Inovação

Download SXSW 2025: os temas e as tendências que dominaram o festival

Dani Graicar, CEO da Pros, no Download SXSW

Um evento que reuniu mais de 300 mil pessoas ao longo de nove dias em Austin, no Texas — sendo que 50 mil delas acompanharam de perto as mais de 1.727 palestras e painéis de conteúdo. O South by Southwest 2025 também contou com 1.673 shows, 215 ativações de marca, 508 sessões de cinema e 31 experiências imersivas em realidade virtual e aumentada (XR Experiences).

Com números tão grandiosos, resumir essa experiência imersiva em um único material parecia quase impossível. Mas a missão [EXP+PROS] aceitou o desafio e mergulhou de cabeça para reunir os temas mais emblemáticos, provocadores e transformadores do festival no Download SXSW. Confira o resultado a seguir e prepare-se para repensar o futuro.

AS PROVOCAÇÕES DOS PRINCIPAIS KEYNOTE SPEAKERS

1) Amy Webb, CEO e Fundadora do Future Today Institute

Figurinha carimbada do SXSW, Amy Webb acredita que estamos entrando em “Beyond”, uma era onde vivenciamos os impactos da integração entre a inteligência artificial, sensores/wearables e biotecnologia, que ela batizou de inteligência viva. Esse cenário marca um ponto de transição em que as regras sociais e físicas que conhecemos hoje mudarão completamente.

Amy apresentou alguns exemplos dessa inteligência viva em ação:

– Sistemas multi-agentes: a Altera colocou mil agentes autônomos no Minecraft. Sem intervenção humana, eles se organizaram como uma sociedade, criaram uma moeda própria e tomaram decisões de forma autônoma.

– DroidSpeak: Para a IA a linguagem human é um limitador, por isso elas comunicam-se entre si em uma linguagem matemática, o que garante mais rapidez, menos consumo de energia e mais efetividade.

– Embodied AI: A IA precisa ser física para funcionar melhor. Ao darmos corpo à tecnologia, ela pode interagir com o espaço físico para perceber nuances,

reações e emoções. Um exemplo disso é a Blackrock Neurotech, que desenvolveu uma tecnologia que controla dispositivos apenas com o pensamento, usando sinais neurais captados diretamente do cérebro.

– Bioengenharia: Tijolos que funcionam como pulmões humanos, purificando o ar da casa; arroz que produz leite de vaca e até um computador construído com uma mistura de silício e neurônios reais (da Cortical Labs). São todas tecnologias que mesclam o biológico e o digital, rompendo a fronteira entre homem e máquina.

2) Niall Firth, editor-executivo do MIT Technology Review

Como em todos os anos, os repórteres e editores do MIT Technology Review reúnem uma lista das principais tecnologias inovadoras que mudarão o mundo. Um dos pontos de destaque da apresentação de Niall Firth, editor-executivo da publicação, mostra como a IA está transformando a forma como buscamos informação. Ela reúne respostas resumidas, de múltiplas fontes, que trazem desafios relacionados à precisão e confiabilidade das informações. Estudos indicam ChatGPT, Perplexity e Gemini, frequentemente apresentam informações incorretas ou enganosas, com até 60% de taxa de erro (testes realizados pela Columbia Journalism Review).

3) Charina Chou, COO do Google Quantum AI

O potencial da computação quântica para resolver problemas complexos como a cura de vários tipos incuráveis de câncer foi o que atraiu Charina Chou para trabalhar com a tecnologia. “Computadores quânticos são capazes de resolver problemas que são impossíveis para a IA ou supercomputadores”, enfatizou.

A COO do Google Quantum AI afirmou ainda que o estágio atual da computação quântica ainda está distante do que ela poderá entregar, mas já é muito mais rápida do que a computação clássica pode fazer. O Willow, chip quântico do Google, por exemplo, resolveu em apenas cinco minutos o que levaria 10 septilhões de anos na computação clássica, feita por supercomputadores.

O essencial, segundo ela, é nos questionarmos sobre que problemas complexos queremos resolver com esse potencial de criação da computação quântica.

4) Ben Lamm, CEO da Colossal Biosciences

Foi no SXSW que Ben Lamm anunciou, pela primeira vez, que traria de volta à vida um mamute com as pesquisas da Colossal Biosciences. Alguns anos depois e com investimentos que já chegam a US$ 435 milhões, ele volta ao palco do SXSW em 2025 como Keynote Speaker para apresentar o Woolly Mouse, um “camundongo-mamute” com pelagem geneticamente igual a dos mamutes, que consegue resistir a baixas temperaturas.

Se as pesquisas de Ben ainda estão longe de cumprir a promessa feita, seu discurso sobre o poder da biotecnologia para corrigir os erros do passado e garantir o futuro da humanidade capturou a platéia. Ele argumenta que perderemos 50% da biodiversidade do planeta até 2050 e as tecnologias genéticas podem nos salvar deste futuro sombrio. Sua proposta é a de criar um banco biológico da vida animal, nos mesmos moldes do banco de sementes na Escandinávia, em uma espécie de “Arca de Noé Moderna”.

