Mercado

Lições de empreendedorismo na Brazil Week

Tallis Gomes, Henrique Dubugras, Guilherme Benchimol e Fabricio Bloisi

Monica Miglio Pedrosa

Um almoço durante a Brazil Week, com três dos maiores empreendedores brasileiros, que discutiram temas centrais da agenda de empresários que lideram negócios em cenários de alta complexidade. Foi este o tom do evento que reuniu Guilherme Benchimol, fundador e chairman da XP Inc, Henrique Dubugras, fundador e chairman da fintech Brex, e Fabricio Bloisi, CEO do Grupo Prosus e chairman do iFood, que foi homenageado com o prêmio Person of the Year 2025 pela Brazilian-American Chamber of Commerce.

O encontro teve a abertura de Ricardo Natale, CEO e fundador do Experience Club, que agradeceu a presença dos 80 líderes e explicou que o evento acontece de forma simbólica na semana que celebra o ecossistema de negócios e de inovação dos empreendedores brasileiros em Nova York. O almoço de empreendedores foi organizado pelo Experience Club, em parceria com o G4 Educação, representados no evento pelos seus fundadores Alfredo Soares, Bruno Nardon e Tallis Gomes, que moderou o painel de debates.

Os empreendedores compartilharam insights sobre como enfrentar momentos de crise, principais erros e aprendizados da jornada empreendedora, formas de conciliar vida pessoal e profissional, estratégias para aplicar a inteligência artificial nos negócios e suas visões de futuro. A seguir, os principais destaques da conversa.

Ricardo Natale e Fabricio Bloisi
Ricardo Natale, CEO do Experience Club, e Fabricio Bloisi, CEO do Grupo Prosus

Como navegar em momentos de crise

[Guilherme Benchimol] Acredito que as crises são oportunidades para se diferenciar. É comum o mercado financeiro ficar na trincheira nesses momentos. Mas o que eu aprendi é que quando o mercado vai bem, quando tudo funciona, você nem sabe se é por competência ou sorte. Na crise, é preciso investir na conexão com o cliente, se aproximar dos times. Com uma cultura forte, competitividade e um plano claro, você ganha market share nas crises. Não lembro de nenhuma crise que não tenhamos atravessado crescendo.

Erros e aprendizados

[Henrique Dubugras] Quando decidimos parar de atender 60 mil clientes, que representavam metade do total, para poder focar nas startups que estavam crescendo e se tornando clientes maiores, perdemos muita credibilidade. Poderíamos ter feito de outra forma, como aumentar o ticket e deixar que o churn fosse espontâneo. Isso evitaria a impopularidade e o desgaste que tivemos.

[Guilherme Benchimol] A pior coisa para um empreendedor é depender de uma única receita. Em 2007, a XP era uma empresa dependente de corretagem de renda variável, éramos uma corretora tradicional de ações. Quando veio a crise econômica, em 2008, entramos no modo de sobrevivência, demitimos pessoas, cortamos custos. Aprendemos que é preciso ter um negócio que seja anticíclico e antifrágil, que consiga sobreviver em qualquer tipo de cenário.

Stock Options e Atração de Talentos

[Guilherme Benchimol] Desde 2003 decidimos por vender ações da companhia para colaboradores que tinham alta performance e fit com nossa cultura. Muitos empreendedores dão stock options, ou sociedade, mas não funciona comigo. Acredito que sócio é alguém que senta na minha cadeira e sente as dores do negócio. Quando a pessoa investe do bolso dela para ter as ações, sua postura é diferente.

[Henrique Dubugras] Na Brex, o modelo é o de uma tradicional startup americana, onde todo mundo tem stock Options. Pensei em fazer algo diferente, mas quando estou competindo com outras 12 ofertas por um engenheiro muito bom do Vale do Silício, é melhor adotar o modelo que todos conhecem. Algumas pessoas não valorizam o equity, então estamos experimentando outros modelos, ofertando mais dinheiro e menos equity.

Equilíbrio entre vida pessoal e profissional

[Henrique Dubugras] O primeiro passo é ter um parceiro ou parceira que entenda seu ritmo. Um amigo me falou uma vez que existem dois tipos de parceiros, o ‘parceiro balão’, que te puxa para cima, ou o ‘parceiro âncora’, que te puxa pra baixo. Se seu parceiro for âncora é preciso pivotar… Também acredito que empresa tem que ter propósito, motivação, não é só sobre ganhar dinheiro. Senão vai chegar a um ponto que por ter dinheiro suficiente é possível parar. E aí, vai fazer o quê? O segundo passo é achar jeitos na rotina para passar um tempo juntos e não mexer nessa agenda.

