Gestão

CX : empresas usam tecnologia para ouvir e surpreender o cliente

Monica Miglio Pedrosa

Ouvir o consumidor diretamente, seja pelo call center, aplicativo, ou criando aberturas para que ele sugira novos produtos ou serviços é, ainda, a melhor maneira de oferecer uma boa experiência e cultivar o relacionamento com o cliente. Essa escuta pode acontecer de várias maneiras, como contaram especialistas no CX Horizon, evento promovido pela Konecta em parceria com o Ibmec, na Experience House nesta terça, 25 de junho, em São Paulo.

Eduardo Gouveia, Presidente do Conselho de Administração da Mapfre e membro do conselho da CI&T, Grupo Moura, Capitalismo Consciente Brasil e de outras organizações, que moderou um painel com Carla Beltrão, Diretora Executiva de Customer Experience da Vivo, e Tijana Jankovic, Vice-Presidente Sênior da Rappi, trouxe um exemplo prático disso. Ele contou que, em uma das empresas que liderou, a direção fazia escuta ativa no call center, de forma anônima, para tentar entender a real percepção dos clientes os produtos e serviços da empresa.

O Rappi, contou Tijana, criou um canal de comunicação de grupos de clientes direto com a diretoria para que possam dar seu feedback. “Enviamos uma carta nos apresentando e abrindo espaço para entrarem em contato caso tenham algum problema com a Rappi. Ouvimos os clientes finais, os entregadores, e os parceiros, o que torna o desafio ainda mais complexo, mas é o feedback dessa experiência que eleva constantemente a barra da operação”, afirmou.

Ouvir o cliente na ponta é também outra forma de coletar informações dos usuários. Uma das opções de serviço do aplicativo é a categoria “Qualquer Coisa”, que permite que os consumidores peçam serviços que não são contemplados nas demais categorias de compra. “O mapeamento do que as pessoas pedem nesta categoria é uma fonte riquíssima de desenvolvimento de produto. Descobrimos, por exemplo, um business de compra de presentes de aniversário para festas de crianças que os pais não têm tempo de comprar”, contou. A partir daí, a empresa passou a oferecer embalagem para presente.

A experiência de Carla na Vivo com o contato direto ao usuário é similar. O Programa Vivo para Resolver é aberto para os mais de 30 mil funcionários da empresa enviarem chamados para resolver problemas de seus amigos, familiares e conhecidos. “É uma fonte de conhecimento riquíssima, pois levantamos a causa raiz dos problemas mais pedidos, levamos para o Comitê Executivo e criamos estratégias para resolvê-los”. A empresa parte do princípio de que problemas vão acontecer e o cliente entende isso. “Bom atendimento é quando ele é resolvido rapidamente”, disse.

Eduardo Gouveia, Carla Beltrão, da Vivo, e Tijana Jankovic, da Rappi
Eduardo Gouveia, Carla Beltrão, da Vivo, e Tijana Jankovic, da Rappi

Inovações como a inteligência artificial estão sendo usadas pelas duas empresas, e permitem ir além do óbvio na comunicação com o cliente, oferecendo sugestões a partir dos dados coletados. “Temos dados infinitos de nossos clientes, que interagem conosco várias vezes por dia. O diferencial da IA hoje é sair das recomendações simples e fazer recomendações não-óbvias com base em todas as interações feitas. Hoje não faltam opções, falta curadoria”, disse Tijana.

A IA também ajuda a melhorar a omnicanalidade. “Tivemos ganhos significativos no tracking simultâneo de múltiplos canais para saber tudo o que já aconteceu com aquele cliente, o que nos dá uma visão 360º do problema sob diversos ângulos, incluindo o do entregador e o do parceiro”, explicou.

Na Vivo, as dores do cliente são principalmente três: conexão, problemas com fatura e atendimento resolutivo.  “Temos um centro de excelência técnico no call center com especialistas que hoje resolvem 52% dos problemas online, o restante demanda visita técnica ao cliente. Estamos atuando em tecnologias para um atendimento proativo, antes que o problema aconteça, como mapear quantas vezes um cliente reinicia o WiFi na sua casa para restabelecer a conexão, o que indica uma maior propensão a problemas futuros”, contou.

Carla defende também que a empresa faça o básico muito bem. “A relação é contínua e tem duas grandes avenidas: pela dor ou pela entrega de valor. As empresas que não colocam o cliente no centro de cada decisão que é tomada não vão ser bem-sucedidas”, afirmou.

