Meu desafio era melhorar a performance da equipe para diminuir o sofrimento de todos, da equipe médica, da família e, principalmente, da vítima da doença. Para criar um time de alta performance é preciso fazer as perguntas doloridas sobre o que é preciso mudar no processo, desafiar as equipes. Hoje temos mais de 95% de sobrevida, com reconhecimento internacional.”

2) Protagonismo e colaboração são as chaves para os resultados:

“Para atender pacientes do SUS, abrimos mão da clínica privada e diminuímos nossa remuneração. Criar um sistema sustentável exigiu uma equipe de alta performance, colaborativa, sem gestão de comando e controle. Sem protagonismo, você não resolve a equação. A equipe precisa estar muito saudável para entregar resultado. É aí que a transformação vai acontecendo. No cenário em que vocês atuam, quais são as mudanças necessárias a serem feitas para que consigamos construir uma sociedade melhor e menos desigual, em que seja moralmente confortável viver?”

3) Tornar pessoas em agentes de transformação:

“A responsabilidade por essa transformação é nossa. Não adianta olhar para o lado. Cada um de nós vai ter que ser um agente de transformação social e ambiental. Se trouxermos, por exemplo, toda população vulnerável do sertão nordestino para o mesmo padrão de consumo das de São Paulo, o planeta será destruído muito mais rápido. O padrão de consumo precisa mudar, primeiro nas nossas famílias, depois, nas empresas.”

4) Segurança psicológica é vital para o desempenho:

“Em reuniões com a liderança, vocês percebem quando as pessoas enviam mensagens por WhatsApp umas para as outras e não se colocam verbalmente no encontro? Esse é um sintoma de insegurança psicológica. Como fazer para mudar? Expondo o problema, perguntando direto para as pessoas. Na sala de cirurgia, existe um checklist rigoroso do que se deve ou não fazer. Eu perguntava sistematicamente à minha equipe, não importa o cargo ou função, se havia a mais leve suspeita de que algo pudesse estar errado. Estimulava todos a falarem sem constrangimento. Isso tem uma potência enorme. Não há pergunta errada. Tem sempre uma razão de ser, seja por desconhecimento ou curiosidade. Ao abrir esse espaço para fala não só prevenimos erros, como nos mostramos preocupados com o crescimento do outro.”

5) Diversidade de competências aumenta os resultados:

Em um transplante com doador vivo [em que se doa uma parte do fígado de uma pessoa para outra], o cenário é extremamente complexo. São quatro cirurgiões na sala para a equipe do doador e quatro para a do receptor. Durante um período eu era o único cirurgião preparado para a cirurgia do receptor, em que é preciso correr contra o tempo. Era uma situação muito tensa, na qual eu tinha de me preparar mentalmente. Com o tempo, outros foram aprendendo a técnica. Com várias pessoas preparadas, o ambiente é muito menos tenso. Ter pessoas com diversas competências na equipe, preparadas para assumir a decisão quando vocês não se sentirem com potência suficiente, cria um ambiente de trabalho muito mais saudável.”

6) Delegue responsabilidades com segurança:

Alguns dias não estava bem o suficiente para operar. Passava o bastão para outro, mas permanecia ali, ajudando com minha experiência a encontrar os caminhos adequados. Delegar responsabilidade e transferir segurança é muito potente. Para ter equipes eficientes e com alta performance, é preciso assumir a nossa fragilidade. Isso os ajuda a serem protagonistas do trabalho.”

7) Repense o conceito de mérito:

“O nosso conceito de mérito é muito estreito. Falamos de mérito como alguém que veio de uma boa escola, ou fez determinados cursos. Isso não é mérito, só confere uma homogeneidade de olhares para os cenários, que é extremamente prejudicial para as empresas. A diversidade é boa para o resultado econômico da organização. Ela permite que pessoas diferentes enxerguem as oportunidades e dificuldades de forma diferente.

Vou dar um exemplo. A Diretora de Compromisso Social do Sírio e Libanês, Vânia Bezerra, é uma mulher negra que entrou no hospital como recepcionista do Instituto de Ensino e Pesquisa. Ela só recebeu uma oportunidade e hoje é responsável por uma verba de R$ 300 milhões. Durante a pandemia, ela foi a única pessoa que sacou, quando todos os profissionais de saúde estavam com medo de trabalhar, que eles precisavam se tornar protagonistas do cuidado nas comunidades onde viviam. Demos a eles uma braçadeira e os profissionais se tornaram agentes de cuidado na comunidade, levando álcool, máscara e outros itens. Uma ideia que eu nunca teria do lugar de privilégio onde vivo.”

8) Tome decisões justas e sustentáveis para o negócio:

“Empresas que prestam serviço são dependentes de pessoas. É preciso cuidar delas, porque turnover e absenteísmo altos afetam o resultado do negócio. Quando surge uma questão, o que fazer? Pergunte primeiro o que é justo fazer, depois vá para a planilha para ver se aquilo é sustentável.

No Sírio, meu gerente de TI teve uma filha que nasceu com cirrose hepática. Mas o plano de saúde dos colaboradores não cobria o transplante de fígado dela lá. No hospital público, ela tinha 55% de chances de sobrevida, enquanto no Sírio ela teria 85%. Não é justo que as pessoas que trabalham conosco não possam usar a melhor tecnologia para suas famílias. Isso não é moralmente certo.

Então fomos para a planilha.  Uma das coisas que descobrimos é que o custo dos insumos acaba indo com uma margem maior para os prestadores e, ao tirar isso, o custo ficaria similar ao externo. A partir disso, porque o negócio não pode se tornar insustentável, todos os colaboradores e seus familiares passaram a ter direito de se tratar no hospital para casos de alta complexidade. Vejam o que é justo fazer e vão até o limite para ver se é possível fazer o que é mais justo fazer. Eu garanto que vocês vão encontrar um monte de caminhos que hoje não enxergam.”

9) Invista nos valores básicos da cultura:

“Em uma situação de M&A, a coisa mais importante para a fusão dar certo é ter um match de cultura. E é possível criar essa cultura, porque o básico é ser justo, ter segurança psicológica. No fim das coisas, o que importa é a capacidade de amar o outro. Nas empresas, nas famílias, nos países. E é isso que nós esquecemos, de amar a natureza, os seres vivos, o outro. Desenvolver uma relação afetiva com profundidade e qualidade. Essa tem que ser a base da cultura, porque passamos a maior parte das nossas vidas dentro das empresas.

A primeira coisa que deveria ser feita em uma fusão ou aquisição é ver se as duas empresas respeitam esses valores básicos. E enfatizá-los, não as diferenças culturais. Outra pergunta a ser feita: é realmente necessário mandar uma parte das pessoas embora para melhorar o resultado econômico de curto prazo? Será que a médio ou a longo prazo elas não serão necessárias e, até lá, você já perdeu a confiança delas?”

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