5) Meredith Whittaker, CEO da Signal, e Jay Graber, CEO da Bluesky

Enquanto a biotecnologia aponta caminhos para regenerar o planeta, outra discussão ganhou destaque nas palestras das keynote speakers Meredith Whittaker (Signal) e Jay Graber (Bluesky). Ambas defendem um futuro mais aberto e descentralizado e criticaram duramente o controle das big techs sobre a tecnologia.

“A única maneira de proteger os dados é não coletá-los”, afirmou Whittaker, enfatizando que o Signal foi desenhado com essa premissa. Por sua vez, Hay foi enfática ao declarar que a Bluesky coloca o interesse do usuário no centro da plataforma e não o lucro gerado por anunciantes.

Ricardo Natale, CEO do Experience Club

OUTROS TEMAS E PALESTRANTES DE DESTAQUE:

“O poder está no estranho”

Douglas Rushkoff, autor de mais de 20 livros, como Equipe Humana e A Mente Bilionária e um dos maiores pensadores da era moderna, acredita que, para realinhar a rota da tecnologia, será necessário invocar as “esquisitices” de Austin, que fizeram da cidade um polo criativo. Rushkoff acredita que os empresários da tecnologia querem manter a ordem estabelecida e fazer disrupções em algumas verticais, mas não no cerne do problema, o capitalismo colonial. “Nada da natureza cresce exponencialmente para sempre, a não ser o câncer e ele mata seu hospedeiro”, comparo, criticando o modelo de crescimento infinito que molda as big techs.

Rushkoff defende que é hora de voltar à intuição, à empatia, à ajuda mútua, à sexualidade, à espiritualidade e até ao uso ritual dos psicodélicos. “Precisamos fazer a internet ser estranha de novo”, provocou.

Covardia que leva ao fascismo

Na mesma linha crítica, o professor de marketing da NYU, Scott Galloway, falou sobre o que chamou de “dominó da covardia”. Ele apontou CEOs do setor de tecnologia como cúmplices, ainda que por omissão, de um processo de erosão da democracia nos Estados Unidos.

Para Galloway, a submissão cega aos interesses dos acionistas está nos levando por um caminho lento, porém real, em direção ao fascismo. “Estamos entrando em uma era de consolidação brutal. O mercado vai premiar os predadores”, alertou.

Por uma tecnologia mais colaborativa

Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, trouxe um contraponto histórico e essencial. Ele lembrou que a web nasceu colaborativa, construída em comunidade, com o objetivo de beneficiar o usuário — e não de gerar lucros para as empresas de tecnologia.

No cenário atual, a inovação está seguindo o caminho oposto, com as big techs atuando de forma isolada e competitiva. “Para quem a IA trabalha? Será que terei um robô que de fato trabalhe para mim?”, perguntou, de forma provocativa. Ele defendeu uma visão mais humanista da tecnologia e criticou o isolamento das grandes empresas de tecnologia, que antes colaboravam e agora atuam como ilhas fechadas, priorizando apenas o próprio lucro.

Os generalistas se sobrepõem aos especialistas

Essa necessidade de uma nova mentalidade também permeou a fala de Mike Bechtel, futurista da Deloitte. Para ele, no futuro, não vencerá quem sabe mais, mas quem sabe se adaptar melhor. “Sejamos intelectualmente promíscuos”, incentivou, destacando que, enquanto as máquinas são superiores em memória e velocidade de processamento, os humanos ainda têm a vantagem de conectar saberes diversos de forma criativa.

Ele usou o terno polímata para destacar o perfil do futuro, ou seja, alguém que conhece múltiplas ciências e está preparado para os desafios inesperados do mundo real. Segundo ele, o perfil profissional mais valorizado será aquele que alia pensamento crítico, repertório em artes e humanidades, lógica e capacidade de improviso.

Complementando essa visão, Ian Beacraft, CEO da Signal and Cipher, reforçou que o futuro será dos generalistas criativos: curiosos, adaptáveis e dispostos a aprender, desaprender e reaprender em ciclos cada vez mais curtos. “Precisamos sair da mentalidade do ‘sou o que sei’ para ‘sou como me adapto’”, disse.

Ele apresentou ainda uma linha do tempo impactante sobre a durabilidade das habilidades profissionais. Se no século XX elas duravam 30 anos, hoje elas mal duram dois anos e meio, e poderão chegar a durar apenas seis meses. Para acompanhar essa velocidade, a nova educação precisará ser muito mais dinâmica, baseada em micro credenciais, treinamento em tempo real e prática imediata.