Tendências

Atendimento único, omnichannel e IA são as principais tendências do mercado, diz Márcio Araújo, CEO da Konecta Brasil. “O mercado está mudando bastante. Cada vez mais estamos criando mais automações e com isso fazendo um atendimento mais personalizado e mais complexo por atendimento humano.” Um exemplo de IA, conta, é o parceiro Yduqs, que tem um chatbot que interage com o aluno e indica qual o melhor curso dentro do Ibmec. “Já conseguimos ver um aumento da captação através deste teste vocacional que criamos por esta ferramenta de IA.”

Silos e resistências dentro das empresas

Roberto Falcão, Diretor Financeiro da Anamba (Associação Nacional de MBA) e Professor no Ibmec apresentou alguns números que mostram a importância do atendimento para os clientes. 95% dos consumidores consideram a experiência mais importante do que o produto, segundo uma pesquisa da Salesforce, e 84% das organizações que trabalham para melhorar a experiência do cliente relatam aumento de receita, de acordo com estudo da Dimension Data. Por outro lado, pesquisas também apontam a dificuldade das empresas em viabilizar essa estratégia – um estudo da McKinsey diz que 70% das iniciativas de CX falham em função da resistência cultural nas empresas.

Uma das chaves para entender essa dificuldade é a existência de silos em algumas organizações. Para Roberto, muitas vezes as estruturas de marketing são muito segmentadas, com responsáveis por CRM, UX, trade e e-commerce, e falta um olhar estratégico olhando as sinergias e sobreposições destas áreas que apontem para o entendimento da visão única da jornada do consumidor. O mesmo pode acontecer entre áreas como o jurídico, que demora na análise de contratos, o comercial que briga com o marketing, ou a linha de frente que não alimenta os sistemas com as informações dos clientes.

Roberto Falcão, professor do Ibmec no CX Horizon
Roberto Falcão, Professor do Ibmec e Diretor Financeiro da Anamba

Roberto reforçou que a arquitetura organizacional precisa de fato ter o customer centric como estratégia e isso passa por três pilares: liderança focada nos clientes, cultura e valores focados nos clientes e entendimento real do consumidor. “Se todas as pessoas que interagem com o cliente não estiverem conectadas com essa cultura orientada ao usuário eles vão ser pontos de fricção na relação. Quando a liderança não é remunerada por indicadores de fidelidade, ela vai pensar só no resultado de curto prazo”, exemplificou.

Um dos desafios é o alinhamento com a alta liderança, já que um estudo da McKinsey apontou que 66% dos CMOs alegam que os CEOs não entendem o escopo do marketing na atualidade. É por isso, segundo ele que existem estratégias que não consideram a experiência móvel do usuário – embora 98,5% das pessoas acessem a Internet por celular –, ou organizações que usam suas redes sociais para fazer o que Roberto chama de “panfletagem digital”, postar apenas promoções e campanhas de venda: “Ninguém entra nas redes sociais para ficar vendo propaganda.”

Fabrício Doré, Chief Design Officer do Itaú, apresenta os três pilares estruturantes da área de CX
Fabrício Doré, Chief Design Officer do Itaú, apresenta os três pilares estruturantes da área de CX

Os três pilares do CX do Itaú

Fabrício Doré, Chief Design Officer do Itaú, contou como a empresa está se estruturando para ver a experiência do usuário de forma holística, atuando em três pilares estruturantes: Jornadas de Cliente, Gestão da Experiência e Produtação. No primeiro pilar, a equipe entende quais são as jornadas do cliente mais relevantes, tanto físicas como digitais. Essa jornada é mapeada, com o detalhamento de cada tarefa – no caso do Pix, por exemplo, tem a tarefa de cadastrar chave Pix, receber Pix, fazer Pix, entre outras. As equipes avaliam então cada uma dessas tarefas em busca de melhorias, comparando-as com a proposta das concorrentes, o que gera uma melhoria contínua do produto.

No pilar de Gestão da Experiência, o banco observa todos os pontos de contato com o banco e, dependendo da ação, em vez de perguntar sobre a satisfação prefere sondar o ‘esforço que ele teve para conseguir concluir a tarefa’. “Ao mudar as perguntas, costumamos ter de 2 a 3 vezes mais respostas dos clientes”, contou.

Produtação é o terceiro pilar, que visa inovar na experiência do cliente. Nessa frente, é preciso entender as necessidades do consumidor e agrupar produtos e soluções em torno dela. Por exemplo, para uma viagem, o banco pode oferecer produtos financeiros como câmbio, seguro-viagem, crédito, que hoje não estão agrupadas. “Produtação é uma musculatura que estamos desenvolvendo há muito tempo e que é a próxima onda da experiência do cliente”, apostou.

O desafio, para os bancos tradicionais, é a entrada dos bancos digitais, que vem crescendo num ritmo mais intenso, e ocupando uma parte do mercado. Para Fabricio, trata-se também de uma oportunidade. “Eles nos instigam a fazer diferente, nos tornam melhores”, afirmou.

 

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