O futuro foi minerado. O valor agora está no presente

Luiz Candreva
SXSW é um campo de batalha de ideias, uma arena onde tendências emergem, colidem, são desconstruídas e reconfiguradas diante de uma audiência que precisa navegar no caos para extrair valor delas. As conexões feitas entre os corredores e palcos são tão (ou mais) valiosas quanto as palestras e painéis em si. Aqui, a tecnologia e o comportamento humano se misturam em um caldeirão fervente de inovação, provocando reflexões que transcendem a lógica linear usualmente presente em nosso dia a dia.
Não é possível dizer que a edição de 2025 foi a melhor de todas as oito que participei até aqui, alias é seguro dizer que o evento em si começa a enfrentar uma fadiga e certamente terá de se reinventar nos próximos anos. Entre o choque de narrativas futuristas, painéis oscilando entre a promessa e a disrupção, e um turbilhão de ideias que exigem um pensamento elástico para serem absorvidas, as conexões e as trocas com os participantes e painelistas são, sem qualquer dúvida, o ponto alto da experiência como um todo.
As temáticas não ficam para trás: em um momento, discutia-se a revolução da computação quântica e sua inevitável dissolução dos paradigmas de processamento; no instante seguinte, o tema era comida impressa em 3D, projetada para alimentar estações espaciais e simultaneamente mitigar crises alimentares na Terra. O futuro — como já vemos há alguns anos em todos os eventos, publicações e afins — estava em tudo. Mas, curiosamente, ele soava como um terreno já exaurido.
Meus highlights das trilhas que acompanhei
O painel sobre longevidade e engenharia humana trouxe uma visão pragmática do que significa viver mais e melhor. O conceito de “década marginal” — os últimos dez anos de vida de um indivíduo, muitas vezes marcados por declínio e perda de autonomia — foi desconstruído. O que era visto como um período inevitável de fragilidade está sendo reescrito com a fusão de inteligência artificial, biotecnologia e medicina regenerativa. A nova fronteira não é apenas adicionar anos à vida, mas garantir que esses anos sejam ativos e produtivos. A longevidade agora se baseia em otimização e não em mera extensão do tempo.
Já na discussão sobre inteligência artificial e empatia, o questionamento foi direto: é possível programar compaixão? Enquanto a IA avança para se tornar parte do cotidiano, desde diagnósticos médicos até interfaces de atendimento ao consumidor, a capacidade de “entender” e “sentir” emoções humanas tornou-se um diferencial estratégico. As máquinas estão se tornando cada vez mais sofisticadas na interpretação de sentimentos, mas ainda esbarram em dilemas filosóficos. Podemos confiar em inteligências artificiais para decisões morais? Até onde vai a simulação e onde começa a verdadeira conexão?
O tema da comida fabricada no espaço parecia algo retirado da ficção científica, mas já é uma realidade. Os avanços na impressão 3D de alimentos não só garantem a subsistência de futuras colônias interplanetárias, mas também podem redefinir a segurança alimentar global. A capacidade de imprimir proteínas e nutrientes personalizados abre possibilidades imensas para eliminar desperdícios e adaptar dietas individuais a níveis microscópicos. O impacto disso se estende muito além dos limites do espaço: trata-se de um novo paradigma na forma como produzimos e consumimos alimentos.
Outra palestra que ecoou fortemente foi sobre a nova economia digital e a programabilidade do dinheiro. As moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) e os contratos programáveis podem mudar fundamentalmente a forma como o dinheiro circula. Transações automatizadas, restrições de uso e a transparência radical da blockchain abrem um novo leque de possibilidades para governos e empresas. Mas, ao mesmo tempo, levanta-se um dilema: até que ponto a liberdade financeira será preservada quando cada transação puder ser codificada e monitorada?