Repensando o trabalho

Rishad Tobaccowala, futurista e autor do livro Rethinking Work, defendeu que, para ser bem-sucedido em um mundo em constante transformação, é preciso ter um novo olhar para não se apegar a fórmulas prontas, mas pensar sempre no futuro. Ele acredita que é preciso enxergar o trabalho como uma playlist de tarefas em constante movimento e que liderar não será mais sobre controlar, mas cultivar pessoas e talentos. Em resumo, o trabalho do futuro exigirá autonomia, propósito real e um reencontro com a centralidade do ser humano.

Essa nova forma de encarar o trabalho já é vista nas escolhas da geração Z, que valoriza liberdade, desconfia de estruturas hierárquicas rígidas e prioriza experiências mais do que estabilidade. Por isso, 66% dos que têm empregos mantêm atividades paralelas. Digitais por natureza, eles preferem não se encontrar presencialmente com seus chefes. Querem flexibilidade, agilidade e ambientes que respeitem sua individualidade.

Longevidade: prontos para viver até 150 anos?

A integração entre inteligência artificial, biotecnologia e novas terapias celulares está transformando a forma como envelhecemos e já projeta uma expectativa de vida que poderá chegar a 150 anos. Mas longevidade não é só sobre viver mais, é sobre viver melhor. Estudos indicam que 90% dos fatores que determinam a longevidade estão relacionados ao estilo de vida e ao ambiente, enquanto a genética contribui com menos de 10%.

O Dr. Peter Attia reforçou essa lógica com o conceito de Medicina 3.0, centrada na prevenção, na antecipação e na ação antes que o corpo entre em declínio. Ele alertou para o fenômeno da “década marginal”, os últimos dez anos de vida que, muitas vezes, são vividos em sofrimento físico e cognitivo. E se existe uma “pílula da longevidade”, ela atende pelo nome de exercício físico.

Decatlo do Centenário (por Dr. Peter Attia)

Habilidades funcionais para ter autonomia e qualidade de vida até os 100 anos:

  1. Caminhar 2,4 km por uma trilha com subidas e descidas
  2. Levantar-se do chão usando no máximo um braço como apoio
  3. Pegar uma criança de 13,6 kg do chão
  4. Carregar duas sacolas de compras de 2,3 kg por cinco quarteirões
  5. Colocar uma mala de 9 kg no compartimento superior de um avião
  6. Manter o equilíbrio em uma perna por 30 seg com os olhos abertos
  7. Ter relações sexuais
  8. Subir quatro andares de escada em até três minutos
  9. Abrir um pote com tampa rosqueada
  10. Fazer 30 pulos consecutivos de corda

David Sinclair, professor de genética da Harvard Medical School, acredita que viver até os 100 anos com a vitalidade de alguém de 50 está mais próximo da realidade do que imaginamos. A epigenética, que estuda como fatores externos afetam a expressão dos nossos genes, vem mostrando caminhos para reverter o envelhecimento celular.  Segundo a Teoria da Informação sobre o Envelhecimento, envelhecemos pela perda de informações epigenéticas, como um CD riscado. Terapias podem restaurar a função dos genes ou reprogramar os sinais que os ativam ou desativam.

E as promessas já começam a se concretizar. A MIT Technology Review destacou avanços reais no uso de células-tronco para tratar doenças como diabetes tipo 1 e epilepsia. Em testes, essas terapias regeneraram células produtoras de insulina e reduziram crises de forma significativa, abrindo portas para um futuro onde curar o que antes era crônico se tornará parte da rotina médica.

Saúde Social: a saúde mental da próxima década

O tema de abertura do SXSW 2025 foi escolhido como o tema de encerramento desse Download. Kasley Killam, especialista em saúde social e autora do livro The Art and Science of Connection, defendeu que o conceito será o foco da saúde mental nos próximos 10 anos. A saúde social refere-se à capacidade de um indivíduo desenvolver relações interpessoais saudáveis e funcionais, que contribuam positivamente para o seu bem-estar geral.

Killam trouxe dados que comprovam a importância do tema nos temas atuais: 24% das pessoas no mundo se sentem solitárias; 20% não têm ninguém para pedir ajuda; a solidão pode ser tão prejudicial quanto fumar 15 cigarros por dia; a ausência de conexões aumenta em 53% o risco de doenças cardiovasculares e em 39% a chance de morte por qualquer causa.

Ela apontou ainda o que chamou de Diretriz 5:3:1: faça 5 interações breves e positivas todos os dias, como dizer bom dia ao porteiro, ou elogiar alguém; 3 conexões significativas por semana, como conversar por telefone com um amigo; e tenha ao menos 1 momento de pertencimento profundo por semana, como participar de um grupo de leitura, ou ter um encontro em família.

Em um evento ditado pelas tendências tecnológicas, a conclusão mais poderosa foi a de que o futuro exige, cada vez mais, uma volta às conexões humanas.

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