[Guilherme Benchimol] Existem diferentes fases na vida. Já passei por boa parte delas empreendendo. Comecei sem um tostão no bolso até abrir capital na Bolsa de Valores americana. Tem uma fase que vai ser ‘vida louca’ mesmo, você está aprendendo, pivotando, é difícil ter equilíbrio, mas sempre é preciso tentar ajustar uma rotina que inclua boa alimentação, exercício físico. Só que isso não pode ser para sempre, senão vai tirar seu prazer de empreender. Porque se você não tiver vida, não tiver tempo de qualidade, não faz sentido.

A partir de 2010, com a entrada de um fundo britânico, aprendi a ser menos uma pessoa operadora do negócio e mais um líder de verdade. Eu era centralizador, o que é um erro super comum para quem começa um negócio próprio do zero. Mudar essa postura é uma das coisas mais difíceis. É preciso ser uma pessoa mais estratégica, que se preocupa com o longo prazo.

Ricardo Natale, CEO e fundador do Experience Club, e Tallis Gomes, cofundador do G4 Educação
Ricardo Natale, CEO e fundador do Experience Club, e Tallis Gomes, cofundador do G4 Educação

Ideal de liderança

[Guilherme Benchimol] Eu era do tipo que cobrava as pessoas que encontrava no corredor. Não esperava a reunião mensal para ter uma conversa sólida sobre aquilo. Tomava decisões de supetão, porque todo fundador é muito instintivo, quer decidir rápido. Aprendi que decidir certo é decidir devagar. É melhor acertar a decisão do que mudar de opinião três, quatro, cinco vezes. Mas isso você aprende com a maturidade e aprende tendo gente melhor do que você ao seu lado. E aí você vai mudando de nível, aumenta sua qualidade de vida, e empreender vai ficando cada vez mais gostoso.

Focar na agenda de pessoas é o que mudou o patamar da XP. Em 2010, fazíamos R$ 25 milhões de Ebitda, em 2024, fizemos R$ 5 bilhões. O que fizemos de diferente? Focamos nas pessoas. Essa é a principal alavanca de crescimento, mas normalmente os fundadores estão focados na operação.

[Henrique Dubugras] Estou no Conselho do Mercado Livre e aprendo muito com o CEO, Marcos Galperin. Ele passa muito tempo observando o que está funcionando. Muitas vezes tentamos prever todos os cenários, tem muita coisa acontecendo, especialmente em grandes empresas, e, ao olhar para os primeiros sinais de algo que está funcionando, ele aloca mais recursos naquilo.

Outra questão que é difícil para o fundador aceitar, é que os negócios têm características intrínsecas que independem de você. Entender como essa estrutura de mercado está evoluindo é importante, mas os CEOs geralmente passam muito pouco tempo fazendo isso, já que estão olhando a operação. Tenho um mentor, CEO da ServiceNow, que sempre me faz olhar para o cliente. Quando estou pensando em um M&A, ele me faz questionar: “Isso vai realmente ajudar o teu cliente? Ou você acha que vai ajudar o teu cliente porque vai ajudar você?”

Diferenciais do empreendedor brasileiro

[Fabricio Bloisi] Temos que ter mais orgulho das lideranças brasileiras. Fazemos muita coisa boa que pode contribuir para liderarmos globalmente. O mundo está vivendo um momento de altíssima volatilidade, de mudanças, em que tudo precisa ser ajustado o tempo inteiro. O líder global não está acostumado com isso. Pra nós, brasileiros, isso é um ano normal. Essa capacidade de nos adaptarmos, de sermos criativos, de corrigir rota é nosso diferencial.