A computação quântica teve um lugar de destaque. Se a IA já é um vetor de transformação, a computação quântica promete reescrever completamente os fundamentos do processamento de dados. Modelos quânticos podem resolver problemas antes considerados impossíveis, otimizando desde logística até o desenvolvimento de novos materiais. Empresas que dominarem essa tecnologia terão um salto competitivo sem precedentes. No entanto, a questão que fica é: como garantir que essas capacidades estejam acessíveis para além dos grandes conglomerados tecnológicos?
Na palestra sobre urbanismo e cidades do futuro, um novo olhar para o planejamento urbano foi proposto. Em vez de cidades concebidas para atender à mobilidade baseada em carros, a ideia de espaços fluidos, dinâmicos e altamente conectados digitalmente toma forma. Sensores inteligentes, energia descentralizada e uma arquitetura modular transformarão as cidades em organismos vivos, adaptáveis e responsivos ao comportamento humano.
Por fim, um dos painéis mais provocativos explorou a fusão entre tecnologia e autonomia pessoal. Interfaces cérebro-máquina já não são apenas para controle de dispositivos, mas para a própria expansão cognitiva. A linha entre o natural e o artificial está cada vez mais borrada, e o domínio dessa tecnologia poderá reconfigurar a relação entre humanos e suas criações.
A verdade é que vivemos uma profunda convergência de tecnologias e seus usos. Todos os temas analisados acima (que você pode ouvir ou ler na íntegra nos links ao final deste artigo) são interdisciplinares e interconectados, ou seja, a separação entre as áreas, tal qual vimos no passado com, por exemplo, os computadores pessoais, será reduzida profundamente. Convergência é a maior tendência para qual todo líder deve se atentar.
O presente como ativo estratégico
Tive uma sensação peculiar e até incomoda ao longo do evento. Um desconforto que se tornou um insight macro, indireto e não-óbvio.
É como se o futuro tivesse sido intensamente minerado nos últimos anos, sobretudo após a pandemia. Especulado, explorado, desbravado até a exaustão. Já destrinchamos boa parte das megatendências, os infindáveis cenários de convergência tecnológica, as aplicações transdisciplinares da inteligência artificial, as consequências da automação, os impactos da biotecnologia. O futuro deixou de ser um mistério. Ele está cartografado. E, talvez por isso, ele já não seja o ativo mais valioso.
A verdadeira oportunidade, agora, parece estar no presente.
A ironia da experiência humana atual é essa: as empresas e profissionais que dominarão o futuro, são provavelmente aquelas que são capazes de enxergar o futuro, integrá-lo em suas estratégias, mas que em essência terão um foco maior no presente. O diferencial competitivo, em outras palavras, deixou de ser a previsão e passou a ser a execução. O jogo mudou. O que distingue empresas e profissionais não é mais sua capacidade de antever cenários futuros, isso é (ou deveria ser default, padrão integrado), mas sim sua disciplina para materializar o agora.
Executar nunca foi tão crítico.
A experiência no SXSW desse ano revelou isso de forma indireta, sob um véu de futuro e debates sobre o amanhã . As sessões mais impactantes não foram as que pintaram paisagens distantes e especulativas, mas sim as trocas nos corredores, os casos que trouxeram exemplos práticos de construção real, de aplicações concretas de conceitos que até então flutuavam como ideias abstratas. Empresas que já dominam suas operações com um DNA de futuro, mas que não se distraem com projeções distantes; que internalizaram a inovação como um reflexo natural, não como um objetivo isolado.
O insight final do SXSW 2025 é claro: para conquistar o futuro, além de saber navegar no caos, temos de executar no presente. Mais do que nunca. A inovação sem aplicação real é só ruído. A visão sem execução é só um delírio. O que define o sucesso não é o quanto você consegue prever, mas o quanto você consegue construir.
O futuro sempre será fascinante e necessário, olhar para o amanhã é elevar a linha de visão para buscar o horizonte, mas só chegaremos lá se estivermos atentos e firmes aos passos que damos logo à frente.