Potencial da IA para o futuro do Brasil

[Fabricio Bloisi] Adoro estudar grandes ciclos de inovação. Nos últimos 300 anos acompanhamos a Revolução Industrial, as grandes navegações, a internet. Nas últimas 10 revoluções, o Brasil saiu perdedor. Estamos vendo uma revolução gigante agora, que vai mudar como todas as empresas funcionam nos próximos anos. Temos espaço para sermos pioneiros e usar nossa capacidade de adaptação e de inovação para posicionar nossas empresas de forma global. O que estamos fazendo no iFood é de qualidade global. Temos mais histórias para construir juntos, mas é preciso pensar grande, entender o tamanho da mudança, e que é preciso investir muito para conseguir sair vencedor nesse próximo ciclo.

Impacto da IA nos negócios

[Henrique Dubugrax] Na Brax estamos reconstruindo nosso modelo de gestão, colocando a inteligência artificial no centro. Se você fosse criar um modelo de gestão do zero, será que as melhores práticas de hoje seriam as mesmas? Estamos testando algumas mudanças, mas dou um exemplo do meu uso de IA no dia a dia. Antes de falar com qualquer pessoa, fico duas horas conversando com o ChatGPT para tentar entender se uma ideia faz sentido, quais são os argumentos pró e contra. A qualidade das minhas ideias melhorou muito. É um exemplo de como adaptamos nossos processos para aproveitar esse potencial.

[Guilheme Benchimol] Na XP adotamos há alguns anos a IA. As pessoas logo pensam no assessor avatar, mas hoje temos 20 mil assessores [humanos] que conversam com os nossos clientes. Gente falando com gente. Será que vai ser possível ter um assessor virtual com o carisma de um ser humano? Nossa visão hoje é a de usar a IA para empoderar nossos assessores humanos.

[Fabricio Bloisi] Temos 200 modelos de IA no iFood. Nosso custo para adquirir clientes caiu 50%, a fraude reduziu em 98%. Temos vários resultados para mostrar porque a empresa inteira é modelada com IA. Isso foi construído com a tecnologia de três anos atrás. Agora estamos criando modelos que têm todo o conhecimento da empresa, usando a tecnologia dos últimos quatro meses, a que chegou com o DeepSeek, com o OpenAI 4.0. Nos primeiros testes que fizemos, a conversão dos clientes aumentou em 160%. Isso é só o início.

Futuro exponencial

[Fabricio Bloisi] Os seres humanos não conseguem pensar de forma exponencial. Mas o nosso mundo está crescendo dessa forma. Vocês acham que as coisas estão andando rápido? Vão acelerar ainda mais daqui pra frente. O que é um futuro exponencial? Vamos ter partículas novas da física que não existem hoje. Vai haver energia em qualquer lugar. Se no pensamento linear falamos de um assistente de IA, minha aposta no futuro exponencial é a de que vamos falar com nosso assistente e é ele quem vai falar com minha esposa, meus pais, minha família.

[Henrique Dubugras] Quando você está montando um produto, é preciso investir para descobrir a dor do cliente. Imaginem isso em escala, uma empresa que atende muitas pessoas, tem muitos clientes. Como você monta esse processo de descobrir a dor? Criamos no Brax uma infraestrutura que está fazendo mais de 300 calls por mês com nossos clientes para entender as dores e usando a inteligência artificial em torno dos dados para ter ideias de novos produtos ou melhorias e priorizar no nosso pipeline.

Tese de investimentos para o Brasil

[Henrique Dubugras] A resposta mais óbvia é energia. A quantidade de consumo de energia que vamos precisar para os data centers que estão sendo construídos é tão grande que estamos muito longe de ter a capacidade energética necessária para isso. E o Brasil tem muito potencial de energia para resolver parte do problema.

[Guilherme Benchimol] Hoje, 90% do meu dinheiro está nas ações da XP. O setor financeiro brasileiro traz grandes oportunidades. Em 2024, a XP fez R$ 18 bilhões de receita, com apenas 11,5% de market share.

[Fabricio Bloisi] Investimos US$ 1,7 bilhões na Decolar e espero investir mais no Brasil. A Prosus tem uma capacidade de investimento de US$ 18 bilhões em caixa. Quero investir em negócios e impulsionar a inovação no país, que tem um potencial incrível para nos colocar no mapa de tecnologia global. Eu sou baiano, saí da Bahia para Campinas, depois Osasco, São Paulo. O iFood está no país inteiro. Agora, na Prosus, estamos investindo na China, na Índia, na Europa. Então acreditem, dá para fazer muito mais. Estamos só começando e estamos juntos!

Fotos: Thiago Bruno

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