Agora, mais do que nunca, a diferença está em quem tem coragem para transformar a possibilidade em realidade, o conceito em produto, o plano em resultado.
E isso acontece aqui. Agora.
Usei o PlaudPin e o Plaud Note para gravar todas as palestras e ter resumos feitos por A.I. que vc encontra abaixo, além disso, a transcrição completa e áudio estão disponíveis também.
1. A Nova Fronteira da Longevidade – Explorando como biotecnologia, inteligência artificial e medicina regenerativa estão reescrevendo a longevidade humana, eliminando a chamada “década marginal” e permitindo vidas ativas até os 130 anos. (https://web.plaud.ai/share/3d4f1741717860732)
2. IA e Empatia: Máquinas Podem Sentir? – Uma discussão sobre a evolução das IAs emocionais e os desafios éticos e filosóficos da programação da empatia em máquinas.(https://web.plaud.ai/share/079e1741717916841)
3. A Revolução da Comida Impressa em 3D – Como a impressão de alimentos em 3D pode transformar a segurança alimentar global e viabilizar a alimentação de colônias espaciais. (https://web.plaud.ai/share/e8691741717953868)
4. Dinheiro Programável e a Nova Ordem Financeira – O impacto da tokenização, das moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) e dos contratos financeiros programáveis na economia global e na liberdade financeira individual. (https://web.plaud.ai/share/e8691741717970220)
5. Computação Quântica e a Reestruturação da Tecnologia – Como a computação quântica promete revolucionar o processamento de dados, reescrever modelos de segurança e otimizar setores como saúde e logística. (https://web.plaud.ai/share/c7fd1741717983476)
6. Cidades do Futuro: O Fim das Ruas e o Nascimento dos Espaços Inteligentes – A transição de cidades projetadas para carros para ecossistemas urbanos fluidos, sustentáveis e altamente digitalizados. (https://web.plaud.ai/share/fd491741718003194)
7. Interfaces Cérebro-Máquina: A Era da Expansão Cognitiva – Como a fusão entre tecnologia e autonomia pessoal está borrando os limites entre o natural e o artificial, permitindo aprendizado instantâneo e novas formas de interação. (https://web.plaud.ai/share/982e1741718018477)
8. A Ascensão das IAs Autônomas – O impacto de inteligências artificiais que podem aprender, tomar decisões e até reivindicar autonomia, e as implicações filosóficas e legais desse avanço. (https://web.plaud.ai/share/283e1741718035780)
9. A Bioengenharia Como Ferramenta de Sustentabilidade – A reconfiguração de ecossistemas naturais com organismos geneticamente editados para restaurar biomas e otimizar a biodiversidade. (https://web.plaud.ai/share/55cb1741718048946)
10. O Espaço Como Próximo Mercado – A transformação da exploração espacial em um setor econômico viável, com colônias autossuficientes e cadeias de suprimentos interplanetárias. (https://web.plaud.ai/share/e5681741718072125)
11. A Ética da Inteligência Artificial e a Autonomia das Máquinas – O debate sobre até que ponto devemos conceder direitos às IAs e o risco de sistemas autônomos sem governança eficiente. (https://web.plaud.ai/share/d52f1741718061484)
12. Neurociência e Performance Humana – Como a neurociência aplicada está otimizando habilidades cognitivas e físicas, influenciando desde o desempenho esportivo até a eficiência no trabalho. (https://web.plaud.ai/share/06ca1741718100410)
Luiz Candreva é um futurista e explorador, Head de Inovação da Ayoo, board member em diversos segmentos. Professor na FDC e HSM e palestrante com mais de 1.100 apresentações pelo mundo, sua trajetória combina visão estratégica e experiências extremas – de geleiras a vulcões, de voos acrobáticos a expedições marítimas. Sempre em busca de ampliar os limites do conhecimento, conecta inovação e aventura para antecipar cenários e compreender o comporta humano que molda o futuro.
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